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4. Modos de pôr o problema do empreendedorismo

4.7 Empreendedorismo como desenvolvimento

A necessidade de se conceptualizar o empreendedorismo segundo uma visão desenvolvimental tem encontrado suporte em múltiplas e distintas dimensões analíticas que, quando enquadradas conjuntamente, configuram um relevante suporte conceptual.

Vários autores, ainda que partindo de diferentes pressupostos, têm realçado o facto de cada potencial empreendedor ser, como indivíduo, portador de uma história desenvolvimental, desde a infância até à vida adulta, pejada de acontecimentos e dimensões relevantes para a sua construção pessoal (McClelland, 1961; Ashmore, 1990; Dyer, 1994; Krueger, 2007). Este facto, aliado à constatação decorrente de décadas de investigação no domínio do desenvolvimento vocacional que defendem que este se inicia na infância e que é resultado de uma contínua interação entre disposições biológicas, características individuais e contextos em permanente mutação (Super, 1980; Vondracek, Lerner & Schulenberg, 1986), tem permitido o surgimento de vários estudos empíricos com o intuito de validar o estudo do empreendedorismo como um resultado de um processo desenvolvimental, com início precoce na infância e adolescência (Schmitt-Rodermund, 2004; Obschonka, Silbereisen & Schmitt-Rodermund, 2010; Falck, Heblich & Luedemann, 2010; Obschonka, Silbereisen & Schmitt-Rodermund, 2011; Schoon & Duckworth, 2012; Zhang & Arvey, 2009). Esta conceção coloca como objeto de análise fundamental o denominado desenvolvimento empreendedor (Obschonka & Silbereisen, 2012), que se assume como as mudanças sucessivas e sistemáticas, que ocorrem ao longo do curso da vida, e que tornam a possibilidade de emergência de uma carreira empreendedora, de preferência bem-sucedida, mais próxima.

Obschonka & Silbereisen (2012) propõem um modelo desenvolvimental integrador – na medida em que incorpora contribuições de outros dois modelos prévios, o modelo desenvolvimental de Schmitt-Rodermund (Schmitt-Rodermund, 2004) e o modelo de traços da personalidade de Giessen-Amsterdam (Rauch & Frese, 2000) – denominado por modelo do ciclo vital do desenvolvimento empreendedor (Figura 6). Este modelo é ainda inspirado em dimensões avalizadas pelas mais recentes investigações no âmbito da psicologia do desenvolvimento, segundo as quais o desenvolvimento humano é concebido como um processo que decorre ao longo de toda a vida, caracterizado por ganhos e perdas e pela interação sistemática e complexa de fatores de índole biológica, psicossocial, comportamental e contextual (Baltes, Reuter- Lorenz & Rösler, 2006; Lerner, 2007; Sameroff, 2010). O modelo proposto assume a sua proximidade com diferentes conclusões decorrentes de investigações ao nível do desenvolvimento vocacional ao longo do ciclo vital, na medida em que estas acabaram por demonstrar a relevância de alguns fatores para a promoção do desenvolvimento vocacional dos indivíduos que se apresentam como similares no modelo apresentado para o empreendedorismo. Assim, os modelos de desenvolvimento vocacional assumem a

preponderância dos anos formativos dos indivíduos (infância e adolescência) na construção dos projetos vocacionais, advogam a plasticidade do desenvolvimento vocacional, valorizam a ação humana de exploração e integração da realidade envolvente, bem como enfatizam a relevância dos diferentes contextos de vida, nos quais o desenvolvimento ocorre ao longo de todo o ciclo vital.

Figura 6 – Modelo do ciclo vital do desenvolvimento empreendedor (Obschonka & Silbereisen, 2012)

Como forma de validação do seu modelo, Obschonka & Silbereisen (2012) apresentam as conclusões de um conjunto variado de estudos empíricos longitudinais que demonstraram a existência de várias destas características conotadas com o desenvolvimento vocacional no âmbito da problemática do empreendedorismo, estudos esses quer de carácter prospetivo, nos quais os indivíduos foram seguidos durante a infância, a adolescência e a vida adulta, quer de carácter retrospetivo, através da análise das histórias de vida e subsequente processo desenvolvimental de empreendedores estabelecidos (Falck et al., 2010; Obschonka et al., 2010, 2011; Schmitt-Rodermund, 2004; Zhang & Arvey, 2009; Baum, Bird & Singh, 2011; Leiter, Turner, D’Entremont & Kiani, 2008).

O modelo definido entende a emergência do empreendedorismo como um resultado de um processo desenvolvimental, na medida em que procura descrever o efeito das predisposições de índole biológica – como por exemplo, as características genéticas, o temperamento ou os traços gerais de personalidade (Rothbart, Ahadi & Evans, 2000; Rothbart, 2011) – e das oportunidades e constrangimentos ecológicos – como por exemplo, contextos precocemente estimulantes com presença de modelos positivos, modelos de educação parental, interação com

pares na infância e adolescência, existência de modelos de carreira ou apoios à criação de negócio) - no desenvolvimento de uma mentalidade ou propensão empreendedora na infância, na adolescência e na vida adulta.

Uma das partes centrais do modelo apresentado reside na consideração das adaptações características (carachteristics adaptations no original) precoces na infância e na adolescência como elementos precursores do desenvolvimento de uma propensão empreendedora na vida adulta, dado serem sobre estas que as predisposições de índole biológica e as condições ecológicas vão produzir o seu efeito. As adaptações características “refletem o núcleo psicológico duradouro do indivíduo” (McCrae & Costa, 1999, p. 144) e compreendem uma ampla diversidade de “variáveis motivacionais, sociocognitivas e desenvolvimentais, que são contextualizadas pelo tempo, pelas situações e pelos papéis sociais” (McAdams & Pals, 2006, p. 212).

Esta terminologia de adaptações características decorre da noção de que estas resultam da interação do indivíduo com as pessoas e contextos envolventes (como por exemplo, pais e pares) através de um processo contínuo de adaptação, mas tendo a noção de que essas próprias interações decorrem de forma idiossincrática, em função de características mais estáveis individuais, biológicas e de personalidade. Como exemplo destas adaptações características, Obschonka & Silbereisen (2012) apresentam as competências empreendedoras precoces e ajustadas à idade desenvolvimental, bem como aspetos de índole motivacional, como as crenças de autoeficácia, a autoestima, os valores, os objetivos, as aspirações e as expetativas pessoais.

Assumindo a sua visão congruente com diferentes modelos do desenvolvimento humano ao longo do ciclo vital que defendem que em todos os estádios desse ciclo existe potencial para mudança e crescimento (Baltes et al., 2006), este modelo de desenvolvimento empreendedor também preconiza que o desenvolvimento não estagna na vida adulta, dado que existe sempre a possibilidade de novos processos de adaptação e aprendizagem, em função de diversos contextos e situações de vida.

Contudo, o contributo mais relevante deste modo de pôr a questão do desenvolvimento empreendedor remete-nos para a consciencialização da extrema importância de uma socialização precoce dos indivíduos no âmbito do empreendedorismo, destacando-se, naturalmente, os anos formativos da infância e da adolescência como os períodos cruciais para a promoção deste desenvolvimento.

Esta visão e ênfase é corroborada por um conjunto de estudos e modelos do âmbito do desenvolvimento psicológico que afirmam a relevância destes períodos desenvolvimentais precoces para o processo de desenvolvimento humano. A título exemplificativo, poderemos referenciar as diversas teorias do desenvolvimento que apontam a infância e a adolescência

como uma fase determinante para o desenvolvimento das estruturas cognitivas, socio emocionais e de formação de identidade dos indivíduos (Piaget, 1964; Erikson, 1959; Bandura & McDonald, 1963; Vygotsky, 1978; Havighurst, 1972), investigações que demonstram o potencial destas fases precoces como momentos críticos e sensíveis para o desenvolvimento de competências (Pellegrino & Hilton, 2012; Eisenberg & Harris, 1984; CASEL, 2012), bem como abordagens que sustentam que o pensamento e ação empreendedora implicam estruturas cognitivas que são desenvolvidas em estádios iniciais de vida (Krueger, 2007; McClelland, 1961). Um outro modelo relevante, o modelo de desenvolvimento-contextual do empreendedorismo de Schoon & Duckworth (2012) parte do estudo do desenvolvimento vocacional segundo as perspetivas desenvolvimentais e contextualistas (Aldrich & Kim, 2007; Schoon, Martin & Ross, 2007; Schoon & Parsons, 2002; Vondracek, 1998), que enfatizam o papel relevante das múltiplas interações e influências nos diversos sistemas de vida contextuais do indivíduo, quer ao nível do seu microssistema, quer ao nível macro, bem como o facto de esse desenvolvimento implicar a integração das estruturas iniciais de ação em estruturas posteriores mais complexas (Elder, 1998).

Para a definição deste modelo, foi desenvolvido um estudo longitudinal em que, partindo da análise da vida de 6116 jovens nascidos, no Reino Unido, em 1970 até à idade de 34 anos, foi avaliado de que forma diferentes variáveis, tais como o estatuto socioeconómico, os modelos parentais, as habilitações académicas, as competências sociais, o autoconceito e a intenção empreendedora expressa durante a adolescência, se afirmavam como variáveis preditoras da emergência de empreendedorismo à idade de 34 anos (Schoon & Duckworth, 2012).

O estudo desenvolvido permitiu concluir a existência de duas grandes possibilidades de ligação das experiências primárias de socialização dos indivíduos com os produtos futuros em termos vocacionais, nomeadamente em termos da opção pelo empreendedorismo, tal como poderemos verificar no esquema abaixo (Figura 7).

Com base nos resultados obtidos, uma das relações desenvolvimentais definidas pelas autoras tem subjacente o processo de transmissão intergeracional dos recursos socioeconómicos. A segunda relação obtida remete para a relevância dos processos de transmissão entre pais e filhos de valores e comportamentos, verificando a existência de uma ligação entre a carreira vocacional dos pais, nomeadamente ao nível do autoemprego, e as capacidades individuais e preferências ao nível do trabalho por parte dos seus filhos e, subsequentemente, ao nível das suas ocupações futuras, principalmente nos jovens do sexo masculino.

Figura 7 - Resultados do modelo de desenvolvimento-contextual do empreendedorismo de Schoon & Duckworth (2012)

Apesar de algumas limitações ao nível da inferência dos resultados obtidos, na medida em que se trata de um grupo geracional definido, de um país distinto, os resultados obtidos assumem- se como um forte elemento de reflexão para a necessidade de produção de intervenções em contexto que permitam contrariar algumas destas conclusões, nomeadamente no que concerne a um certo determinismo social, provocado pelo enquadramento social, na emergência de comportamentos empreendedores.

Esta questão coloca um desafio ainda mais pertinente à atuação de outras estruturas de socialização primária, nomeadamente à Escola, na medida em que a ação educativa aí desenvolvida poderá/deverá providenciar novas oportunidades de rompimento deste “gueto” social limitante do empreendedorismo para todos.

Capítulo 2

Educação empreendedora em contexto escolar

Falar sobre educação empreendedora é, em geral, uma tarefa bastante problemática uma vez que o facto de não existir uma base consensual para a definição e compreensão do fenómeno do empreendedorismo levanta várias questões relevantes acerca das dimensões inerentes à própria educação empreendedora.

Além disso, caracterizar a educação empreendedora em contexto escolar torna-se ainda uma tarefa mais desafiante, na medida em que atualmente se verifica um claro desfasamento ao nível da produção científica relacionada com a educação empreendedora aplicada ao contexto do ensino superior - área na qual existe uma grande profusão de investigações produzidas -, ou ao contexto escolar, nomeadamente ao nível do ensino primário e secundário, no qual se verifica uma carência significativa de estudos publicados (Gibb, 2008; Pepin, 2011a).

Neste sentido, ao longo deste capítulo procuraremos esclarecer conceptualmente o que se entende por educação empreendedora em contexto escolar. Para conseguir atingir este desiderato, procuraremos dar resposta às dimensões que Fayolle e Gailly (2008) apresentam no seu modelo de análise conceptual da educação empreendedora, no qual são apresentados os desafios explicativos ao desenvolvimento e à operacionalização da mesma (Figura 8).

Este modelo procura identificar as diferentes questões relevantes, quer ao nível ontológico, quer ao nível educativo, para permitir a definição e a determinação de quais as melhores práticas ao nível do desenvolvimento da educação empreendedora em contexto escolar. No enquadramento inicial deste capítulo procuraremos dar resposta ao porquê de a educação empreendedora se ter tornado, ao longo dos últimos anos uma temática relevante no contexto escolar e educativo, valorizando essencialmente uma abordagem “alargada” do conceito de empreendedorismo e uma educação através do empreendedorismo, mais do que para o empreendedorismo. Será procurado oferecer resposta a algumas das questões de nível ontológico propostas por Fayolle e Gailly (2008), nomeadamente relativamente aos significados inerentes à educação empreendedora.

A identificação das razões que levam à inserção da educação empreendedora em contexto escolar será o mote para a definição de várias outras questões relevantes ao nível educativo, pelo que procuremos oferecer uma resposta às mesmas. Assim, ao longo deste capítulo será

ainda procurado identificar quais os objetivos e finalidades desenvolvimentais da educação empreendedora, identificando as dimensões que esta procura atingir e desenvolver nos alunos em contexto escolar, nomeadamente as competências empreendedoras e o próprio desenvolvimento psicológico.

Figura 8 – Modelo de análise da educação empreendedora ao nível ontológico e educativo de Fayolle e Gailly (2008)

Seguidamente serão analisadas algumas das questões que se relacionam com a operacionalização concreta dos processos de intervenção de educação empreendedora em contexto escolar, nomeadamente procurando apresentar modelos de progressão da educação empreendedora que permitem identificar quando deve esta ser desenvolvida junto dos alunos, em função dos objetivos e do estádio desenvolvimental dos alvos.

Finalmente, serão ainda identificados e descritos os modelos pedagógicos e as principais técnicas pedagógicas associadas à implementação da educação empreendedora em contexto escolar.

As questões relativamente aos resultados esperados e à sua avaliação, dada a sua especificidade e relação com o trabalho empírico de investigação desenvolvido, será remetida para análise mais aprofundada no capítulo posterior.