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3. Objetivos desenvolvimentais e finalidades da educação empreendedora em contexto

3.1 O conceito de competência

De acordo com Ceitil (2006), o termo competência tem sido perspetivado ao longo dos tempos de forma muito distinta, sendo possível encontrar referências que o colocam como atribuição, como qualificação, como traço/característica pessoal, como comportamento/ação. Para além disso, por vezes encontra-se conotado com um apelo a características extrapessoais (perspetiva das atribuições e das qualificações), intrapessoais (perspetiva dos traços/ características pessoais) e/ou comportamentais.

Também no que concerne ao enquadramento social e político, verificamos que este conceito tem assumido uma relevância significativa, sendo referenciado em diversos contextos diferenciados, polvilhando discursos políticos, económicos e sociais.

Instituições políticas, como a OCDE, afirma que as competências transformaram-se na força motriz fundamental para o sucesso económico e para o bem-estar individual no século XXI. Sem investimento adequado nas competências, as pessoas permanecem à margem da sociedade, o progresso tecnológico não se traduz em crescimento e os países deixam de poder competir nas economias que se baseiam cada vez mais no conhecimento (OECD, 2015). Também como defende a União Europeia, a competência é uma combinação de conhecimentos, capacidades e atitudes adequadas ao contexto (Estella & Vera, 2008).

Man e colaboradores (2008) consideram que, a partir do trabalho de Boyatziz, em 1982, o estudo das competências começou a ganhar importância. Nesse sentido, apresentamos algumas das definições de competências que se seguiram à proposta primeiramente formulada por Boyatziz (Tabela 9).

Em todas as definições apresentadas, as competências são definidas como as características que devem estar presentes num indivíduo, sejam conhecimentos, habilidades, qualidades, atitudes, aptidões, traços de personalidade, motivos, autoconceito e capacidades, para que o seu trabalho seja desempenhado com grande qualidade. Por outro lado, podemos considerar que estes elementos ou componentes integram e explicam o conceito de competências. Também no domínio educativo temos assistido a uma profusão deste conceito. No âmbito educativo, a noção de competência enfatiza a mobilização de recursos, conhecimentos ou saberes vivenciados. Manifesta-se na ação ajustada diante de situações complexas, imprevisíveis, mutáveis e sempre singulares (Boterf, 2003; Perrenoud, 1999, 2001, 2005).

Tabela 10

Diferentes definições de competência (adaptado de Carvalho (2004))

Autor(es)

Conceito de Competência

Boyatziz (1982)

Conjunto de motivações, traços de personalidade, habilidades e aspetos relacionados com a autoimagem ou do próprio papel na sociedade que se relacionam de forma causal com um desempenho superior num posto de trabalho.

Burgoyne (1989) Capacidade e a vontade para realizar uma determinada tarefa.

Hornby & Thomas (1989) Conhecimentos, habilidades e qualidades que devem estar presentes num determinado gestor/líder.

Albanese (1990) Uma habilidade e/ou característica pessoal que contribui para um desempenho eficaz na gestão. Quinn, Faerman, Thompson &

Mcgrath (1990)

Conhecimentos e habilidades para desempenhar de forma apropriada uma determinada tarefa.

North (1993) Habilidade para desempenhar uma determinada função.

Spencer & Spencer (1993)

Características essenciais (motivações, traços de personalidade, autoconceito, conhecimentos e habilidades) de uma pessoa relacionados de forma causal de acordo com um critério

estabelecido, e/ou desempenho superior num posto de trabalho ou situação.

Le Boterf (1994) É um saber agir responsável e que é reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto determinado.

Mertens (1996) Conjunto de conhecimentos, habilidades/atitudes e traços de personalidade que possibilitam que as pessoas desempenhem o seu trabalho com garantias de sucesso.

Levy-Leboyer (1997) Repertório de comportamentos (aptidões, traços de personalidade e conhecimentos), que algumas pessoas dominam melhor que outras, o que lhes permite ser eficazes numa determinada situação.

Fleury & Fleury (2001) Um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades, que agreguem valor económico à organização e valor social ao indivíduo.

Man (2001) Características que devem estar presentes num indivíduo, para que o seu trabalho seja desempenhado com grande qualidade. Cordeiro, Araújo & Silva

(2006)

Conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que, aplicados, geram algum tipo de resultado.

Illeris (2009)

As competências não são apenas baseadas em conhecimentos e habilidades, mas também em disposições mais subjetivas e em vários cursos de ação possíveis em situações incertas

Para Perrenoud (1999), uma competência traduz-se na capacidade de agir eficazmente perante um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se limitar a eles. É um saber em uso que exige integração e mobilização de conhecimentos, processos e predisposições que, ao incorporarem-se uns nos outros, vão permitir ao sujeito fazer, pensar, apreciar (Roldão, 2002). Constitui a faculdade de mobilização de recursos cognitivos, com vista à resolução com pertinência e eficácia de uma série de situações (Perrenoud, 1999).

Nestas enunciações, podemos encontrar diferentes componentes das competências: saber- saber, saber-fazer, saber-ser. Definir competência através de cada uma destas componentes pode ser, no entanto, uma tentação perigosa, uma vez que a) os saberes fazem parte da competência, mas não se podem confundir com ela; b) as competências são descritas como ações, mas não é o facto de descrever as ações que explica ou que possibilita a ação ou o êxito; c) as competências estão diretamente relacionadas com o contexto e o saber ser não tem implícito esse contexto (Dias, 2010).

Para Fleury e Fleury (2001), as competências são dimensões que só assumem valor quando contextualizadas, dado que qualquer avaliação de competências implica a sua comunicação e utilização em determinadas situações de interação com o contexto. Neste sentido, os autores concebem as competências como fonte de valor para o indivíduo e para as organizações (Figura 9).

Figura 9 – Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização (Fleury e Fleury (2001)

Na realidade, o conceito de competência tem vindo a granjear um grande interesse por parte dos decisores políticos, na medida em que consideram que, tendo em consideração a evolução pós-moderna de economias baseadas na indústria para economias baseadas na informação e no

conhecimento, torna-se fundamental que os sistemas educativos respondam a esta mudança, existindo uma grande pressão para que estes assumam e integrem a abordagem por competências. Contudo, torna-se relevante a produção de quadros conceptuais integradores que apontem quais as competências a desenvolver, pelo que tem existido uma aposta por parte dos decisores políticos em desenvolverem ou financiarem investigação que permita a produção desses quadros.

Apresentamos, de seguida, três exemplos de quadro conceptuais de competências que se têm afirmado como orientadores de políticas educativas ao nível da abordagem por competências. Um dos quadros que apontamos é o decorrente do projeto Assessment and Teaching of 21st century skills (ATC21S), sedeado na Universidade de Melbourne, mas que integra e é financiado por diversos países, entre os quais Portugal(Griffin, McGaw & Care, 2012). No âmbito deste projeto foram definidas dez competências do século XXI, enquadradas em quatro categorias: Ways of thinking, ways of working, tools for working e living in the world. As competências descritas foram agrupadas segundo o acrónimo KSAVE (knowledge, skills, attitudes, values and ethics), que nos remete para as cinco componentes das competências que este grupo definiu – conhecimento, habilidades, atitudes, valores e ética (Binkley et al., 2012).

O segundo quadro que referenciamos já foi por nós indicado anteriormente, mas consideramos relevante a sua nova identificação, com vista a permitir um melhor enquadramento comparativo. Trata-se da proposta de competências-chave formulada pela União Europeia relativa à aprendizagem ao longo da vida (European Commission, 2007).

O terceiro quadro de análise é o decorrente das conclusões do projeto, sedeado nos Estados Unidos da América, e que se denomina por Partnership for Twenty-first Century Skills (P21) (P21, 2009).

Tal como poderá ser verificado, em todas elas existem dimensões de competências que estão intimamente conotadas ao empreendedorismo, à inovação e à criatividade, facto que se transforma num forte apelo à integração da educação empreendedora nos sistemas educativos.

Tabela 11

Análise comparativa de três quadros conceptuais de competências

Assessment and Teaching of 21st century skills

(ATC21S)

União Europeia

(Competências-chave para a aprendizagem ao longo da vida)

Partnership for twenty- first century skills

(P21)

Ways of thinking

Criatividade e inovação Aprender a aprender Criatividade e inovação Pensamento crítico, resolução

de problemas; tomada de decisão Pensamento crítico; resolução de problemas Aprender a aprender; metacognição Ways of working

Comunicação Comunicação na língua-mãe Comunicação Colaboração (trabalho de

equipa)

Comunicação em línguas

estrangeiras Colaboração Tools for working

Literacia informacional Competências matemáticas e competências básicas Literacia informacional, literacia dos media Literacia TIC Competências digitais Literacia TIC Living in the world

Cidadania global e local Consciência e expressão cultural adaptabilidade Flexibilidade e Vida e carreira Competências sociais e cívicas Iniciativa e auto direção Responsabilidade pessoal e

social, incluindo consciência e competência cultural

Sentido de iniciativa e empreendedorismo

Competências sociais e transculturais

Empreendedorismo externo Empreendedorismo interno Produtividade e credibilidade Liderança e responsabilidade