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4. Modos de pôr o problema do empreendedorismo

4.4 Empreendedorismo como processo

Uma outra forma muito comum de conceptualizar o empreendedorismo é a tentativa de o concebermos como um processo.

De acordo com Kuratko e colaboradores (2015), a conceptualização dos fenómenos-chave de acordo com uma representação de processo é uma das principais formas pelas quais várias áreas de estudo avançam. Segundo estes autores, os benefícios de uma abordagem como processo no âmbito do estudo do empreendedorismo, incluem a possibilidade de decomposição da ação empreendedora em estádios ou passos específicos. Assim, ainda que alguns destes passos possam ter a tendência de se sobrepor, a construção de um modelo de processo do empreendedorismo tenderá a permitir verificar a possibilidade de progressão lógica das ações empreendedoras.

Ainda como vantagem, os autores apontam que o facto de o empreendedorismo ser apresentado segundo uma visão de processo permite afastar a ideia de que o ato empreendedor resultaria de um acontecimento derivado do acaso ou da sorte, ou mesmo, capaz de ser atingido por apenas uma pequena seleção de indivíduos. Assim, concebido de acordo com modelos processuais sustentáveis, o processo empreendedor poderia ser aplicado em qualquer contexto organizacional, desde os contextos de criação de novas empresas, até instituições já estabilizadas, públicas ou privadas, bem como poderia ser desenvolvido de forma contínua e sistemática, tanto ao nível individual como ao nível organizacional (Leitch & Harrison, 1999; Liñán, 2007; Moroz & Hindle, 2012).

A introdução de uma visão do empreendedorismo como processo tem conduzido à criação de uma perceção externa do empreendedorismo como uma atividade linear, baseada na identificação de oportunidades, no desenvolvimento de conceitos, na compreensão dos recursos necessários, na aquisição desses recursos, no desenvolvimento de planos de negócio, na implementação desses planos, na gestão do negócio e na saída do mesmo (Morris, 1998; Morris, Kuratko, Schindehutte & Spivack, 2012).

Contudo, na perspetiva crítica de alguns autores, concebido como um processo linear, o empreendedorismo transforma-se apenas numa outra versão da gestão – um processo de liderança, controlo, planeamento e avaliação –, com a diferença a decorrer apenas da sua aplicação a novas organizações (Neck, Greene & Brush, 2015).

Ainda assim, é importante ter a noção de que esta visão se encontra totalmente disseminada, nomeadamente no que concerne aos processos de educação empreendedora. De acordo com Neck e colaboradores (2015), a partir de um estudo analítico efetuado a cerca de 45 manuais de empreendedorismo correntemente no mercado, concluiu-se que cerca de oitenta por cento

dos mesmos enfatizavam o empreendedorismo como processo. Nessa análise, os autores verificaram que os tópicos de processo abordados incluíam a avaliação de oportunidades, o planeamento do negócio, o planeamento de marketing, a aquisição de recursos, a gestão do negócio, a constituição de negócio e a saída.

Para os autores, a constatação deste peso significativo das abordagens de processo no empreendedorismo encontra-se claramente justificada pela proliferação acentuada de autores e investigadores da área da gestão e da administração que se têm interessado pela problemática e que têm procurado desenvolver modelos compreensivos processuais do empreendedorismo (Neck et al., 2015).

Não discordando totalmente desta visão enunciada por Neck e colaboradores (2015), importa, contudo, ressalvar que a tentativa de conceptualização do empreendedorismo como processo tem também tido o condão de permitir o surgimento de modelos processuais do empreendedorismo que não se resumem a caracterizar o empreendedorismo apenas de acordo com passos associados à criação e gestão de novas empresas, existindo também modelos processuais que, de uma forma estruturada, permitem conceber as fases cronológicas da emergência do processo empreendedor, bem como diferentes etapas na formação da identidade empreendedora no indivíduo.

Nesse sentido, apresentam-se, de seguida, duas dessas propostas de modelo assentes na conceção do empreendedorismo como processo e que possuem uma maior ligação com os processos inerentes e relevantes para a educação empreendedora.

A primeira proposta refere-se à conceptualização de Kyrö (2011) relativamente às diferentes fases processuais da ação empreendedora (Figura 3) e que se constitui como uma boa análise para conceber os processos educativos subjacentes à preparação do empreendedor para os diferentes desafios com que se confrontará ao longo do processo.

De acordo com este modelo, a ação empreendedora poderia ser concebida como tendo um momento de preparação e um momento de ação propriamente dita.

A preparação da ação empreendedora seria, segundo a proposta de Kyrö (2011), subdividida em duas fases distintas, uma relativa ao período de infância e juventude e que é denominada por fase de pré-intenção, e uma segunda, já relativa ao período de vida adulta, que seria concebida como uma fase de intenção de ação empreendedora.

Figura 3 – Modelo de processo de Kyrö (2011)

A entrada no momento de ação empreendedora seria dependente da performance no ato criativo de negócio ou empresa. Contudo, de acordo com este modelo, a ação empreendedora não se resumiria a esta criação de negócio, mas prolongar-se-ia durante as fases de implementação e desenvolvimento da mesma, atravessando fases de superação de eventuais crises, de estabelecimento, de crescimento ou de declínio.

O modelo proposto por Kyrö (2011) implica conceber que, em cada uma das suas diferentes fases, será suposto ao empreendedor reconhecer e atuar sobre os diferentes determinantes que condicionam a superação bem-sucedida dos constrangimentos e oportunidades gerados. O modelo proposto acaba também por implicar uma necessidade de preparação contínua e sistemática do empreendedor para cada uma das fases distintas com que se vai confrontado, remetendo para conceito de formação ao longo da vida do empreendedor em diferentes dimensões que se revelarão fundamentais para o êxito da ação empreendedora.

Um outro modelo processual distinto a este é o modelo de construção de identidade empreendedora de Middleton (2014), no qual se procuram explicitar os processos inerentes à manifestação do comportamento empreendedor (Figura 4).

Na conceção deste modelo, a competência empreendedora decorre, não só de dimensões de conhecimento (“saber o quê”, no original “Know what”) ou de habilidade (“saber como”, no original “know how”), mas também de questões ligadas a uma maior conhecimento identitário do indivíduo (“saber porquê/autoconhecimento”, no original “know why/learning about oneself”).

Figura 4 – Modelo de processo de Middleton (2014)

Na visão da autora, para a emergência desta competência, é importante que as formas de aprendizagem assumam um cariz significativo para o indivíduo, pelo que as experiências empreendedoras providenciadas devem ser capazes de estimular as emoções, crenças e valores dos indivíduos, num processo para o qual a reflexão da ação assume um importante papel (Donnellon, Ollila & Middleton, 2014).

Na visão de Middletton (2014), da interação entre estas dinâmicas de aprendizagem e do incremento das competências empreendedoras, o indivíduo vai estruturando a sua identidade empreendedora. Esta vai ganhando legitimação a partir do momento em que diferentes formas de registo da sua própria ação – narrativas, produções pessoais - vão ganhando consistência, facto que permitirá que o indivíduo supere, através de alguma persistência e perseverança, os diferentes constrangimentos contextuais e manifeste um comportamento empreendedor. No fundo, estas duas visões agora apresentadas procuram contribuir para a ideia de que, desde que não meramente centrados em dinâmicas de gestão e/ou de input-output, é possível concretizar diferentes modelos processuais que permitem ajudar a simplificar a perceção das questões intrínsecas ao empreendedorismo.