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Operacionalização dos processos de intervenção de educação empreendedora

Tal como foi possível constatar até ao presente momento, o estudo das dimensões intrínsecas à concretização da educação empreendedora em contexto escolar tem sofrido, ao longo dos últimos anos, a dificuldade de tentar superar algumas das limitações impostas pela existência, na investigação, de diferentes definições de empreendedorismo e de diversificadas abordagens e visões da própria educação empreendedora (Blenker et al., 2011; Gibb, 2008; Mahieu, 2006; Rasmussen & Nybye, 2013). Simultaneamente, verifica-se ainda um grande desfasamento em termos do investimento que os diferentes autores têm produzido ao nível da investigação relativamente da educação empreendedora em contexto universitário (Breneman, 2005; Dominguinhos, Sardinha, Carvalho, Ramalho & Pereira, 2005; Gibb & Hannon, 2006; Gibb & Haskins, 2014; Gibb, 2005; Rae, 2010b; Santos & Caetano, 2010) , quando comparada com os outros níveis de ensino, nomeadamente de contexto escolar. Mesmo em relação a estes, existe uma maior profusão de estudos direcionados a estudar as características e o impacto de intervenções direcionadas a alunos do ensino secundário (Cheung, 2008; Draycott, Era & Vause, 2011; Paço, Ferreira, Raposo, Rodrigues & Dinis, 2011; Rodrigues & Dinis, 2012; Studdard, Dawsonv & Jackson, 2013), sendo ainda relativamente poucos os casos de estudos direcionados ao estudo da educação empreendedora em contexto escolar direcionada a crianças mais pequenas (Heilbrunn, 2010; Paço & Palinhas, 2011; Pepin, 2015; Tsakiridou & Stergiou, 2014). Ainda assim, no âmbito dos autores que têm vindo a refletir acerca da educação empreendedora, começam a ser definidos alguns consensos, nomeadamente no que diz respeito ao facto de se considerar que o ensino do empreendedorismo pode e deve ocorrer no início da vida de um indivíduo, como criança (Kourilsky & Walstad, 2002; Kuip & Verheul, 2003; Lundström & Stevenson, 2005; L. Stevenson & Lundström, 2002) e que o contexto escolar é um contexto primordial para o desenvolvimento dessa intervenção (Chaves, 2009; European Commission/EACEA/Eurydice, 2012; Filion, 2006; Pepin, 2011b; Samson & Morin, 2013). Paralelamente, contudo, cresce também a consciência de que a educação empreendedora não pode procurar um modelo único de intervenção, devendo procurar diversificar-se, nas suas configurações e metodologias, aos contextos de intervenção – escola, universidade ou outros – e às faixas desenvolvimentais dos alvos de intervenção – crianças, jovens e/ou adultos (Lackéus, 2015).

De acordo com Lackéus (2015), alguns autores têm vindo a fazer propostas para a conceptualização da educação empreendedora segundo modelos de progressão específicos. Esta configuração da educação empreendedora em modelos de progressão permite que sejam introduzidas mudanças graduais e sistemáticas ao nível das definições e dos resultados das intervenções produzidas à medida que os alunos vão progredindo no sistema educativo.

Simultaneamente permite apoiar os professores na tentativa de estes incorporarem o empreendedorismo na própria educação, ao incrementar a compreensão das dinâmicas intrínsecas a essa conjugação.

Esta tentativa de definição de modelos de progressão da educação empreendedora é ainda um esforço raro no âmbito da literatura científica desta área, não sendo ainda muitos os autores que têm procurado contribuir para esta visão, dada a centração que se regista na investigação de propostas de intervenção em contexto de ensino superior e na operacionalização de programas (Lackéus, 2015).

Ainda assim, procuraremos de seguida apresentar quatro modelos de progressão distintos que têm vindo a ser difundidos em diferentes países do mundo, nomeadamente no Reino Unido (Gibb, 2008), no Canadá (Ministère de l’Éducation, 2012a), na Dinamarca (Rasmussen & Nybye, 2013) e na Suécia (Lackéus, 2013a, 2015).

Relativamente ao modelo de progressão da educação empreendedora proposto por Gibb (2008), o autor propõe que, por forma a permitir que a educação empreendedora seja incluída no sistema educativo, esta teria de ser “centrada na criança na educação primária, centrada nas temáticas no ensino secundário, centrada nas dimensões vocacionais nas restantes tipologias de ensino e configurada como disciplina no ensino superior”(p. 122). Em função desta categorização destes quatro níveis de educação, Gibb (2008) procurou ainda ligar estas quatro etapas do seu modelo de progressão a oito resultados supostamente testáveis e que consistem em diferentes variações de competências empreendedoras, cognitivas e não-cognitivas, que seriam passíveis de serem avaliadas em cada nível de ensino. Nesta sua obra, Gibb (2008) apresenta ainda alguns exemplos relativamente a exercícios e metodologias de avaliação de competências que poderiam ser usados no contexto educativo, de acordo com cada um dos níveis implicados.

Um modelo distinto deste é o proposto pelo Governo do Québec, que tem procurado, ao longo dos últimos anos, definir políticas de enquadramento da educação empreendedora no âmbito do sistema educativo (Duchaine, 2007; Ministère de L’Éducation, 2013; Pepin, 2011b; Rollin, Daigle & Lemay, 2011).

O modelo de progressão apresentado para a educação empreendedora em contexto escolar procura valorizar, de forma integrada no ensino primário e secundário, três processos básicos que são relevantes, não só para o desenvolvimento de uma cultura empreendedora em contexto escolar, mas também para a promoção do desenvolvimento vocacional dos jovens (Ministère de l’Éducation, 2012a).

Dessa forma, são apresentados como processos básicos de desenvolvimento o contínuo investimento nos processos de descoberta, exploração e experimentação (Figura 12). Cada um

desses processos é desenvolvido de forma cíclica ao longo de todo o período de enquadramento do indivíduo no contexto educativo, sendo mais ou menos ativados em função do estádio desenvolvimental dos alunos.

Figura 12 – Modelo de progressão da educação empreendedora em contexto escolar do Governo do Québec, Canadá

Segundo este modelo de progressão, o processo de descoberta é ativado gradualmente, começando no ensino básico e sendo continuamente operacionalizado até ao final de escola secundária, tendo como objetivos procurar ajudar os alunos a: a) descobrir a existência do empreendedorismo; b) descobrir as suas qualidades empreendedoras; c) consciencializar-se do seu espírito empreendedor; d) descobrir os recursos disponíveis na comunidade imediata; e) descobrir o seu potencial para completar um projeto.

Já o processo de exploração deverá também ser ativado de forma crescente, desde o fim do 1º ciclo do ensino básico, prolongando-se até ao ensino secundário, procurando ajudar os alunos a: a) explorar o seu perfil empreendedor; b) aplicar o seu espírito empreendedor em diferentes contextos; c) explorar as suas atitudes e estratégias; d) explorar, em maior profundidade, as suas próprias qualidades, potencial e capacidades para desenvolver um projeto; e) explorar os diferentes papéis sociais do empreendedorismo; f) explorar a comunidade e começar a construir a sua própria rede de contactos.

Por último, o processo de experimentação deveria ser também introduzido gradualmente, mas de forma bastante intensiva no ensino secundário, procurando permitir aos alunos: a) testar o

seu perfil empreendedor em ação, através de experiências de ação; b) experimentar processos de tomada de decisão e aplicar as aprendizagens empreendedoras em diferentes situações; c) experimentar a criação de um projeto empreendedor, incluindo a implementação e o desenvolvimento de contactos com a comunidade mais abrangente; d) aplicar o seu espírito empreendedor em diferentes contextos; e) consciencializar-se do seu próprio espírito empreendedor e definir opções de carreira; f) pensar, analisar e tornar-se consciente.

O terceiro modelo de progressão da educação empreendedora que apresentamos é o modelo desenvolvido pela Danish Foundation for Entrepreneurship e pela sua equipa de investigadores (Rasmussen & Nybye, 2013).

No seu modelo (Figura 13), estes autores propõem que existem quatro dimensões básicas da educação empreendedora que deverão ser tidos em conta pelos educadores, independentemente do nível educativo em questão, sendo estas dimensões a ação, a criatividade, a perceção do ambiente e a atitude (Rasmussen & Nybye, 2013).

Figura 13 – Modelo de progressão da educação empreendedora em contexto escolar proposto pela Danish Foundation for Entrepreneurship (Rasmussen & Nybye, 2013)

No que concerne à dimensão ação, neste modelo esta é entendida como a habilidade e o desejo dos alunos para implementarem iniciativas de criação de valor, bem como a habilidade para concretizar essas iniciativas através de processos de cooperação, parceria e construção de redes (Sarasvathy & Venkataraman, 2011; Venkataraman, Sarasvathy, Dew & Forster, 2012). Esta dimensão inclui ainda a capacidade de comunicar de forma adequada e de organizar, preparar, planificar e liderar atividades (Rasmussen & Nybye, 2013).

A dimensão criatividade é descrita por Rasmussen e Nybye (2013) como a capacidade para descobrir e criar ideias e oportunidades (Shane & Venkataraman, 2000), bem como a habilidade para combinar conhecimento, experiência e recursos pessoais em diferentes áreas de novas

formas (Sarasvathy, 2001). Neste contexto, a criatividade pode ainda ser vista como a habilidade para criar e rever perceções pessoais, para experimentar e para improvisar no sentido da resolução de problemas e de enfrentar desafios (Saraçoğlu, Duran & Taskin, 2010; Saraçoğlu & Duran, 2009).

A perceção do ambiente é concebida como a dimensão que implica conhecimento e compreensão do mundo envolvente, tanto local como globalmente (Rasmussen & Nybye, 2013). Neste sentido, implica a capacidade de analisar o contexto em termos sociais, culturais e económicos, como base para o desenvolvimento de atividade e ações de criação de valor (Venkataraman, Sarasvathy, Dew & Forster, 2012).

Por último, a dimensão atitude é concebida como os recursos pessoais e subjetivos com os quais os alunos enfrentam os desafios e as tarefas (Rasmussen & Nybye, 2013). A atitude pessoal é baseada na capacidade de trabalhar consistentemente, ultrapassando a ambiguidade, a incerteza e a complexidade. Implica ainda a capacidade de aceitar e de aprender com os outros e com os próprios erros (DeTienne & Chandler, 2004) e de fazer avaliações e reflexões éticas. No sentido de fortalecer estas quatro dimensões e a sua relação com o conhecimento e os conteúdos mais específicos da escola e dos diferentes níveis de ensino, é essencial que os alunos desenvolvam contínuas e sistemáticas experiências, com os processos de criação de valor empreendedor como parte do ensino. A experiência é entendida neste modelo como o envolvimento ativo e pessoal em processos e a experiência de ligação entre teoria e prática que ligam as quatro dimensões com os conteúdos específicos de aprendizagem, de acordo com os diferentes níveis gradativos de complexificação.

Um último modelo de progressão da educação empreendedora que referenciamos é o modelo integrador de Lackéus (2015), que foi desenvolvido por este autor no seguimento da tentativa de criação de um modelo unificado de compreensão da progressão da educação empreendedora em contextos educativos. O modelo proposto resulta da congregação de quatro modelos previamente analisados pelo autor (Blenker et al., 2011; Gibb, 2008; Lackéus, 2013a; Rasmussen & Nybye, 2013), incorporando várias dimensões consideradas centrais para a compreensão de uma progressão na educação empreendedora.

Na análise que efetuou aos quatro modelos prévios, Lackéus (2015) verificou que existiam algumas características que eram comummente apontadas, nomeadamente a existência de uma abordagem de trabalho de grupo, um foco na criação de valor, uma tentativa de fazer os alunos contactar com o mundo exterior e o providenciar de ações com vista a desenvolver conhecimento e competências aos alunos.

Com base nestas referências, foi criado um modelo esquemático (figura 14) que procura identificar quais as dimensões presentes em cada passo de uma progressão da educação

empreendedora em contexto educativo, sendo definido um passo genérico sempre presente e três passos subsequentes que se traduzem na progressão.

Figura 14 – Modelo de progressão da educação empreendedora em contexto escolar de Lackéus (2015)

No primeiro passo desta progressão, Lackéus (2015) recomenda uma abordagem infundida ou inserida das temáticas empreendedoras nos diferentes conteúdos académicos e não como uma disciplina separada. Resultante desta abordagem são esperados, como produtos, a criatividade, o envolvimento e a autoeficácia, mas também a incerteza e a ambiguidade, que podem ser experiências negativas desta fase inicial (Lackéus, 2013a). Este primeiro passo tem por base a noção “alargada” de educação empreendedora, remetendo para uma abordagem de educação através do empreendedorismo.

No segundo passo, que poderá, por exemplo, corresponder ao ensino secundário, existe uma bifurcação de opções em termos de progressão da educação empreendedora, na qual, numa das opções, os alunos continuam numa abordagem infundida ou disseminada de conteúdos empreendedores, continuando estes a ser propostos numa lógica de criação de valor e de propostas de ação sobre o currículo. Nesta fase, contudo, alguns alunos poderão fazer uma escolha de enveredarem por domínios do conhecimento mais conotados com a área económica ou financeira e, para estes, a noção “estreita” de educação empreendedora fará mais sentido, na medida em que serão inseridos em ambientes formativos orientados para o estudo e criação de empresas, adotando uma linguagem específica desses contextos.

Um terceiro e último passo implica um aprofundamento das dimensões intrínsecas à educação para o empreendedorismo, com maior explicitação teórica e modelos de criação de valor centrados na emergência de competências mais específicas. Na abordagem mais alargada, isto poderá resulta no desenvolvimento de indivíduos mais empreendedores, capazes de criar valor em vários domínios da sociedade e em diferentes contextos de vida. No caso dos indivíduos inseridos na noção mais “estreita”, isto é, envolvidos em processos pessoais de formação empresarial ou económica, poderão ser operacionalizados processos que, na base de um aprofundamento teórico relevante, possam levar à concretização da criação de novas organizações sustentáveis. Como resultado final deste processo formativo mais especializado, os indivíduos estariam habilitado para a criação de novos negócios dentro ou fora de organizações pré-estabelecidas, mas seriam também indivíduos empreendedores, capazes de criar crescimento e valor em todos os domínios da sociedade (Davidsson & Honig, 2003; Obschonka, Silbereisen, Schmitt-Rodermund & Stuetzer, 2011; Redford, 2008; Stuetzer, Obschonka & Schmitt-Rodermund, 2012).

Todas estas abordagens referidas têm o condão de permitir compreender que, do ponto de vista teórico, comecem já a existir ideias bem definidas relativamente a quando deve ser intencionalizada a educação empreendedora nos contextos educativos (Figura 15), mas, na realidade, esta conceção ainda está longe de se encontrar totalmente disseminada em termos de implementação.

Pela análise dos modelos apresentados, podemos concluir que o ideal seria a tentativa de introdução da educação empreendedora em idades precoces, preferencialmente no nível pré- escolar ou básico (Insulander, Ehrlin & Sandberg, 2015; Kuip & Verheul, 2003; Schmitt- Rodermund, 2004; Schoon & Duckworth, 2012), com uma definição “alargada” de empreendedorismo disseminada e inserida no currículo e relevante para os alunos (Lackéus et al., 2013; Lackéus, 2013a, 2015).

Na prática, contudo, o desenvolvimento de intervenções explícitas de educação empreendedora em contexto escolar de nível básico, nomeadamente de 1º ciclo, são deveras raras, pelo que incidiremos a nossa investigação neste domínio com vista a procurar auxiliar na produção de conhecimento científico relativamente à introdução da educação empreendedora em contexto escolar neste nível de ensino.

Figura 15 – Proposta integradora de conceptualização da educação empreendedora em contextos educativos (adaptado de Lackéus (2015))

Nos restantes níveis de ensino, várias têm sido já os estudos e intervenções desenvolvidos com o intuito de fomentar algumas das características descritas nos modelos de progressão acima descritos. Contudo, destaca-se a necessidade de criação de quadros de leitura mais objetivos relativamente aos modelos e técnicas pedagógicas diversificadas que têm vindo a ser desenvolvidos.

Nesse sentido, iremos de seguida procurar analisar as características desses modelos e técnicas pedagógicas que têm servido de base à educação empreendedora desenvolvida em contexto educativo.