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Compreendendo, a Constituição Econômica, conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica (mun-

ORDEM ECONÔMICA

29. Compreendendo, a Constituição Econômica, conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica (mun-

do do ser) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordena- doras da economia, é de se'esperar que, como tal, opere a con- sagração de um determinado sistema econômico. E isso mesmo em uma situação limite, quando — et pour cause — expressa- mente não defina esses preceitos ou tais princípios e regras. Dir- se-á mesmo, radicalizando, que uma Constituição Econômica que não opere essa consagração não é uma Constituição Econô- mica.

Cuida-se de sistema afetado por determinado regime econômico. O

sistema econômico compreende um conjunto coerente de instituições jurí- dicas e sociais/de conformidade com as quais se realiza o modo de pro- dução — propriedade privada, propriedade estatal ou propriedade co- letiva dos bens de produção — e a forma de repartição do produto eco- nômico — há rendimentos da propriedade? ou só rendimentos do tra- balho? ou de ambos? — em uma determinada sociedade. A natureza das relações sociais de produção — isto é, a posição relativa dos homens em face dos meios de produção — é que, em última instância, distingue os sistemas econômicos (v. A. J. Avelãs Nunes, "Os Sistemas Econômi- cos", separata do Boletim de Ciências Econômicas, Coimbra, 1973, p. 24). O

regime econômico pode ser definido, na dicção de A. L. Sousa Franco (ob. cit., p. 142), qual a forma como — no âmbito de cada sistema — "o poder (máxime, o poder político) se articula com a realidade econômica. A ca- racterização do regime econômico é uma moldura explicativa dos prin- cípios da intervenção do Estado e da sua actuação financeira, tanto no plano das ideologias inspiradoras como no das instituições de enqua- dramento... A noção de regime não se esgota — quer-nos parecer — na forma política do poder, mas inclui as demais formas de poder: os pode- res sociais (sindicais, patronais), os próprios poderes econômicos...".

Pois ocorre que precisamente a Lei Fundamental da Repúbli- ca Federal da Alemanha não define, consagrando-o, um deter- minado sistema econômico — o que não importa em que não o tenha fei to a ordem jurídica, no nível infraconstitucional porém, sinalizando o ordenamento de uma economia de mercado.

Aí, a lei contra as restrições à concorrência (GWB), de 1957, poste- riormente alterada, em 1973; e a lei de estabilidade e crescimento eco- nômico (Gesetz zur Forderung der Stabilitat und des Wachstums der

Wirtschaft), de 1967, que obriga o Estado Federal e os Landers a adap- tar suas políticas econômicas e financeiras às exigências do equilíbrio macroeconômico, de modo que sejam mantidas (a) a estabilidade do nível de preços, (b) elevado grau de ocupação (pleno emprego), (c) o crescimento contínuo e satisfatório da economia e (d) o equilíbrio do balanço de pagamentos — no que a busca de realização do que se refe- re como o "retângulo mágico". Além delas, que mencionam a ordena- ção de uma economia de mercado, considere-se as sucessivas leis — das quais, mais importante, a de 4 de maio de 1976 — que instituem os mecanismos de co-gestão empresarial.

Dos preceitos nela contidos, que diretamente respeitam à ma- téria da ordem econômica (mundo do ser) — arts. 9e (3), 14, 15,

diretiva ou programática. O art. 14 (2) estipula que "a proprieda- de obriga. O seu uso deve ao mesmo tempo servir ao bem-estar geral". Nisso, no entanto, reproduzindo o que dispunha o art. 153 da Constituição de Weimar, nada mais faz senão atribuir à propriedade, estatuariamente, uma função social positiva. O art. 15, que autoriza a nacionalização (Sozialisierung) da terra e do solo, das riquezas naturais e dos meios de produção, não define um programa de nacionalização da economia; simplesmente per- mite — é norma permissiva33 — que se o faça.34

O silêncio da Lei Fundamental a propósito da definição de um sistema econômico desencadeou, no seio da doutrina, o que se chamou "um conflito na Constituição Econômica" — "die Streit um die Wirtschaftsverfassung" .35 Alinharam-se, então, diversos en-

tendimentos. De um lado, o de que a Constituição atribuíra ao legislador ordinário o dever de observar neutralidade (estrita), quanto às ideologias e doutrinas econômicas, ao inovar a ordem jurídica. D'outro, o de que o legislador não estaria impedido de decidir-se por determinado sistema econômico — a Constituição não definiria nenhuma ordem econômica (mundo do dever ser), cabendo ao legislador ordinário fazê-lo, dentro de certos limites. De outro, ainda, a Constituição definiria uma decisão econômica, por uma economia social de mercado, segundo uns, ou por uma Cons- tituição Econômica mista — esta contemporizando elementos do mercado livre e de direção da economia — informada pelas afir- mações, nos arts. 20 (1) e 28 (1), de que "a República Federal da Alemanha é um Estado federal, democrático e social" e de que "a ordem constitucional nos estados tem de corresponder aos prin- cípios do Estado republicano, democrático e social de direito", bem assim em razão da contemplação, pela Lei Fundamental, de direitos econômicos.36

A respeito da neutralidade da Constituição Econômica da Lei Fundamental — "wirtschaftspolitischen Neutralitat" — observa Eckard

33. Neste sentido, Vital Moreira, Economia e Constituição, cit., p. 93. 34. Vital Moreira (idem, p. 94, nota 49) refere como relevante para a defi- nição do sistema econômico também o art. 109, o que, no entanto, parece-me descabido.

35. Vital Moreira, ob. cit., pp. 94 e ss. 36. Arts. Ia (1), 2a (1), 9a (1) e (3), 12 e 14.

Rehbinder (Die Wirtschaftsverfassung der Burtdesrepublik Deutschland", in Schriften der Deutsch-Brasilianischen Juristenvereinigung, Band 8, Verlag Peter Lang, Frankfurt am Main, 1989, p. 9) que ela, a Lei Fundamental, transfere ao legislador uma significativa liberdade de atuação na polí- tica econômica, liberdade que pode ser explorada no direcionamento da economia; isso não significa, no entanto, que a ordem e a configura- ção da vida econômica estejam exclusivamente à mercê de decisões políticas, pois os limites da liberdade de que goza o legislador para tratar da política-econômica encontram-se na Lei Fundamental. As- sim, a tese da "neutralidade político econômica" deve ser entendida da seguinte forma: a Lei Fundamental não prevê nem garante qual- quer sistema econômico, mas, ao mesmo tempo, estabelece limites para a atuação do Estado. Anota, ademais (p. 7), que a Lei Fundamental não contém a normatização de uma Constituição Econômica também porque expressa uma compostura "normativa", em razão disso despre- zando a contemplação em si de normas programáticas (v. "Apêndice").

O que explica, menos do que o silêncio, a ambigüidade da Lei Fundamental, permitindo nela se possa descobrir uma (ou outra) Constituição Econômica implícita, é o seu caráter provisório e compromissório?7 Lê-se, no seu Preâmbulo, as observações de

que a Lei Fundamental é adotada "no propósito de dar uma nova ordem à vida política durante um período transitório" e de que o Povo Alemão "no seu conjunto continua conclamado em concre- tizar a unidade e a liberdade da Alemanha em autodeterminação livre"; no seu art. 146, o seguinte: "Esta Lei Fundamental deixará de vigorar no dia em que entrar em vigor uma Constituição, que tenha sido adotada por todo o povo alemão, em livre decisão". Aí o caráter provisório. Por outro lado, diante da situação de equi- líbrio entre as forças políticas partidárias com representação no Parlamento Federal — especialmente entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU) e o Partido Social Democrata (SPD) — o Conselho Parlamentar, aliás isso expressa- mente reconhecendo,38 considerando a situação de ignorância e

incerteza quanto à futura evolução da economia, conscientemen- te absteve-se de formular disposições concretas a propósito da conformação constitucional da ordem econômica.

37. Cf. Norbert Reich, Mercado y Derecho, cit., p. 74. 38. Cf. Norbert Reich, ob. cit., p. 74.

Provisória é a Constituição não definitiva, que se destina a organi- zar transitoriamente o poder; compromissória, a que aglutina princípios de natureza, real ou potencialmente, diversa ou oposta, se bem que um desses princípios acabe por prevalecer ou tenha de ser entendido como a base da subsistência de todos os demais no seu conjunto (cf. Jorge Miranda, ob. cit., pp. 25 e 24).

Neste quadro, o Tribunal Constitucional Federal tem afirma- do a abertura econômica da Constituição. Assim, em decisão de ju- lho de 1954, declarou que "a Lei Fundamental não garante nem a neutralidade político-econômica dos poderes legislativo e exe- cutivo, nem um sistema de economia social de mercado, que só deva funcionar através de instrumentos que sejam conforme a ele".39 Após, em decisão de março de 1976, no mesmo sentido se

manifesta, enfatizando no entanto a afirmação dos direitos eco- nômicos enunciados no texto da Lei Fundamental como garantias pessoais do homem.40

O que resulta dessa breve ponderação é a evidência de que — por certo provocando frustração nos teóricos da Constituição Econômica — a Lei Fundamental da Alemanha não contém se- não uma Constituição Econômica implícita; não opera a consa- gração de um determinado sistema econômico. A Constituição Econômica nela contida não assume caráter diretivo, mas sim — e implicitamente — meramente estatutário.

A Constituição Econômica da República Federal da Alema- nha, pois, não se encontra na Lei Fundamental, porém na legisla- ção infraconstitucional.

30. Assim sendo, visto como é perfeitamente factível, tal qual

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