• Nenhum resultado encontrado

Ao bojo da ordem econômica, tal como a considero neste ensaio, além dos que já no seu Título VII se encontram, são trans-

INTERPRETAÇÃO E CRÍTICA DA ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE

84. Ao bojo da ordem econômica, tal como a considero neste ensaio, além dos que já no seu Título VII se encontram, são trans-

econômico como configuração peculiar assumida pela ordem econômica (mundo do ser), afetada por determinado regime econômico (v. item 29).

15. Em sentido análogo, Washington Peluso Albino de Souza, A experiência

brasileira de Constituição Econômica, cit., p. 39. 16. V.item 71.

17. Ob. cit., p. 392.

18. Cf. Jerzy Wróblewski, Constitución y teoria general de la interpretación ju-

portados — como vimos19 —fundamentalmente os preceitos ins-

critos nos seus arts. Ia, 3a, 7a a 11, 201, 202 e 218 e 219 — bem

assim, entre outros, os do art. 5a, LXXI, do art. 24,1, do art. 37, XIX

e XX, do § 2a do art. 103, do art. 149, do art. 225.20

Cumpre neles identificar, pois, os princípios que conformam a interpretação de que se cuida.

Assim, enunciando-os, teremos:

— a dignidade da pessoa humana como fundamento da Repú- blica Federativa do Brasil (art. Ia, III) e como fim da ordem econô-

mica (mundo do ser) (art. 170, caput);

— os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como funda- mentos da República Federativa do Brasil (art. Ia, IV) e — valori-

zação do trabalho humano e livre iniciativa — como fundamentos da ordem econômica (mundo do ser) (art. 170, caput);

— a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3a, I);

— o garantir o desenvolvimento nacional como um dos objeti- vos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3a, II);

— a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamen- tais da República Federativa do Brasil (art. 3a, III) — a redução das

desigualdades regionais e sociais também como princípio da ordem econômica (art. 170, VII);

— a liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8a);

— a garantia do direito de greve (art. 92);

— a sujeição da ordem econômica (mundo do ser) aos dita- mes da justiça social (art. 170, caput);

— a soberania nacional, a propriedade e a função social da proprie- dade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte, todos princípios enunciados nos incisos do art. 170;

— a integração do mercado interno ao patrimônio nacional (art. 219).

19. V. item 76. 20. V. nota 99, abaixo.

Além desses, outros, definidos como princípios gerais não positivados — isto é, não expressamente enunciados em normas constitucionais explícitas — são descobertos21 na ordem econômi-

ca da Constituição de 1988. Aí, particularmente, aqueles aos quais dão concreção as regras contidas nos arts. 7° e 201 e 202 do texto constitucional.

Por derradeiro, impende referir o princípio da ordenação norma- tiva através do Direito Econômico, cujo primeiro passo no sentido de sua concreção é consignado no art. 24,1 do texto constitucional.

Todo esse conjunto de princípios, portanto, há de ser ponde- rado, na sua globalidade, se pretendemos discernir, no texto cons- titucional, a definição de um sistema e de um modelo econômi- cos. A Constituição não é um mero agregado de normas; e nem se a pode interpretar em tiras, aos pedaços.22 Será de todo conve-

niente, destarte, deitarmos atenção a esse conjunto, o que, não obstante, importará o exame de cada qual de tais princípios, sepa- radamente.23

84a. Atingido porém este ponto de minha exposição, devo salientar aspecto de extrema importância, em vista do que me permito referir a circunstância de o direito ser prescritivo. O direito não descreve situações ou fatos senão para a eles atribuir conseqüências jurídicas. Por isso o texto do art. 170 não afirma que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, senão que ela deve estar — vale dizer, tem de necessariamente estar — fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e deve ter — vale dizer, tem de necessariamente ter — por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A perfeita compreensão dessa obviedade é essencial, na medida em que informará a plena compreensão de que qualquer prática eco-

21. V. o Capítulo 4, especialmente o item 61.

22. "Belo é dizer mesmo duas vezes o que é necessário" — Empédocles de Agrigento (Os filósofos pré-socráticos, Gerd A. Borheim, org., Editora Cultrix, São Paulo, 1985, p. 71).

23. Isso o farei, contudo, advertido pelo fragmento de Alcmeão de Cróton: "os homens morrem porque não podem unir o princípio ao fim" (Os filósofos

nômica (mundo do ser) incompatível com a valorização do trabalho humano e com a livre iniciativa, ou que conflite com a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, será adversa à ordem constitucional. Será, pois, institucionalmente incons- titucional. Desde a compreensão desse aspecto poderão ser construídos novos padrões não somente de controle de constitu- cionalidade, mas, em especial, novos e mais sólidos espaços de constitucionalidade. A amplitude dos preceitos constitucionais abrange não apenas normas jurídicas, mas também condutas.

Daí porque desejo afirmar, vigorosamente, serem constitu- cionalmente inadmissíveis não somente normas com ele incom- patíveis, mas ainda quaisquer condutas adversas ao disposto no art. 170 da Constituição.

85. A dignidade da pessoa humana é adotada pelo texto consti- tucional concomitantemente como fundamento da República Fe- derativa do Brasil (art. 1", III) e como fim da ordem econômica (muhdo do ser) (art. 170, caput — "a ordem econômica ... tem por fim assegurar a todos existência digna").

O art. 1 (1) da Lei Fundamental da República Federal da Ale- manha afirma: "A dignidade do homem é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público". Dizia já a Cons- tituição de Weimar: "A organização da vida econômica deverá realizar os princípios da justiça, tendo em vista assegurar a todos uma existência conforme à dignidade humana ...". Por outro lado, o art. le da Constituição de Portugal: "Portugal é uma República

soberana, baseada na dignidade da pessoa humana ...".

Embora assuma concreção como direito individual, a digni- dade da pessoa humana, enquanto princípio, constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos.24

Quanto a ela, observam José Joaquim Gomes Canotilho e Vi- tal Moreira25 que fundamenta e confere unidade não apenas aos

24. Cf. Fábio Konder Comparato, Para viver a democracia, cit., pp. 39 e 56; ou, como averba José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, cit., 33a ed.,p. 105), "é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direi- tos fundamentais do homem, desde o direito à vida".

25. Constituição da República Portuguesa Anotada, v. 1,2a ed., Coimbra Edito- ra, Coimbra, 1984, p. 70.

direitos fundamentais — direitos individuais e direitos sociais e econômicos — mas também à organização econômica. Isso, sem nenhuma dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio do qual, como se vê, é ela — a dig- nidade da pessoa humana — não apenas fundamento da Repú- blica Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser).

Isso significa, por um lado, que o Brasil — República Federati- va do Brasil — define-se como entidade política constitucional- mente organizada, tal como a constituiu o texto de 1988, enquan- to a dignidade da pessoa humana seja assegurada ao lado da so- berania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político. Por outro, significa que a or- dem econômica mencionada pelo art. 170, caput do texto constitucio- nal — isto é, mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) — deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna de que todos devem gozar.

"República Federativa do Brasil", no art. 1° do texto constitucio- nal, deve ser lido como país, coletividade política, sociedade política, comie-

nidade política, enfim, como res publica (neste sentido, em alusão ao art. I2 da Constituição de Portugal, Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 69).

A dignidade da pessoa humana comparece, assim, na Constitui- ção de 1988, duplamente: no art. Ia como princípio político constitu-

cionalmente conformador (Canotilho); no art. 170, caput, como prin- cípio constitucional impositivo (Canotilho) ou diretriz (Dworkin)26

— ou, ainda, direi eu, como norma-objetivo.

Nesta sua segunda consagração constitucional, a dignidade da pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em senti- do amplo — e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito27 — com o programa de promoção da existên-

cia digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se en-

26. V. item 34. 27. V. itens 37 e 38.

contram constitucionalmente empenhados na realização desse programa — dessa política pública maior — tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição.

Observe-se ademais, neste passo, que a dignidade da pessoa humana apenas restará plenamente assegurada se e enquanto viabilizado o acesso de todos não apenas às chamadas liberdades formais, mas, sobretudo, às liberdades reais.28

Anotam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., p. 70): "Concebida como referência constitucional unificadora de to- dos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa hu- mana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignida- de humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos caqos de direitos sociais, ou invocá-la para construir uma 'teoria do núcleo da personalidade' individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais".

Willis Guerra Filho (Metodologia jurídica e interpretação constitucio-

nal, texto inédito), após alinhar as relações entre Estado de Direito e legalidade, de um lado, e Democracia e legitimidade, de outro, e indi- car a segurança das relações sociais como imposição do Estado de Di- reito, conclui: "A democracia, por seu turno, apresenta o reconheci- mento de uma igual dignidade em todas as pessoas individualmente, a ser acatada no convívio social. Essa dignidade não pode ser sacrificada em nome da segurança, na hipótese de um confronto entre os dois va- lores, o que pode ocorrer com freqüência, embora a garantia de segu- rança seja essencial para haver respeito à dignidade humana. Cabe, porém, distinguir entre a segurança individual e a segurança coletiva, enquanto essa, por sua vez, tanto pode ser a segurança de uma parte ou grupo da sociedade como a segurança dela como um todo". 86. Indica ainda o texto constitucional, no seu artigo l2, IV,

como fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho; de outra parte, no art. 170, caput, afirma dever estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano.

28. V. Fábio Konder Comparato, Para viver a democracia, cit., pp. 15 e ss. V. também itens 5 e 9.

Tanto em um quanto em outro caso — definição do Brasil (isto é, da República Federativa do Brasil29) como entidade políti-

ca constitucionalmente organizada que se sustenta sobre o valor social do trabalho e fundamentação da ordem econômica (mundo do ser) na valorização do trabalho humano — estamos diante deprin- cípios políticos constitucionalmente conformadores (Canotilho).

O sentido dessas afirmações principiológicas é nebuloso, po- dendo, em tese, transitar desde o que Habermas30 refere como

"utopia de uma sociedade do trabalho" — cujo ponto de referên- cia (a força estruturadora e socializadora do trabalho abstrato) se perdeu na realidade — até, meramente, a trivial concepção da sociedade moderna e sua dinâmica central como "sociedade do trabalho".31

No quadro da Constituição de 1988, de toda sorte, da interação entre esses dois princípios e os demais por ela contemplados — particularmente o que define como fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna — resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor so- cial do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar.

Esse tratamento, em uma sociedade capitalista moderna, peculiariza-se na medida em que o trabalho passa a receber pro- teção não meramente filantrópica, porém politicamente racional. Titulares de capital e de trabalho são movidos por interesses dis- tintos, ainda que se o negue ou se pretenda enunciá-los como con- vergentes. Daí porque o capitalismo moderno, renovado, preten- de a conciliação e composição entre ambos. Essa pretensão é instrumentalizada através do exercício, pelo Estado — pelo Esta- do, note-se —, de uma série de funções que, valendo-me da expo- sição de Habermas, enuncio no item 92. A evolução do Estado gendarme, garantidor da paz, até o Estado do bem-estar keinesiano, capaz de administrar e distribuir os recursos da sociedade "de for- ma a contribuir para a realização e a garantia das noções preva- lentes de justiça, assim como de seus pré-requisitos evidentes, tais

29. V. item 85.

30. A nova intransparência, cit., p. 106

31. V. Claus Offe, Capitalismo desorganizado, tradução de Wanda Caldeira Brant, Ed. Brasiliense, São Paulo, 1989, pp. 167 e ss.

Outline

Documentos relacionados