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Se, por um lado, a teorização da Constituição Econômica mais conturba do que auxilia a esclarecer o fenômeno das Consti-

ORDEM ECONÔMICA

31. Se, por um lado, a teorização da Constituição Econômica mais conturba do que auxilia a esclarecer o fenômeno das Consti-

tuições dirigentes, melhor sorte não acompanha a da ordem eco- nômica, que só assumiria significação, para conotar aspecto de relevância jurídica, quando referida como ordem econômica consti- tucional.

Cumpre indagarmos da utilidade do conceito.

Finalidade dos conceitos jurídicos é a de ensejar a aplicação de normas jurídicas. Não são usados para definir essências, mas sim para permitir e viabilizar a aplicação de normas jurídicas.45

Sucede que o conceito de ordem econômica constitucional não permite, não enseja, não viabiliza a aplicação de normas jurí- dicas. Logo, não é um conceito jurídico. Presta-se unicamente a indicar, topologicamente, no texto constitucional, disposições que, em seu conjunto, institucionalizam a ordem econômica (mundo do ser). Cuida-se, pois, de conceito ancilar da Dogmática do Di- reito e não do Direito.

Na Constituição de 1988, no art. 170, caput, tal qual ocorria em relação às Constituições de 34 e 46 e 67-69,46 "ordem econô-

mica" designa realidade do mundo do ser; a Carta de 1937 so- mente usa a expressão como título que engloba seus arts. 135 a 155. Em todas elas, de qualquer forma, no quanto a expressão apresenta alguma utilidade, só a apresenta na medida em que indica o local, na Constituição, no qual se irá encontrar disposi-

45. V. meu O direito posto e o direito pressuposto, cit., Ia ed., pp. 144-145; 7â ed., pp. 195 e ss.

46. Art. 115 da Constituição de 1934, art. 145 da Constituição de 1946, art. 157 da Constituição de 1967 e art. 160 da Emenda Constitucional n. 1/69.

ções que — repito — no seu conjunto, institucionalizam a ordem econômica (mundo do ser).

Precisamente nisso, todavia, a expressão e o conceito da qual é termo são equívocos. E isso, por três razões.

(a) Em primeiro lugar, tomando-se a Constituição de 1988, nela encontramos inúmeras disposições que operam a institucio- nalização da ordem econômica (mundo do ser) e não se encon- tram englobadas no chamado Título da Ordem Econômica (e Fi- nanceira). Assim, v.g., com aquelas inscritas nos arts. le e 3a, em

inúmeros artigos do Título da Ordem Social, especialmente o 8a e

o 9a etc.

(b) Em segundo lugar porque aqui também, tal como sucede quando trabalhamos com o conceito de Constituição Econômica, impõe-se distinguirmos a ordem econômica (constitucional) formal da ordem econômica material.

Quanto a este ponto, as perturbações que o uso do conceito acarretam se desdobram em duas linhas.

De uma banda, é certo que a ordem econômica (mundo do dever ser) não se esgota no nível constitucional. Veja-se, por exem- plo, na Constituição de 1988, entre outros, os preceitos inscritos no § 4r do art. 173, no art. 186 e no antigo § 2a do art. 171, revoga-

do pela EC 6/95. O elenco das disposições que preenchem total- mente a moldura da ordem econômica (mundo do dever ser) ape- nas estará completo quando, além de outras, tivermos sob consi- deração as leis — legislação infraconstitucional, portanto — que definem o tratamento preferencial a ser conferido à empresa bra- sileira de capital nacional, a repressão ao abuso de poder econô- mico, os critérios e graus de exigência que afetarão o atendimen- to de determinados requisitos, pela propriedade rural, a fim de que se tenha por cumprida sua função social. Além disso, tam- bém é certo que nem todas as disposições inseridas no Título da Ordem Econômica se compõem no quadro da ordem econômica (constitucional) formal. Exemplifico, na Constituição de 1988, com o preceito do § 3a do art. 173, entre outros.

Como observa Vital Moreira (Economia e Constituição, cit., p. 105), referindo-se à Constituição Econômica, "só pertencem à CE formal aquelas disposições constitucionais que traduzem a CE, materialmente definida".

De outra, embora ao cogitarmos da ordem econômica (mun- do do dever ser) estejamos a cuidar de conceito próximo àquele de Constituição Econômica, as alusões a uma Constituição Eco- nômica material e a uma ordem econômica material produzem sig- nificados inteiramente diversos, em termos de precisão. A pri- meira expressão preserva referência direta ao plano constitucio- nal, de modo que, pronunciada, tomamos imediata consciência de que conota normas que, embora se esperasse estivessem con- tidas no bojo do texto constitucional, são veiculadas no nível in- fraconstitucional. Já na segunda, essa referência se perde, disso resultando, multiplamente, imprecisões e ambigüidade. Impre- cisões, as acima apontadas: nem todas as disposições abarcadas pelo Título da Ordem Econômica se compõem no quadro da or- dem econômica (constitucional); há disposições, constitucionais, que não obstante não estejam englobadas nesse título, compõem- se no quadro da ordem econômica (constitucional?). Nisso, a am- bigüidade: faz sentido referirmos uma ordem econômica ma- terial (constitucional) e uma ordem econômica material (não cons- titucional)?

Ademais, sendo o direito elemento constitutivo do modo de produção, a contemplação, nas novas Constituições, de um con- junto de normas compreensivo de uma "ordem econômica" não é expressiva, como observei, senão de uma transformação que afeta todo o direito. Mas essa transformação se reproduz, no nível constitucional, primária e fundamentalmente em razão de as Constituições deixarem de ser estatutárias, transformando-se em diretivas; e a alusão, do texto constitucional, a uma "ordem eco- nômica", é meramente subsidiária, em si nada de relevante conotando (até porque ambígua e imprecisa). Por derradeiro, or- dem econômica, como inicialmente anotei, é expressão que se usa — ou se deveria usar, se um mínimo de precisão for desejável — para referir uma parcela da ordem jurídica e não da ordem jurídica constitucional.

(c) Em terceiro lugar — sigo a indicar razões mercê das quais a equivocidade da expressão e do conceito do qual é termo é fla- grante — no próprio texto da Constituição de 1988 ela, a expres- são, aparece conotando diversos significados: assim, no art. 170, caput, "ordem econômica" indica mundo do ser; no § 52 do art. 173,

Pois é evidente que "atos praticados contra a ordem econô- mica e financeira" são atos praticados contra a ordem jurídica. Com maior precisão, contra a parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser) que ordena, conforma a ordem econômica e finan- ceira. A expressão "ordem econômica", neste contexto, do § 5" do art. 173 — ao contrário do que sucede quando comparece no enun- ciado do art. 170, caput — conota mundo do dever ser e não mun- do do ser.

Em matéria de equivocidade, aliás, o enunciado desse pre- ceito é um primor: de um lado, as expressões "ordem econômica e financeira" e "economia popular" não são homólogas; de ou- tro, cumpre indagar se ato praticado não contra a ordem econô- mica (constitucional) formal, mas contra a ordem econômica material (não constitucional) sujeitaria a pessoa jurídica e seus dirigentes às punições referidas no enunciado.

32. Em razão de tanto — ao quanto se deve acrescer o que mencionei a propósito da alusão feita pelas nossas Constituições a uma ordem social — somos levados a concluir não apenas pela inutilidade do(s) conceito(s) de ordem econômica, mas também pela perniciosidade do uso da expressão "ordem econômica" no plano da metalinguagem que é a linguagem da Dogmática do Direito.

Não obstante tudo isso, a inércia do pensamento jurídico ou, pelo menos, o hábito de o processarmos desde uma perspectiva marginalizante do senso crítico, nos impele à manutenção do uso da expressão.

Pretendo, neste ensaio, construir uma contribuição para a crítica do tratamento normativo conferido, no nível constitucio- nal — no nível de uma Constituição dirigente —, às relações eco- nômicas travadas no bojo de uma determinada economia. Críti- ca de um determinado direito, note-se, visto que não há que falar do direito, senão dos direitos. Nada impede que o faça, de modo proficiente, ainda que no texto empregando a expressão "ordem econômica", desde que, porém, restem bem vincadas as precisões que procurei estabelecer. Apenas na medida em que isso resulte devi- damente enfatizado — e creio ter restado — o uso da expressão

será tocado por um mínimo de prestabilidade, que não deixa de ser econômica: ordem econômica (mundo do dever ser) em lugar de conjunto de normas, da Constituição dirigente, voltado à conforma- ção da ordem econômica (mundo do ser) é síntese verbal que econo- miza palavras contidas na outra expressão.

É sob essa ressalva, pois, que permaneço a empregar, neste ensaio, a expressão "ordem econômica", ainda como síntese de ordem econômica (constitucional) material, no momento adequado — mais adiante — explicitando o que tomo como seu conteúdo.

AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO ESTADO

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