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Finalmente, a análise da situação jurídica das empresas públicas e das sociedades de economia mista que prestam servi-

A NOÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA; O DIREITO ECONÔMICO

51. Finalmente, a análise da situação jurídica das empresas públicas e das sociedades de economia mista que prestam servi-

ço público deve ainda ser antecedida de breve observação.

Reporto-me à necessidade de apartarmos o regime de privilé- gio, de que se reveste a prestação dos serviços públicos, do regi- me de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de ativi- dade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. Um e outro são distintos entre si.

Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito. Já a ex- clusividade da prestação dos serviços públicos não é expressão se- não de uma situação de privilégio. Note-se que ainda quando es- tes sejam prestados, sob concessão ou permissão, por mais de um concessionário ou permissionário — o que nos conduziria a supor a instalação de um regime de competição entre concessioná- rios ou permissionários (é o caso da navegação aérea — art. 21, XII, "c" da Constituição — e dos serviços de transporte rodoviá- rio — arts. 21, XII, "e"; 30, V e 25, § Ia da Constituição), ainda

então o prestador do serviço o empreende em clima diverso da- quele que caracteriza a competição, tal como praticada no cam- po da atividade econômica em sentido estrito. O que importa salien- tar é a não intercambialidade das situações nas quais de um lado o serviço público é prestado, titulares ainda os concessionários ou permissionários53 de certo privilégio, por mais de um deles e o

regime de competição que caracteriza o exercício da atividade eco- nômica em sentido estrito em clima de livre concorrência. Daí a enunciação da seguinte oposição:

serviço público atividade econômica em sentido estrito

a. privilégio a. monopólio

b. atuação, ainda em regime de privilégio, de mais de um concessionário ou permissionário do serviço

b. competição

A propósito, afirmava Ruy Barbosa ("Privilégios exclusivos na ju- risprudência constitucional dos Estados Unidos", in Obras Completas, vol. XXXV, t. II, Ministério da Educação e Cultura, Rio, 1963, pp. 13-14) a necessidade de distinguirmos entre o monopólio da atividade econô- mica (em sentido estrito) e a situação, "absolutamente diversa, nos seus elementos assim materiais como legais, de outros privilégios, que não desfalcando por modo algum o território do direito individual, con- fiam a indivíduos ou corporações especiais o exercício exclusivo de certas faculdades, reservadas, de seu natural, ao uso da Administra- ção, no País, no Estado, ou no Município, e por ela delegados, em troco de certas compensações, a esses concessionários privativos". E, adian- te, completa: "Num ou noutro caso, pois, todos esses serviços hão de ser, necessariamente, objeto de privilégios exclusivos, quer os retenha em si o governo local, quer os confie a executores por ele autorizados. De modo que são privilégios exclusivos, mas não monopólios na signifi- cação má e funesta da palavra" (p. 15). Os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos importam em que seja sua prestação desenvolvida sob privilégios, inclusive, em regra, o da exclu- sividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde a sua prestação. E justamente a virtualidade desse privi- légio de exclusividade na sua prestação, aliás, que torna atrativo para o setor privado a sua exploração, em situação de concessão ou permis- são. Neste sentido, a concessão de serviço público é um privilégio que envolve exclusividade na prestação do serviço. O concessionário de servi- ço público goza, sempre — nas palavras de Marcello Caetano (Manual

de Direito Administrativo, p. 1.015; do mesmo autor, Princípios funda-

mentais de Direito Administrativo, pp. 313 e 314) —, de uma situação de

inevitabilidade de consumo de suas prestações pelo público.

As conseqüências da qualificação desta ou daquela ativida- de empreendida pela empresa pública ou sociedade de econo- mia mista como serviço público ou atividade econômica em sentido estrito são marcadas. Exemplifico, para demonstrá-lo, formulan- do a hipótese de entidade daquelas, que preste serviço público, recusar o seu fornecimento a algum usuário. Poderá tal recusa, então, ser juridicamente repelida: incumbe ao fornecedor do ser- viço prestar o devido acatamento ao princípio da continuidade do serviço público; estamos, aí, em razão da incidência do princípio, diante de hipótese de contrato a ser coativamente celebrado. Já, no entanto, se a empresa pública ou a sociedade de economia mista explorar atividade econômica em sentido estrito, a recusa do fornecimento do serviço há de ser repelida com esteio em distinta fundamentação: ao recusá-lo, o agente econômico (empresa pú- blica ou sociedade de economia mista) estará a violar preceitos

normativos que o obrigam a contratar;54 a contratação, coativa,

no caso, contudo se impõe não mercê da aplicação daquele prin- cípio, porém de normas expressas que à prática dessa conduta o vinculam.

Poderemos nos encontrar diante de três hipóteses: (a) ou a em- presa pública ou a sociedade de economia mista presta serviço público e não pode se recusar a contratar, desde que isso seja materialmente possível, mercê da incidência, sobre sua atividade, do princípio da conti- nuidade do serviço público (limitação imanente ao instituto contratual); (b) ou a empresa pública ou a sociedade de economia mista explora atividade econômica em sentido estrito em regime de competição e não pode se recusar a contratar, desde que isso seja materialmente possível, porque a contratação é definida pelo ordenamento jurídico como cogente (não incidência do princípio da liberdade de contratar em relação à hipótese); (c) ou a empresa pública ou a sociedade de economia mista explora atividade econômica em sentido estrito em regime de monopólio e não pode se recusar a contratar, desde que isso seja materialmente possível, tanto porque a recusa, se o caso, importa- ria prática de concorrência desleal (limitação imanente ao instituto contratual), quanto porque a contratação é definida pelo ordenamento jurídico como cogente (não incidência do princípio da liberdade de contratar em relação à hipótese).

Situações bem específicas são no texto constitucional discernidas. Assim, v.g., a exploração do transporte, por meio de conduto, de gás natural de qualquer origem, é atividade econômica em sentido estrito cons- titucionalmente atribuída, em regime de monopólio, à União (art. 177, IV); já a atividade de distribuição local de gás canalizado é serviço pú-

blico constitucionalmente atribuído à competência dos Estados-mem- bros (art. 25, § 2a). Por outro lado, a atividade de distribuição local de gás engarrafado é atividade econômica em sentido estrito.

52. O aspecto crucial, atinente à situação jurídica das empre-

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