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A virtude que se pode descobrir na adoção da classificação que postulo repousa na circunstância de a dinamização de cada

A NOÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA; O DIREITO ECONÔMICO

55. A virtude que se pode descobrir na adoção da classificação que postulo repousa na circunstância de a dinamização de cada

qual das modalidades de intervenção que identifico envolver a adoção de critérios e técnicas que se distinguem, entre si, juridica- mente. Esta é virtude que se deve ter como prezável se o campo de indagação em que nos embrenhamos é jurídico. Cuidados como tais, em não nos afastarmos do jurídico, em especial quando nos dedicamos ao estudo e à análise do Direito Econômico, devem sem- pre estar bem presentes em nós. É marcante o impulso que nos conduz, no caso, a ultrapassar a linha que separa o Direito da Eco- nomia, levando-nos, tal qual o burguês gentiíhomem que fazia pro- sa, a estudar e ensinar economia em lugar de Direito Econômico.

Assim como se coloca o Estado em posições bem distintas quando intervém no domínio econômico e quando intervém so- bre o domínio econômico, bem apartadas, entre si, de modo claro e preciso, encontram-se as normas de intervenção por direção e as normas de intervenção por indução.

No caso das normas de intervenção por direção59 estamos dian-

te de comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica em sen- tido estrito — inclusive pelas próprias empresas estatais que a ex- ploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumen- ta controle de preços, para tabelá-los ou congelá-los.

No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dota- dos da mesma carga de cogência que afeta as normas de interven- ção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dic- ção de Modesto Carvalhosa,60 no de "levá-lo a uma opção econô-

mica de interesse coletivo e social que transcende os limites do querer individual". Nelas, a sanção, tradicionalmente manifesta- da como comando, é substituída pelo expediente do convite — ou, como averba Washington Peluso Albino de Souza61 — de "incita-

ções, dos estímulos, dos incentivos, de toda ordem, oferecidos, pela lei, a quem participe de determinada atividade de interesse geral e patrocinada, ou não, pelo Estado". Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de

59. V. item 16.

60. Considerações sobre Direito Econômico, tese, São Paulo, 1971, p. 304. 61. Direito Econômico, Saraiva, São Paulo, 1980, p. 122.

aderir à prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto, resultará juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa adesão. Penetramos, aí, o universo do direito premiai.62

A sedução à adesão ao comportamento sugerido é, todavia, extremamente vigorosa, dado que os agentes econômicos por ela não tangidos passam a ocupar posição desprivilegiada nos mer- cados. Seus concorrentes gozam, porque aderiram a esse com- portamento, de uma situação de donatário de determinado bem (redução ou isenção de tributo, preferência à obtenção de crédi- to, subsídio, v.g.), o que lhes confere melhores condições de parti- cipação naqueles mesmos mercados.63

Dois aspectos devo, no entanto, ainda pontualizar.

O primeiro respeita ao fato de nem sempre a indução mani- festar-se em termos positivos. Também há norma de intervenção por indução quando o Estado, v.g., onera por imposto elevado o exercício de determinado comportamento, tal como no caso de importação de certos bens. A indução, então, é negativa. A nor- ma não proíbe a importação desses bens, mas a onera de tal sorte que ela se torna economicamente proibitiva.

O segundo aspecto, ao fato de que outras tantas vezes deter- minados comportamentos econômicos são induzidos não em ra- zão da dinamização, pelo Estado, de normas de intervenção por indução, mas sim em decorrência da execução, por ele, de obras e serviços públicos de infra-estrutura, que tendem a otimizar o exer- cício da atividade econômica em sentido estrito em certos setores e regiões. Essa prática, de resto, é que também inúmeras vezes per- mite ao Estado, nos quadrantes da legalidade, pôr-se a serviço de interesses privados.

56. Uma derradeira observação cabe ainda, neste passo de minha exposição, alusiva à não inclusão do planejamento entre as modalidades de intervenção. O planejamento apenas qualifica a in- tervenção do Estado sobre e no domínio econômico, na medida em que esta, quando conseqüente ao prévio exercício dele, resul-

62. V. Norberto Bobbio, Dalla struttura alia funzione, cit., pp. 33 e ss. A propósito das normas de impulsão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo

legislativo, p. 218.

ta mais racional. Como observei em outro texto,64 forma de ação

racional caracterizada pela previsão de comportamentos econô- micos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos, o planejamento, quando aplicado à intervenção, passa a qualificá- la como encetada sob padrões de racionalidade sistematizada. Decisões que vinham sendo tomadas e atos que vinham sendo praticados, anteriormente, de forma aleatória, ad hoc, passam a ser produzidos, quando objeto de planejamento, sob um novo padrão de racionalidade.

O planejamento, assim, não configura modalidade de inter- venção — note-se que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio econômico podem ser praticadas ad hoc ou, alter- nativamente, de modo planejado — mas, simplesmente, um mé- todo a qualificá-la, por torná-la sistematizadamente racional.

57. Tema que importa ainda considerar, neste passo, é o da concepção de Direito Econômico.

Não pretendo — é evidente — nesta oportunidade, no ali- nhamento dos argumentos que se seguem, postular a preferên- cia, dogmatizada, por esta ou aquela das suas perspectivas de consideração. Já não tem mais razão de ser o debate, academica- mente despropositado, a respeito da "existência" do Direito Eco- nômico. Argumentação que a negue já de há muito é qualificável como do mesmo teor daquela segundo a qual só argumenta com princípios jurídicos aquele que não encontra Direito a fundamen- tar sua pretensão. Essa "existência", entre nós, é hoje afirmada em sede constitucional — art. 24,1 da Constituição de 1988.

Pois justamente a prescrição neste preceito contemplada é que impõe alusão ao tema. A que Direito — "direito econômico" — refere o texto constitucional, ao afirmar a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para, concorrentemen- te, sobre ele legislarem?

58. Podemos concebê-lo — o Direito Econômico — tanto como método como quanto ramo do Direito.

Desde a primeira perspectiva, na síntese de Modesto Carva- lhosa,65 ele "não levaria à identificação de um novo ramo, subs-

titutivo e compreensivo de outros ramos (do Direito) já consagra- dos e individuados, mas, simplesmente, tenderia a criar u'a mol- dura a esses vários ramos; seria um perfil ou ângulo visual novo, sob o qual se deve estudar fenômenos importantes" (Hedemann). Seria "uma disciplina que não pode substituir, mas deve integrar as disciplinas tradicionais... ele (o Direito Econômico) se superpõe à estrutura dogmática e formal das outras disciplinas, dando-lhe uma configuração teleológica e prática" (Mario Longo). Trata-se de uma nova ótica, uma nova maneira de visualizar o Direito; uma nova perspectiva, que se difunde no conjunto da ciência jurídica (Jacquemin). Sua perspectiva se apóia sobre uma visualização di- ferente (da tradicional) e sobre um método diverso (do ortodoxo) de avaliação e classificação jurídica; sua função metodológica é a de "estabelecer os nexos e, assim, a organicidade dos regulamen- tos jurídicos referentes à fenomenologia das grandes transforma- ções sócio-econômicas da época atual" (Grosso). O que o distin- gue é a metodologia, que o reveste, "seja com o objetivo de alcan- çar a interpenetração mais adequada da norma no contexto de rea- lidade sócio-econômica, seja para dar oportunidade a uma apro- fundada avaliação crítica do Direito vigente, seja, finalmente, para estimular o aperfeiçoamento da lei" (Minoli).

Esta breve menção, tão-somente a algumas construções que o tomam como um método, evidencia o vigor do pensamento jurídico que assim o visualiza.

Não se deve recusar esta linha de concepção. O Direito Econô- mico, se não instala, por si só, o movimento que tende a alinhar, ao lado da Teoria Jurídica Formal, a Doutrina Real do Direito,66 a

ele confere a devida importância e relevância. Pensar Direito Eco- nômico é pensar o Direito como um nível do todo social — nível da realidade, pois — como mediação específica e necessária das relações econômicas. Pensar Direito Econômico é optar pela ado- ção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional, que instrumentará toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o Direito. É com- preender que a realidade jurídica não se resume ao Direito for-

65. Ob. cit., pp. 263, 269, 266-267, 258-257, 270-271.

mal. É concebê-lo — o Direito Econômico — como um novo mé- todo de análise, substancial67 e crítica, que o transforma não em

Direito de síntese, mas em sincretismo metodológico. Tudo isso, con- tudo, sem que se perca de vista o comprometimento econômico do Direito, o que impõe o estudo da sua utilidade funcional.68

A análise substancial de que se cogita repudia a oposição entre os fatos e o Direito (v. Nicos Poulantzas, Nature des choses et Droit, LGDJ, Paris, 1965). Mas, como observa Farjat (ob. cit., p. 736), o método de análise substancial não consiste em deduzir uma norma jurídica de uma realidade social, mas sim em extrair os dados fornecidos pelo sistema jurídico, aplicando-os a determinada parte do direito positivo ou a determinada parcela das relações sociais. Não se trata da produ- ção de análise sociológica: a análise substancial é análise de jurista (Farjat, p. 738). Sua função é marcada, por outro lado, pela perspectiva crítica, à qual fiz alusão no Capítulo 1 deste ensaio.

Não é este o momento, no entanto, em que se deva tentar demonstrar quão adequada — e necessária — é a concepção do Direito Econômico como método. O que ora importa considerar é a sua concreção como ramo do Direito — concreção que se ins- titucionaliza, constitucionalmente afirmada, no preceito do refe- rido art. 24,1.

59. Basta, para que se o tenha tal como concebido entre nós — na concepção afirmada pelo maior peso da doutrina —, a alu- são às exposições de Washington Peluso Albino de Souza e Fábio Konder Comparato.

Washington Peluso Albino de Souza69 conceitua o Direito

Econômico como "o ramo do Direito, composto por um conjunto de normas de conteúdo econômico e que tem por objeto regula- mentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as — pelo prin- cípio da 'economicidade' — com a ideologia adotada na ordem ju- rídica" (grifei). Cuida-se de ramo do Direito que se aplica a regu- lamentar as medidas de política econômica que adota uma linha de maior vantagem nas suas decisões.70

67. V. Gerard Farjat, Droit Economique, pp. 732 e ss.

68. V. Fábio Konder Comparato, O indispensável Direito Econômico, cit., p. 470. 69. Direito Econômico, ob. cit., p. 3'

Sua autonomia está sustentada sobre a consideração das seguintes circunstâncias: regulamenta medidas de política econômica (a) e harmoni- za relações e interesses com a ideologia adotada na ordem jurídica (b), pelo princípio da economicidade (c). "Economicidade" é a linha de maior

vantagem nas decisões econômicas (ou de política econômica, quando cui- damos do Direito Econômico). "Econômico" é vocábulo marcado pela ideologia do capitalismo, conotando obtenção da vantagem lucro; lucro, pois, é rentabilidade econômica. Diante de outras ideologias, contudo, a "economicidade" deixa de ser, necessariamente, o lucro. Assim, nas pa- lavras de Washington Albino (ob. cit., p. 32), "economicamente justo, se- gundo o princípio da economicidade introduzido neste conceito, é o que se põe em prática por medidas de política econômica, visando realizar o que a sua soberania democrática tenha definido na Constituição, como o fundamento dos princípios ideológicos que a inspiram".

Fábio Comparato71 o refere como "o conjunto das técnicas jurí-

dicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica" (grifei).

Sua autonomia, diz ainda Fábio Comparato (ob. cit., p. 471), "é dada pela sua finalidade: traduzir normativamente os instrumentos da política econômica do Estado" (grifei).

O que o peculiariza como ramo do Direito é, portanto, a sua destinação à instrumentalização, mediante ordenação jurídica, da política econômica do Estado.

Este, também, discrímen que apontei como marcante em sua con- ceituação: sistema normativo voltado à ordenação do processo econô- mico, mediante a regulação, sob o ponto de vista macro-jurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal (Elementos de Direito Econômico, cit., p. 31). Quanto à concepção de Geraldo Vidigal, que foi o segundo professor titular da disciplina, no Departamento de Direito Econômi- co-Financeiro da Faculdade de Direito da USP, desenvolvi exposição crítica no Elementos de Direito Econômico, cit., pp. 32-39.

Eis aí, pois, o Direito Econômico que a Constituição de 1988 refere, no seu art. 24,1, como matéria a respeito da qual compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal, concorrentemente, le- gislar: ramo do Direito que se destina a, como observa Fábio Comparato,72 "traduzir normativamente os instrumentos da po-

lítica econômica do Estado" (grifei).

71. O indispensável Direito Econômico, cit., p. 465. 72. Ob. cit., p. 471.

OS PRINCÍPIOS

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