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má compreensão da relação símbolo-entidade II Reis volta a tropeçar em suas próprias pernas quando argumenta

“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 27: má compreensão da relação símbolo-entidade II Reis volta a tropeçar em suas próprias pernas quando argumenta

em torno da relação entre a realidade e o símbolo dentro do texto bíblico- profético de Daniel capítulo 8. A palavra símbolo, por definição, quer dizer algo que representa, sugere ou substitui alguma coisa. Símbolo é apenas uma figura que retrata um ser qualquer, seja ele um objeto, uma entidade ou até mesmo uma ideia abstrata. Por vezes, até comportamentos éticos são apresentados por meio de símbolos. Como exemplo, temos: a “pomba” é o símbolo da paz; a “balança”, por sua vez, da justiça; o coração, símbolo do amor; A cruz, símbolo do sacrifício de Cristo, que é o centro de fé cristã, e, por extensão, se tornou o símbolo do próprio cristianismo.

Além de tudo isto, é importante salientar que símbolos, a fim de que sejam compreendidos, devem ter uma correspondência com a realidade e possuir alguma relação de significado com aquilo que simbolizam. A balança, por exemplo, além de ser algo que existe, traz à mente a ideia de equilíbrio e isso faz com que se pense na justiça como equilibrada e imparcial. Assim, entendido o que é um símbolo, tem-se a chave para perceber o equívoco do raciocínio ou argumento quanto a esta questão em específico no artigo de Reis.

Nas palavras dele:

O fato é que um chifre nunca pode ser maior ou mais forte que o animal que o carrega. Se o “chifre pequeno” tivesse se

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tornado maior que o bode e o carneiro juntos e simbolizasse outro reino, este chifre deveria logicamente aparecer na visão como outro animal. É o que vemos nos capítulos 7 e 8: reinos diferentes aparecem como animais distintos

Para ele, “um chifre nunca pode ser maior ou mais forte que o animal que o carrega”. É até um tanto quanto bom notar que Reis constatou esta realidade. Até onde se tem registros, nunca um chifre foi maior do que o local no qual ele está fincado. Porém, ele peca gravemente porque tal raciocínio ou argumento pressupõe que aquilo que ocorre na realidade dever ser exatamente a mesma coisa a ocorrer na utilização dos símbolos num texto. Se, na vida real, um chifre não é maior do que o animal que o carrega, então o “chifre pequeno” não poderá ser maior do que o bode (supondo-se ele como Antíoco), pensa Reis.

Isto simplesmente está bastante distante da verdade pelo simples fato de que um símbolo não é a realidade em si e, devido a isto, jamais será uma cópia dela quando utilizado de maneira oral, visual, verbal ou textual. Da mesma forma que Antíoco não é um chifre e nem procedeu da cabeça de Alexandre o Grande, um “chifre pequeno” no texto não carece de ser menor do que o animal de onde se originou até porque, como já demonstrado, este chifre partiu dos “quatros ventos do céu” (v. 8) e não dos chifres procedentes de Alexandre, o bode na visão (v. 8).

Em seguida, Reis alega: “se o “chifre pequeno” tivesse se tornado maior que o bode e o carneiro juntos e simbolizasse outro reino, [então] este chifre deveria logicamente aparecer na visão como outro animal. É o

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que vemos nos capítulos 7 e 8”. Ele, porém, não atenta para a coerência de sua própria alegação. Primeiro, ele já afirmou que o capítulo 8 “contém informações suficientes para se sustentar sozinho” e que é um erro da posição tradicional ler este capítulo com base em outros. Porém, ele formula sua alegação com base no capítulo 7. Segundo, em todo o capítulo 8, “chifre” é a representação de um rei ou reino (v. 21-22). Isto significa que não há necessidade de que um outro reino seja representado por qualquer outro símbolo porque esta é a dinâmica literária do próprio capítulo.

Aliás, nele é possível perceber inclusive uma “redução no volume do símbolo” inversamente proporcional à “progressão de grandeza na realidade”. Enquanto o primeiro animal, o carneiro, possui dois chifres (v. 3), o segundo, o bode, tem apenas um (v. 5). Em seguida, não há mais nenhum animal senão a presença apenas de chifres, no caso, quatro (v. 8). Por fim, a visão se encerra com o foco em apenas um chifre que diferentemente dos outros tem uma procedência peculiar (v. 9). Ou seja, enquanto o texto caminha em direção a um “afunilamento restritivo” de animais com chifres para somente chifres, as entidades representadas, os reinos, avançam para uma “progressão ampliativa” de reinos menores para reinos maiores. Daí o fato de Roma ser o candidato ideal para cumprir os requisitos deste chifre e de ser identificada como “chifre pequeno” no texto.

Esta constatação da “redução no volume do símbolo” inclusive pode auxiliar na compreensão de uma realidade marcante do capítulo 8 de

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Daniel, a presença de dois símbolos peculiarmente judaicos, o carneiro (v. 3) e o bode (v. 5) por serem dois animais envolvidos no ritual do santuário do dia da expiação (cf. Lv 16:5). Primeiro, o ataque ao santuário, na visão (v. 3-14), não é provocado por nenhum destes dois animais que tinham envolvimento com este dia especial do calendário religioso judaico. A ofensiva a este lugar sagrado parte do “chifre pequeno” (v. 9-14). Isto sugestiona que o santuário a ser atacado na visão não é o santuário judeu, o santuário terrestre, e que o dia da expiação envolvido neste evento é de natureza escatológica.

Assim, portanto, ainda que este chifre viesse a derrubar o templo deste povo como posteriormente explicou Gabriel para Daniel (cf. 9:26- 27), este ataque inicial em esfera celestial (8:9-14) estava fora da esfera desta explanação, uma vez que o anjo não esclareceu ao profeta o que este chifre faria a este santuário sobre-humano (8:26) senão o que faria com o santuário terrestre (9:26-27). Isso também justifica a falta de entendimento do vidente acerca deste trecho da visão (8:27).

Segundo, um outro ponto em que esta “redução no volume do símbolo” (de animais com chifres para apenas chifres) pode ajudar tem que ver com algo a ser explicado por Gabriel no capítulo seguinte, o capítulo 9. Reis alega que os símbolos judaicos do capítulo indicam que este capítulo tem que ver apenas com os judeus. Porém, os próprios símbolos já indicam que a visão está para além das fronteiras judaicas. Os dois primeiros símbolos, carneiro e bode, tem relação com os judeus porque são animais do santuário, do dia da expiação. O chifre não. O chifre

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não tem restrição ao santuário judaico. Logo, pelo símbolo "chifre" já sabemos que este ataque ao santuário não está dentro do âmbito do judaísmo.

A presença dos chifres independentes destes animais típicos judaicos, na visão, implica coisas essencialmente não judaicas já que “chifre”, por si só, nunca foi algo típico deste povo. Isto poderia ser entendido como uma antecipação de algo a ser posteriormente elucidado pelo anjo ao profeta: de que apenas parte da visão do capítulo 8 teria relação direta com os judeus (cf. 9:24) e que quando este chifre atingisse o santuário terrestre (cf. 9:26) as coisas pertinentes somente a este povo já não fariam mais parte deste conteúdo específico da visão (8:9-14) em virtude do tempo determinado aos judeus ter se encerrado (9:24).

Tudo isto seria só mais um item a estabelecer a conexão entre os capítulos 8 e 9 de Daniel. De qualquer forma, o fato é que Reis tem dificuldade de perceber a correta relação entre símbolos e as entidades por eles representadas de tal forma que suas alegações sequer arranham a consistência do entendimento tradicional quanto à identificação deste “chifre pequeno” com Roma.