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“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 21: religião e política, política e religião

A última carta na manga de Reis no segundo tópico de seu artigo, novamente, um exemplo de falácia do homem de palha. Reis traz à baila uma outra constatação histórica não negada pela posição tradicional, aliás, aceita por ela: a destruição de Jerusalém no ano 70 envolveu fatores políticos. O problema é que Reis apresenta este fato histórico como um argumento válido para desacreditar o entendimento dos intérpretes adventistas em geral. Quando isto ocorre – alguém usar como argumento algo aceito pelo seu interlocutor com o intuito de refutar a compreensão do outro – de duas uma, ou este alguém não conhece a fundo o que realmente pensa ou no que crê seu interlocutor, ou apesar de estar ciente da tese do outro, quer voluntariamente atacar o posicionamento contrário usando como artificio esta falácia do espantalho batendo em algo que não faz parte do discurso ou da defesa adversária, no caso, a negação deste fato.

De nenhuma maneira aqueles que se colocam em favor da posição tradicional negam que a destruição de Jerusalém juntamente com seu templo no ano 70. d.C. tenha ocorrido por fatores políticos. Isto é um fato histórico. Os registros judaicos e romanos estão aí para mostrar que as constantes insurreições ocorridas na Judeia naquele período tiraram a paciência de Roma com aquele povo de tal modo que os dominadores não encontraram alternativa senão dar um fim a tudo aquilo. E, como se sabe, nem mesmo isto foi suficiente para aplacar as expectativas de liberdade dos judeus do controle romano sobre o seu território.

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Algumas décadas depois, outra revolta aconteceu, a célebre revolta de Bar Kochba. Desta vez, os romanos decidiram expulsar todos os judeus de sua terra e como afronta ainda rebatizaram a cidade de Jerusalém, principal cidade para os judeus, de Aélia Captolina (nome que remete ao deus Júpiter) e a Judeia de Palestina (trocadilho que remete ao antigo povo filisteu). Nada disto é negado pelos defensores da posição adventista. Logo, argumentar de modo a fazer parecer com que estes mesmos fatos históricos contrariam a ideia tradicional é, na melhor das hipóteses, desconhecimento ou falácia.

Para Reis, pelo fato da destruição da cidade e do templo terem acontecido por motivações políticas, isso significaria que este evento não poderia ser tomado como o cumprimento das predições de Daniel no capítulo 8. Nas palavras dele, “em última análise, Jerusalém e o Templo não foram derrubados pelos romanos em 70 A.D. devido a alguma perseguição religiosa, mas por repetidas insurreições políticas por parte dos judeus contra o domínio e taxação romanos”.

Realmente, a decisão de Roma em destruir a cidade e o templo se deram por questões políticas. Todavia, esta alegação de Reis peca numa questão lógica. Simplesmente, o bloco profético de Daniel 8 e 9 não faz predição alguma quanto à motivação dos romanos em destruir a cidade e o templo senão apenas quanto ao fato de que os romanos destruiriam a

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cidade e o templo. Isto é o que se pode caracterizar como a falácia do “Red Herring”.7

Reis não está errado ao apresentar esta constatação histórica. Todavia, ele omite certas verdades e outros fatos históricos de modo a fazer parecer que a interpretação tradicional está equivocada. Segundo seu ponto de vista, a causa da destruição romana foram as revoltas políticas judaicas. Certo. Porém, isto é apenas a constatação de um fato a partir da perspectiva romana. Roma fez o que fez para não perder o controle político-militar da região. 8

Por outro lado, isto não está correto quando se avalia o mesmo evento da perspectiva judaica. As insurreições dos judeus contra o domínio político romano não foram motivadas por meras questões políticas porque, para o judaísmo de então, religião e política não eram entendidas como coisas distintas. Religião e política, ou política e religião, no

7 Esta falácia consiste em introduzir um ponto irrelevante à discussão com o propósito,

consciente ou inconscientemente, de desviar o assunto para algo mais facilmente refutável. A política como motivação para a destruição da cidade e do templo, embora historicamente relevantes, são irrelevantes para refutação do entendimento adventista e a compreensão de Daniel 8 e 9 porque essa motivação simplesmente não é algo com o qual o texto bíblico se preocupa.

8 Este argumento de Reis ainda o coloca numa autocontradição porque ele já reconhecera

que o “chifre pequeno” de Daniel 8 é uma entidade política. Logo, ao alegar que a destruição provocada pelos romanos, tendo sido motivada por política, invalida o entendimento tradicional, torna este argumento irrelevante ou torna sua alegação de que o “chifre pequeno” é um poder político uma premissa questionável.

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entendimento judeu, se confundiam. Aliás, algo semelhante aconteceu na revolta dos Macabeus que Reis insiste em dizer ser o cumprimento de Daniel 8.

A guerra contra o controle selêucida de Antíoco sobre Jerusalém (política) foi motivada por questões religiosas (profanação do templo etc.). De qualquer forma, o foco dos capítulos 8 e 9 está na religião judaica retratada em seu templo. O que Reis pensaria se alguém alegasse que por causa de política esta revolta não pudesse ser considerada o cumprimento da predição bíblica de Daniel?

No primeiro século da era cristã, havia uma enorme expectativa messiânica efervescente na Judeia. Muitos judeus, e há registros de que até não judeus, esperavam pela chegada de um messias naquela época. Segundo o entendimento mais comum no período, ao chegar, o messias (conceito religioso) finalmente reestabeleceria o reino prometido pelas profecias bíblicas (cf. Is 65:17-25) o qual tinha como parâmetro ou referência a mesma glória e prestígio que teve o reino governado por Davi (conceito político).

Noutras palavras, embora, como diz Reis, “em última análise”, a cidade e o templo tivessem sido destruídos por questões políticas (perspectiva romana), foram as questões religiosas que motivaram essas mesmas insurreições políticas (perspectiva judaica) posto que para o judaísmo o messias seria um líder não só religioso, mas político também. Assim, portanto, a alegação de Reis além de constatar o que já é óbvio

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para a posição tradicional omite boa parte da verdade histórica acerca da derrocada da cidade e do templo em 70 d.C.

Ademais, o próprio Reis reconhece que a ênfase do texto bíblico de Daniel 8 se concentra na religião judaica como ele próprio já afirmara anteriormente. Sendo este o caso, então a perspectiva romana, contaminada por motivações políticas, é irrelevante para a interpretação do texto bíblico posto que este apresenta o evento de ataque a Jerusalém e ao templo a partir da perspectiva da religião judaica. E, por este prisma, esta destruição teve que ver com religião e não com política, o que Reis implicitamente admite com sua alegação.

Neste ponto a posição tradicional se ajusta muito bem, pois para ela, neste capítulo, o ataque do “chifre pequeno” é primariamente religioso. Será que Reis nega o ataque de Roma papal contra os valores da religião judaica: o sacerdócio (templo) e o dia de repouso, por exemplo? É... Reis precisará de um pouco mais de esforço e dedicação para atualizar a interpretação adventista.

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CAPÍTULO IV

“O ‘chifre pequeno’ é ‘maior’ do que a Medo-

Pérsia e a Grécia”

A análise do terceiro tópico do artigo de Reis talvez venha a ser a mais complexa em virtude da natureza de seu raciocínio em torno da língua primária do texto bíblico. Neste ponto de seu texto, ele visa corrigir o que, segundo entende, é uma má compreensão da posição tradicional no que diz respeito ao texto bíblico de Daniel 8 em sua forma original, isto é, o idioma hebraico. De acordo com o seu ponto de vista, a compreensão adventista está biblicamente errada quando afirma que o “chifre pequeno” deve ser Roma e não Antíoco IV Epifânio pelo fato deste império ter sido muito maior do que foi o controle deste rei selêucida sobre a Judeia, tanto geográfica quanto temporalmente (duração), o que é fato.

Para ele, uma das principais razões que explica esta suposta imperícia dos intérpretes tradicionais tem que ver com o que ele julga ser, outra vez, um raciocínio circular da abordagem adventista. Reis entende que a exegese tradicional pressupõe o império romano no capítulo 8 tendo como base o capítulo 7. Assim, deste ponto em diante, Reis apresentará alguns argumentos a fim de demonstrar que o texto bíblico em seu original hebraico não exige que o “chifre pequeno” seja maior que os dois reinos anteriores, medo-persa (carneiro) e grego-macedônico

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(bode). Basta apenas saber se tais alegações em torno do hebraico passarão ilesas pelo crivo da crítica.

Erro 22: pensar numa interpretação baseada numa tradução