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“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 10: o maior dos ataques

Neste tópico, Reis termina seus ataques contra a posição tradicional adventista utilizando-se, mais uma vez, de artimanhas retóricas e pouca credibilidade interpretativa. Nas palavras dele: “À luz do ataque grotesco de Antíoco contra os judeus, seria mesmo razoável que Deus os tivesse deixado desinformados em relação a essas agressões, omitindo esses eventos das profecias de Daniel? É muito improvável. Visto sob este prisma, Antíoco IV Epifânio parece o candidato invicto aqui”. Ou seja,

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segundo seu pensamento, devido ao “grotesco ataque de Antíoco contra os judeus” e as “agressões” por ele cometidas contra esse povo, seria improvável que Deus não lhes preparasse para este evento dando-lhes alguma revelação profética prévia. Reis não está completamente errado. Mas duas coisas disso se extraem. Uma tem que ver com o mal ao povo de Deus, no caso os judeus, como sendo motivo para que Deus lhes revelasse este futuro, e nisto ele está certo.

Curiosamente, talvez por conveniência pessoal ou desatenção, Reis ignora o mal que os romanos fizeram a estes mesmos judeus. Numa análise histórico-comparativa relativamente simples, ficará visível que o mal que os romanos fizeram contra os judeus é maior do que o mal que Antíoco Epifânio fez contra este mesmo povo. A título de exemplo, os judeus após a célebre revolta dos Macabeus conseguiram reaver o controle da cidade e do templo, purificando-os das abominações ali cometidas pelo rei selêucida (Antíoco IV Epifânio) e retomando os sacrifícios diários. Roma, no ano 70 d.C., não só matou incontáveis judeus, mais do que Antíoco, mas destruiu o templo e a cidade, o que Antíoco não fez, extinguiu o sacrifício diário2 do templo cujos efeitos se vê até os dias

de hoje. Além disso, algumas décadas depois, eles expulsaram os judeus de sua própria terra na revolta de Bar Kochba.

2 A expressão “sacrifício diário”, a partir do original hebraico, é bastante discutida. E até que

neste livro, a partir da página 253, haja uma apresentação desta discussão ela será utilizada como legítima por duas razões: (1) é como as traduções portuguesas a trazem e, em função disto, (2) ela já está no imaginário do leitor de Daniel 8.

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Ou seja, considerando a sugestão de Reis, de que Deus dificilmente deixaria de revelar um mal contra seu povo, então é justamente por esta razão que a proposta tradicional adventista deve ser preferida à opção por Antíoco posto que o mal causado pelo império romano foi maior. A ação de Roma contra judeus afetou três pilares da aliança de Deus com eles: território, cidade e templo, algo que nas proporções romanas Antíoco esteve bastante distante de fazer.

A outra colocação a ser extraída desta fala de Reis tem relação com a revelação de Deus. Ele diz – “À luz do ataque grotesco de Antíoco contra os judeus, seria mesmo razoável que Deus os tivesse deixado desinformados em relação a essas agressões, omitindo esses eventos das profecias de Daniel?” – Reis está certo, Deus não deixou seu povo desinformado quando a agressão que sofreria. Ele só está errado na identificação do agente agressor. Incontestavelmente, Deus, de fato, revelou esta perseguição ao povo judeu. Os versos 23 e 24 do capítulo 8 e parte do capítulo 9 (v. 25-27) descrevem o mal que os romanos fariam aos judeus. É por esta razão que Cristo alertou justamente seus discípulos, todos judeus, para que se lembrassem das palavras proferidas pelo profeta Daniel acerca do “abominável da desolação” (cf. Mt 24:15) que nada mais é do que uma referência direta ao mal que este “chifre pequeno” do capítulo 8 faria a seu povo (cf. Dn 9:27). Em suma, todos os argumentos que Reis se propôs a levantar para demonstrar que o suposto pressuposto adventista de que “Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e 7” se revelaram um tiro no próprio pé porque corroboram com a posição tradicional, aquela que ele incoerentemente se propôs a refutar.

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CAPÍTULO III

“O ‘chifre pequeno’ de Daniel 8 é romano”

A segunda parte do artigo de Reis contra a interpretação tradicional adventista acerca da identidade do “chifre pequeno” de Daniel capítulo 8 tem que ver com o que ele julga ser um outro pressuposto desta interpretação tradicional – “O ‘chifre pequeno’ de Daniel 8 é Romano”. Ou seja, a partir do título deste tópico, o que fica evidente é que para Reis a interpretação tradicional apenas pressupõe que este “chifre pequeno” seja Roma e não que esta compreensão seja o fruto, o resultado e a conclusão de um processo interpretativo do próprio texto bíblico do referido capítulo.

Não obstante, como já foi possível perceber, a identificação deste “chifre pequeno” no entendimento adventista tradicional não é um pressuposto como pensa Reis. Ao contrário, ela é o resultado de uma interpretação firmada no próprio capítulo 8, possível de se obter independentemente dos capítulos 2 e 7, além de estar fincada na própria gramática hebraica por meio da concordância de gênero entre pronomes e substantivos, que é um padrão bíblico. E é aqui que começam os problemas de Reis neste seu segundo tópico, problemas de raciocínio lógico principalmente.

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Erro 11: pressuposto errado

Afinal de contas o que é um pressuposto do qual Reis tanto fala em seu artigo? De modo simples e objetivo, pressuposto, como o próprio nome já sugere, é uma suposição prévia que sem contestação se admite como verdadeira e da qual se parte para a formulação de um raciocínio ou argumento. Por exemplo, quando se diz para outrem – Deus é o criador de todas as coisas e por isso a vida não é obra do acaso como dizem os ateus – esta assertiva pressupõe, tem como suposição prévia, a ideia de que Deus existe pois se não existisse, então não seria criador de nada. Observe que se admitiu a existência de Deus como verdadeira sem antes considerar como verdadeira ou falsa a própria ideia acerca de sua existência. Assim, esta noção prévia e que permeia a fala de alguém e é anterior a ela é chamada de pressuposto ou de pressuposição.

Desta forma, quando se parte de um pressuposto errado, não mais é possível, pelas leis do pensamento lógico (deduções), se concluir algo verdadeiro ainda que o próprio raciocínio, o processo de pensamento, esteja correto. Uma vez que se considera como verdadeira uma ideia falsa que permeia toda fala de alguém, não haverá possibilidades lógicas de uma conclusão proveniente desta mesma fala ser verdadeira. No caso de Reis, como já visto, ele pressupõe que o entendimento adventista em torno de Daniel 8 no que diz respeito à identidade do “chifre pequeno” é um pressuposto, uma ideia prévia não contestada, formado porque os intérpretes da posição tradicional julgam que só é possível enxergar Roma neste capítulo tendo como base os capítulos 2 e 7. No primeiro capítulo

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deste livro percebeu-se como esta compreensão de Reis é infundada, pois é perfeitamente possível defender e manter o entendimento tradicional apenas no capítulo 8.