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“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 4: ignorar o aspecto religioso da política

Na construção de seu edifício argumentativo contra a posição adventista tradicional, Reis estabelece seus fundamentos em terreno movediço. Numa declaração que pode servir como o título de seu pressuposto argumentativo, ele afirma que o capítulo 8 dá destaque ao “chifre pequeno” de uma perspectiva política. Em suas próprias palavras: “A visão de Daniel 8 se concentra em como os judeus e, em particular, seu santuário, sofrem sob um certo poder político, o infame ‘chifre pequeno’”.

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Essa assertiva conduzirá toda a estrutura silogística de Reis em seu artigo. O que resta saber é se ela está correta ou não.

Talvez esta compreensão de Reis se fundamente no fato de que o capítulo 8 de Daniel apresenta uma sucessão de reinos, de nações, os quais, da perspectiva profética, entraram e saíram de cena na história. O capítulo tem como ponto inicial o período do império babilônico (v. 1). Em seguida, mostra o império medo-persa atuando para conquistar seu espaço no cenário político (v. 3-4, 20). Depois, apresenta como os gregos derrotaram os persas e se tornaram a nação dominante (v. 5-7, 21). Em sequência, o texto mostra como o reino de Alexandre foi dividido entre seus quatro sucessores (v. 8 e 22). Por fim, finalmente entra em cena mais um reino, mais uma nação, mais um poder político designado como “chifre pequeno” (v. 9, 23-25). À luz disso, é até plausível se pensar como Reis – que a concentração do capítulo esteja na questão política – e este chifre, como ele disse, seja “um certo poder político”.

Reis não está de todo errado. Este chifre, realmente, é um poder político como o próprio texto deixa claro. Se todos os reinos são referidos em sua natureza política, então não há razão para se pensar que o último deles também não o seja. Todavia, esta não é toda a verdade e, por esta razão, a base argumentativa de Reis se torna inconsistente. Se o capítulo 8 de Daniel demonstrasse apenas esta sucessão de reinos na história, ficaria muito difícil contrariar sua afirmação e o seu pensamento. Mas não é isto o que acontece com o texto profético deste capítulo. Há uma série

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de questões religiosas envoltas nestas questões políticas, em meio à sucessão de reinos no fluxo histórico.

Em primeiro lugar, os dois primeiros reinos da visão são retratados por símbolos específicos, peculiares da religião judaica, um carneiro e um bode. Estes eram animais exclusivos do dia da expiação, um dia especial no calendário judaico religioso (cf. Lv 16). Logo, uma vez que nações são retratadas por símbolos religiosos, então é de se esperar que estas nações sejam representadas como tal por alguma razão religiosa e não meramente política. Se o intuito fosse destacar apenas a questão política, então não haveria razões claras para que poderes políticos fossem retratados com símbolos religiosos. Desta forma, tem-se aqui uma mistura de política com religião. Isto é ratificado pelo próprio Reis quando diz que “diferente dos animais imundos que dominam Daniel 7 – os animais em Daniel 8 provêm dos rituais do santuário”.

Em segundo lugar, o capítulo 8 reinicia o texto hebraico do livro de Daniel. O livro de Daniel foi escrito em dois idiomas, hebraico e aramaico. Entre os versos 2:4b e 7:28 todo o texto foi redigido na língua dos caldeus, o aramaico. O capítulo 8 do livro retoma o idioma hebraico com o qual Daniel começou a redigir seu texto. Desde este capítulo até o fim do livro o hebraico é o idioma original da redação. Como se sabe, enquanto o aramaico era o idioma franco da época, o idioma das relações diplomáticas, das relações políticas internacionais, o hebraico era e ainda é o idioma da religião judaica, o idioma de sua liturgia, o idioma no qual suas escrituras foram produzidas. Disto, se pode deduzir com relativa

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segurança que esta marca do capítulo 8 de Daniel é uma tentativa de demonstrar como as questões políticas (reinos e nações) teriam relação com a religião do povo judeu.

Em terceiro lugar, isto é reforçado pelo fato de que todas as cenas desenvolvidas no capítulo 8 tem como propósito mostrar como num tempo específico um santuário seria atacado pelo infame “chifre pequeno”. As coisas que aconteceriam com este santuário são o clímax da visão. Assim como num texto acadêmico tudo o que se escreve tem como foco uma conclusão, o capítulo 8 foi redigido para que tudo girasse em torno deste santuário. O santuário simplesmente era o centro de toda religião judaica. Neste local, sacerdotes atuavam, ofertas sacrificais eram trazidas, dízimos eram depositados e até julgamentos eram proferidos. Era o local onde o próprio Deus se manifestava. Sendo assim, uma vez que a visão tem como auge o santuário e este era o principal elemento da religião dos judeus, então pode-se afirmar que o foco deste capítulo 8 era primariamente religioso e não apenas político.

Em suma, ao dizer que “A visão de Daniel 8 se concentra em como os judeus e, em particular, seu santuário, sofrem sob um certo poder político, o infame “’chifre pequeno’”, Reis está fazendo uma declaração parcialmente verdadeira ou, dependendo da perspectiva, parcialmente falsa. De fato, não se pode negar que o “chifre pequeno” seja um poder político. Mas, por outro lado, também não se pode negar que sua função no capítulo 8 ao atacar o santuário é primariamente religiosa e não somente política. Reis, indiretamente, dá indícios no restante de seu texto

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de que Daniel 8 focaliza questões religiosas. Porém, ao tornar explícita esta realidade textual em sua “breve visão geral do capítulo” ele incorre no erro de construir argumentos numa falsa premissa. E, sendo este o caso, logicamente, jamais ele conseguirá formular teses verdadeiras.

Erro 5: dinâmica bíblica na apocalíptica e “grandes