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falta de rigor metodológico e respeito ao contexto Por definição, contexto é aquilo que compõe o texto em sua

“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 25: falta de rigor metodológico e respeito ao contexto Por definição, contexto é aquilo que compõe o texto em sua

totalidade. É a reunião dos elementos do texto que estão relacionados com uma palavra ou frase específicas e contribuem para a modificação ou esclarecimento de seus significados. De forma didática, no que diz respeito ao ato interpretativo de um texto bíblico, contexto é simplesmente aquilo que vem antes e/ou depois de uma passagem ou de um conjunto maior delas, o capítulo, por exemplo. Deste modo, estas passagens, ou até mesmo somente algumas palavras especiais que as compõem, estão entrelaçadas com o contexto de maneira que elas dependem dele para ser corretamente compreendidas. Simplesmente, o contexto deve ser a maior de todas as forças a serem exercidas no processo de interpretação de um texto bíblico.

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A fim de que a força do contexto na interpretação fique clara, pense na seguinte declaração – eu estava no banco. – Sem o contexto, não há como saber se “banco” é um objeto no qual se senta, se é uma instituição financeira, se é a parte rasa de um rio ou mar devido o excesso de areia no fundo ou ainda se é um banco de sangue, um banco de dados, um banco dos réus etc. Mas com o acréscimo de mais palavras um contexto começa a ser vislumbrado – eu estava no banco com o dinheiro. – Agora, à primeira vista, a palavra banco deve ser entendida como uma instituição financeira. – Na praça, eu estava no banco com o dinheiro. – Neste caso, já não é mais possível saber se “banco” é a instituição financeira ou se o objeto sobre o qual se senta numa praça.

Mas pelo menos já é possível saber que “banco”, aí, não é um “banco de areia” e também não é nenhum dos outros significados. – Na praça, eu estava dentro do banco com o dinheiro para pagar às contas do mês. – Veja, a palavra “banco”, agora sim, iluminada pelo contexto, deve ser entendida como a instituição financeira e não como um assento. Isto significa que este “banco” simplesmente ficava numa praça específica e lá dentro o sujeito estava com dinheiro em mãos para pagar suas contas mensais.

Quando se compreende o contexto no qual versos bíblicos, capítulos e até palavras específicas estão inseridos, esta compreensão simplesmente se torna o referencial da interpretação porque estabelece as balizas, os limites e as barreias que devem impedir que certos significados sejam extraídos do texto cujo objeto do foco interpretativo são estas

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partes menores (versos e palavras) do todo (um capítulo ou algo maior). Talvez não fosse exagero dizer que problemas interpretativos ocorrem, em 90% dos casos ou até mais do que isso, pela negligência em observar o contexto (o todo) no qual versos e palavras (as partes menores) estão inseridos.

Na interpretação de qualquer texto e, principalmente, na interpretação bíblica, o contexto é a principal chave de compreensão visto que este texto é de natureza histórica cuja cultura e o idioma original não são os mesmos do intérprete atual. Além disso, seus autores não estão entre os leitores para iluminar o entendimento de hoje. Simplesmente, Reis deixou de observar a força do contexto ao formular seu raciocínio interpretativo que nega que haja uma “progressão de grandeza” cujo clímax se encontra no “chifre pequeno” do Daniel capítulo 8.

Para Reis, em face do fato de que somente o bode, o segundo animal (Grécia) do capítulo 8, no verso 8, tem seu engrandecimento descrito com um advérbio de intensidade (meod) e mais nenhum outro reino, então este animal é o que deve ser visto como o maior no texto ainda que na história possa ter havido outros reinos maiores em território e em tempo de domínio. E para reforçar este ponto de vista, Reis minimiza ou até ignora a força do contexto na interpretação de uma palavra específica que indica que o “chifre pequeno” foi o maior dos reinos. Isto estabeleceria assim a “progressão de grandeza” cujo clímax se encontra no último símbolo e requereria Roma como entidade representada, o que ele deseja evitar. Como o ele próprio diz: “com a ausência de meod na

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descrição do poderio dos outros personagens de Daniel 8, resta que o bode (Grécia) é o maior poder nesse capítulo e, consequentemente, o ‘grande chifre’ (Alexandre, o Grande) representa a ‘altura de seu poder’ (v. 8)”.

A palavra específica a qual Reis quer minimizar, mesmo com o sacrifício do contexto, a fim evitar que a “progressão de grandeza” tenha no “chifre pequeno” o seu ápice é a palavra hebraica yeter, um substantivo masculino utilizado para falar do engrandecimento deste chifre no verso 9 do capítulo 8. Ele diz:

[...] a tradução de Dan 8:9 da King James “se engrandeceu sobremaneira” bem como as versões em português, “se tornou muito forte” (ARA; ACF: “cresceu muito”) é questionável. A tradução ACF inclusive adiciona “se engrandeceu” em Dan 8:11 mas o verbo ali é simplesmente “crescer”. O problema na tradução ocorre porque a palavra yeter expressão wattigdal-yeter usada para descrever a ascensão do “chifre pequeno” em Dan 8:9 pode significar “resto, excesso, preeminência, superioridade, corda”. Realmente, a palavra yeter tem um campo semântico amplo (um gama de significados). Sendo este o caso, então é o contexto que deve iluminar seu significado e não o próprio significado da palavra em si. Uma interpretação bíblica séria, metodologicamente correta, não consiste apenas na busca do significado das palavras nos dicionários como Reis faz – “O Manual Teológico do Antigo Testamento traduz yeter com o

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significado de “preeminência” pelo menos uma vez, em Gên 49:3-4” – até porque estas ferramentas só servem para indicar os vários significados que uma mesma palavra pode ter em face de seu uso em diversos contextos diferentes. Mas é justamente este o erro que Reis comete. E, diga-se de passagem, um erro básico.

À luz do que foi dito até aqui, o significado da palavra yeter deve ser determinado pelo contexto. A força do significado de uma única palavra jamais, em nenhuma hipótese, será maior do que a força do significado de todas as demais palavras que juntas compõem o seu contexto e determinam o seu sentido. Mas é o que faz Reis ao dizer que: “se usarmos o significado usual de yeter como ‘resto’, poderia ser traduzido: ‘o chifre pequeno cresceu o restante [do seu tamanho]’, isto é, ‘atingiu a maturidade’”. Pela sua lógica, o significado usual da palavra yeter deve ser o preferido. Mas é de se perguntar como esta preferência se ajustaria no contexto. Considerando a sugestão de Reis como uma hipótese a ser testada à luz do contexto então deve-se indagar como yeter no sentido de “resto” ou “restante” se ajustaria ao todo já que o todo tem poder de influência sobre ela.

Avaliando esta proposta de tradução de Reis à luz do contexto – “’o chifre pequeno cresceu o restante [do seu tamanho]’, isto é, ‘atingiu a maturidade’” – disto se pode concluir com alto grau de plausibilidade que, ainda assim, este “chifre pequeno” é o maior dos reinos. Simplesmente porque “crescer o resto ou restante” indica algo maior do que “crescer muito ou sobremaneira” como é o caso do bode (v. 8). Reis diz que,

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segundo sua própria tradução, este “crescer o restante do seu tamanho” é o mesmo que “atingir a maturidade”. Mas se crescer o restante de seu tamanho é o mesmo que atingir maturidade, então isso significa que este chifre cresceu tudo o que tinha para crescer, todo o restante que lhe faltava crescer, e chegou ao seu ápice, à sua maturidade, ao seu limite de crescimento. Por outro lado, o bode não foi até seu limite, à sua maturidade ou o restante de seu tamanho. Ele apenas cresceu “muito” (meod). E “crescer muito” pode ser algo menor do que “crescer seu próprio restante até sua maturidade”. O que seria necessário agora é saber se a maturidade do chifre, seu máximo, seu limite, é maior ou menor do que o “crescer muito” do bode.

Pelo contexto, sabe-se que o engrandecimento do bode tem estreita relação com aquilo que ele fez ao carneiro. Daniel só descreve o engrandecimento deste animal depois de tudo o que ele fizera ao seu antecessor. Embora o verbo gadal (crescer, engrandecer-se) no modo hifil

indique uma causa para o fato de não existir (modo qal) ninguém para salvar o caneiro de suas mãos, o fato é que não havia ninguém para salvar os persas (o carneiro) dos gregos (o bode) porque estes já haviam atacado aqueles. Assim, “o cresceu muito, sobremaneira” do bode só pode indicar um crescimento maior do que seu antecessor e não necessariamente um crescimento maior do que seu sucessor, o “chifre pequeno”. Daí o fato de Daniel ter usado uma palavra com função adverbial (meod) para apresentar o crescimento (gadal) do bode como maior do que o crescimento (gadal) do carneiro. Foi o modo por ele encontrado para diferenciar o engrandecimento de ambos.

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Portanto, quando o texto hebraico diz que este “chifre pequeno” se engrandeceu (mesmo verbo gadal), mas empregando a palavra yeter, a qual Reis define como “resto” ou “restante”, no sentido de atingir a sua maturidade, seu ápice, limite, máximo, logo, este engrandecimento (gadal) só pode ter sido maior do que o engrandecimento (gadal) do bode (Grécia). O reino grego tem seu próprio engrandecimento (gadal) descrito de modo a indicar algo maior (meod) do que o engrandecimento do carneiro.

A proposta de tradução de Reis é válida até, mas, ao mesmo tempo, também é um tiro no próprio pé já que, com a força do contexto, ela indica “progressão de grandeza” e tem no “chifre pequeno” o seu ápice. E se o “chifre pequeno” é o maior dos reinos no texto hebraico, a opção de Reis por Antíoco IV Epifânio passa anos-luz de preencher esse requisito profético. Já Roma sim, foi o maior dos reinos tanto geográfica como temporalmente. Noutros termos, a interpretação tradicional está certa em sua opção, tanto textual quanto historicamente.