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“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 9: a procedência do “chifre pequeno”

Em certos momentos, Reis usa um tom um tanto quanto retórico para mostrar que a posição adventista tradicional é incorreta e que os argumentos utilizados por seus intérpretes são inconsistentes. Ele afirma: “O argumento tradicional se tornaria inexpugnável se, em vez disso, surgisse dos ‘quatro ventos’ um ‘vento pequeno’ – na verdade, a figura de um ‘vento pequeno’ que cresce em força poderia ser igualmente eficaz como símbolo na visão. Mas isso não é o que lemos”. O problema desta fala meramente retórica é desconhecer a própria dinâmica do capítulo 8. E isto é ainda mais problemático porque Reis diz se utilizar de um método de “’leitura próxima’ (atendendo-se ao contexto imediato) do texto de Daniel”. Em todo o capítulo 8, a palavra “chifre” é utilizada para indicar

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reinos ou reis (cf. 8:20-22). Deste modo, para indicar o reino subsequente aos quatro anteriores, seja ele Antíoco ou Roma, a única figura apropriada para isso seria a utilização da mesma palavra até então utilizada para indicar reis ou reinos, a palavra “chifre”.

Assim, por qual razão Reis acha que a interpretação que opta por Roma, um reino, só seria “inexpugnável” se em lugar de “chifre”, palavra que no contexto indica reis ou reinos, estivesse a palavra “vento”? Se em lugar de “chifre pequeno” estivesse “vento pequeno” para indicar a saída do império Romano dos “quatro ventos” e não dos “quatro chifres” como Reis prefere, isto jamais tornaria o argumento tradicional “inexpugnável” como ele afirma. Ao contrário, isto tornaria o argumento absolutamente inconsistente já que um suposto “vento pequeno” no próprio contexto não teria como indicar império algum. Logo, “chifre pequeno” é justamente o que torna a opção por Roma um “argumento inexpugnável”.

Em outro momento, continuando com sua abordagem apenas retórica, Reis argumenta que “o padrão tipológico nas visões de Daniel 7 e 8 é consistente: chifres estão sempre ligados a animais, apenas cabeças geram chifres, apenas chifres geram chifres. O ‘chifre pequeno’ em Daniel 7 surge entre os chifres do quarto animal, e, em Daniel 8, de um dos quatro chifres gregos do bode”. Este tipo de argumentação peca em dois pontos, pelo menos. O primeiro deles, já mencionado aqui, tem que ver com coerência. Se Reis afirma uma independência do capítulo 8 em relação ao capítulo 7, então o padrão tipológico do capítulo 7 não deveria ser usado como base para o capítulo 8, mas é justamente isto o que ele faz. Reis não

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demonstra critério algum além de sua própria conveniência que justifique a utilização ou não de informações do capítulo 7 para iluminar questões do capítulo 8. Se ele entende que o capítulo 8 contém informações suficientes para se sustentar sozinho e que é um erro pressupor que o capítulo 7 lance luz sobre o capítulo 8 como faz a posição tradicional, por que então tomar o padrão tipológico do capítulo 7 como referência para interpretar o padrão tipológico do capítulo 8?

O segundo tem que ver com criação de um cenário rígido fundamentado no capítulo 7 que impede que o capítulo 8 se apresente de modo independente do próprio capítulo 7. E, que ironia, Reis é aquele que defende que o capítulo 8 seja lido independentemente do capítulo 7. No raciocínio de Reis, uma vez que os chifres do capítulo 7 são provenientes de animais, de cabeças e de outros chifres, logo, para ele, o “chifre pequeno” do capítulo 8 só poderá também sair de um animal, de uma cabeça ou de um chifre e não de “um vento” como entende a posição tradicional. Isto é o que ela chama de “padrão tipológico” e o que, segundo pensa, faz com que o “chifre pequeno” do capítulo 8 não proceda de “ventos” e sim de “chifres”, impedindo a identificação deste “chifre pequeno” com Roma.

Se Reis fosse coerente com aquilo que ele mesmo propõe, uma leitura independente do capítulo 8 em relação ao capítulo 7, ele deveria chegar à mesma conclusão a que chegaram os intérpretes adventistas. Tomando apenas o capítulo 8 como base, ao se olhar para o verso 8 percebe-se que este verso termina mostrando o crescimento dos “quatro

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chifres notáveis” em direção aos “quatro ventos do céu”. Deste modo, fazendo uso da própria recomendação de Reis – o capítulo 8 deve ser lido de modo independente do capítulo 7 – a fim de demonstrar a inconsistência de sua própria abordagem, é perfeitamente possível defender que o “chifre pequeno” do verso 9 tenha partido dos “quatro ventos” (v. 8) e não dos “quatro chifres” (v. 8).

No início do capítulo 8, no verso 3, Daniel descreve o primeiro animal da visão, o “carneiro” de dois chifres. No verso seguinte (v. 4), ele mostra que este carneiro dava marradas para alguns pontos cardeais, “ocidente”, “norte” e “sul”. Em seguida Daniel encerra a descrição deste carneiro neste mesmo verso (v. 4) apenas reforçando seu poder e suas conquistas. No verso seguinte (v. 5), Daniel introduz na cena o outro animal, o “bode” com um “chifre notável”. Mas como o texto mostra, a procedência ou ponto de partida deste bode com chifre não é um animal, uma cabeça e nem um chifre, mas um ponto cardeal, o “ocidente”.

Ora, há de se convir, se o próprio capítulo 8 mostra um reino que atua para alguns pontos cardeais e em sequência outro reino que procede de um destes pontos cardeais (ocidente), então não há motivos para menosprezar a opinião de que outro reino, no mesmo capítulo, agora representado por um “chifre pequeno”, símbolo de reis ou reinos (Cf. 8:20- 22), também proceda de um ponto cardeal, dos “quatro ventos do céu” (v. 8) como Reis quer fazer parecer com seu “padrão tipológico”. Portanto, o “padrão tipológico” de Reis, além de incoerente, não é um argumento

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consistente que refuta a afirmação tradicional de que o “chifre pequeno” de 8:9 partiu dos “quatro ventos” e não dos “quatro chifres”.

De modo bastante simples, para que isto fique claro ao leitor, na visão, o primeiro animal, o carneiro (Média-persa) atuava para alguns pontos cardeais (v. 4). O animal seguinte, o bode (Grécia), procede de um destes pontos cardeais (v. 5). Aqui tem-se uma dinâmica geográfica na sucessão dos reinos. Esta mesma dinâmica se repete na sequência de sucessões. O bode encerra sua atuação crescendo para os “quatro ventos do céu” (v. 8). Pela dinâmica do capítulo, de onde então deveria partir o reino seguinte, o “chifre pequeno”? Pela indicação do próprio capítulo 8, de um dos pontos cardeais (“ventos”) e não de um dos quatro reinos (“chifres”) já que esta é a dinâmica do capítulo.

Entendido desta maneira, em absolutamente nada o “padrão tipológico” de Reis é motivo plausível para negar que o “chifre pequeno” de 8:9 proceda dos “quatro ventos” do verso anterior. Deve-se considerar que assim como o “carneiro” de “dois chifres” atua em alguns pontos cardeais (“ocidente”, “norte” e “sul”) e o animal seguinte, o “bode” com “chifre notável”, procede de um destes pontos, o “ocidente”, o mesmo acontece com os “quatro chifres” oriundos deste “bode” que crescem para os “quatro ventos” (v. 8) e de um destes “ventos” procedeu o “chifre pequeno” (v. 9). A posição tradicional é absolutamente consistente com as informações do próprio capítulo 8 independentemente do capítulo 7. Simplesmente, se Reis tivesse sido fiel à sua própria proposta de compreender o capítulo 8 de modo independente, ele teria chegado à

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mesma compreensão dos intérpretes tradicionais já que este entendimento encontra respaldo no próprio capítulo 8 a despeito do capítulo 7.

Desta forma, quando ele diz essas palavras:

Devemos perguntar se faria sentido que a visão tratasse de um bode (Grécia) com um grande chifre (Alexandre) seguido de quatro chifres igualmente gregos, apenas para que, no final das contas, Gabriel virasse para Daniel e dissesse: “Daniel, esqueça o bode e os cinco reis gregos que surgem dele, eles não têm nenhuma relevância para a profecia das 2.300 tardes e manhãs. Ainda há um sexto [no capítulo 8 é o sétimo] rei que virá num futuro distante que não tem nada a ver com os cinco primeiros reis gregos, um reino desconhecido agora, cujo nome eu não posso lhe dar. Preste atenção nele!” Mas é justamente isso que o argumento de um “chifre pequeno” romano quer”.

Elas não passam de um jogo de retórica somente, bem distante da realidade bíblico-apocalíptica como apresentada no capítulo 8. Faz todo sentido que Gabriel dissesse para Daniel, como ironicamente Reis deixa claro com seu palavreado, que o profeta focasse no que erroneamente ele chama de “sexto rei” (no capítulo 8, este “chifre pequeno” é o sétimo reino). Recorrendo ao capítulo 7, pois Reis também recorre a esse capítulo em seu “padrão tipológico”, percebe-se que o “chifre pequeno” deste capitulo é o mesmo “chifre pequeno” do capítulo 8 e este chifre, em Daniel

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7, foi o que mais chamou a atenção do profeta (cf. 7:19-20) e para o qual ele pediu uma explicação porque era diferente (7:24).

Ou seja, em primeiro lugar, Reis precisa decidir se o capítulo 7 e 8 devem ser considerados juntos ou não. Se forem considerados juntos, então fica claro que o “chifre pequeno” do capítulo 8 é o “chifre pequeno” do capítulo 7; se, por outro lado, nada do capítulo 7 for considerado para iluminar o capítulo 8, ainda assim o “chifre pequeno” de 8:9 será um sétimo reino diferente dos quatro reinos anteriores (“quatro chifres”). Esta entidade seria um reino como os quatro outros, pois, como eles, também é um chifre, e ao mesmo tempo diferente deles, partindo não do bode, mas dos “quatro ventos do céu” (8:8) como entende a posição tradicional, com respaldo do próprio capítulo 8, da gramática e dos padrões bíblicos. As alegações de Reis, neste ponto, repousam numa leitura superficial do texto e não numa “leitura próxima” como ele afirmou.