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“Daniel 8 só pode ser entendido à luz de Daniel 2 e Daniel 7”

Erro 30: gramática hebraica e comparação indevida

A última bala no cartucho de Reis para tentar demonstrar que do “chifre pequeno” de Daniel capítulo 8 não é requerida nenhuma grandiosidade extraordinária ou sobre-humana tem que ver com uma comparação um tanto quanto equivocada entre duas expressões idênticas presentes nos versos 22 e 24. Para ele, esta comparação constitui “uma linha adicional de apoio à interpretação do ‘chifre pequeno’ como sendo um rei grego”.

Contudo, não é possível saber ao certo se esta comparação precipitada de Reis é fruto de uma má compreensão da sintaxe do texto hebraico em ambos os versos, ou se o entendimento equivocado da sintaxe do texto hebraico em ambos os versos é que é o resultado desta comparação indevida. Mas pelo fato de que a sintaxe do texto é o ponto

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de origem de tudo, então é mais prudente se pensar que ela tenha sido a originadora da má comparação de Reis.

O raciocínio ou interpretação de Reis pode ser sintetizado da seguinte maneira: tanto no verso 22 que trata do bode (Grécia) com chifre notável (Alexandre) e dos quatro chifres (reinos) que o sucederam quanto no verso 24 que fala especificamente do “chifre pequeno”, há a ocorrência da seguinte frase hebraica, welô bekohô. Esta frase literalmente quer dizer “mas não com a força dele”. Na interpretação de Reis, por se tratar exatamente da mesma frase, então ela deve conectae estes dois versos. Uma vez conectados, isto é, lidos conjuntamente, tem-se nestes versos a chave para entender que o “chifre pequeno” não foi maior do que o bode, o império grego. Assim interpretado, a pessoa de Antíoco poderia facilmente cumprir esse requisito profético, pensa ele.

Assim, Reis entende que a frase “mas não com a força dele” (welô

bekohô) do verso 24, que fala do “chifre pequeno”, que é a mesma do

verso 22, que fala dos quatro chifres, aponta para o chifre do bode. Ou seja, para Reis, “mas não com a força dele” no verso 24, quer dizer que o chifre pequeno, assim como os outros quatro chifres, não tinha a mesma força do bode. Logo, ele conclui, “assim como os quatro chifres, o ‘chifre pequeno’ não teve a mesma força do ‘grande chifre’ [do bode]”.

Todo este processo interpretativo ou de raciocínio leva Reis a concluir que a maioria das traduções não traduz corretamente a expressão

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Mas há um problema na tradução deste verso: a maioria das versões traduz a expressão welo bekohô no verso 24 como sendo uma referência à força do próprio “chifre pequeno”. No entanto, a frase “mas não com a sua força [welo bekohô]” em 8:24 é uma cópia exata de 8:22 onde se refere à força do “grande chifre”. Logicamente portanto, a mesma frase “mas não com a força dele” em Dan 8:24 deve se referir à força do “grande chifre” em comparação com a do “chifre pequeno”. O irônico desta tese de Reis é que embora ele diga que “a maioria das versões” não é feliz ao traduzir a mesma frase hebraica do verso 22 no verso 24, ele não apresenta nenhuma outra versão além destas inseridas no grupo da maioria que apoie o seu ponto de vista. Será que Reis foi o único a notar um erro de tradução que durantes décadas passou desapercebido, depois de comissões de tradutores e revisores dedicarem anos sobre o texto bíblico? Obviamente que não mesmo que seja possível, ainda hoje, traduções conterem imprecisões que precisam ser corrigidas como aliás os próprios intérpretes da posição tradicional alegam em torno da tradução do verso 9 de Daniel 8 que, se ressalta, já foi corrigido em algumas versões modernas.

A questão é que o argumento central de Reis é precário, pobre em consistência no que diz respeito ao idioma hebraico. Isto poderá ser notado em três outros argumentos por ele utilizados para ratificar sua alegação de que “logicamente, portanto, a mesma frase ‘mas não com a força dele’ em Dan 8:24 deve se referir à força do ‘grande chifre’ em

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comparação com a do “chifre pequeno’”. As três outras alegações de Reis que, segundo ele, fortalecem seu ponto de vista são:

(1) não há razão sintática e nem indicadores contextuais para se traduzir a mesma frase de forma diferente em tal proximidade (separadas por apenas dois versos); (2) faz mais sentido que a comparação com os reinos subseqüentes [sic] gire em torno do “grande chifre” grego e em se tratando de reis que saem do mesmo animal, o bode; (3) a frase “não por sua propria [sic] força” não faz sentido em uma passagem que descreve justamente os estragos feitos por este chifre. No que diz respeito à primeira dessas afirmações – “não há razão sintática e nem indicadores contextuais para se traduzir a mesma frase de forma diferente em tal proximidade (separadas por apenas dois versos)” – ela está extremamente equivocada em três pontos, pelo menos. O primeiro deles tem que ver com a sintaxe do texto. Na mente de Reis, pelo fato da mesma frase se repetir em dois versos próximos, isto automaticamente garante que ela significa exatamente a mesma coisa nestes mesmos dois versos.

Tal ponto de vista sugere que Reis não tem o conhecimento mais elementar no que diz respeito à sintaxe e à interpretação de texto. Enquanto o verso 22 consiste num verbo (amad, “tomar o lugar”) seguido da frase welô bekohô (“mas não com a força dele”), o verso 24 consiste num outro verbo (tsalach “prosperar”, “fortalecer”) seguido da frase kohô welô bekohô (“força dele, mas não com a força dele”). Disto já se percebe

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que a frase welô bekohô está numa sintaxe diferente nos dois versos e que a comparação de Reis é indevida ainda que welô bekohô se repita em ambos.

No verso 22, esta frase clara e inequivocamente se refere ao chifre notável do bode. O texto assim se encontra no original: “tomaram o lugar quatro em lugar dele quatro reinos de nações [que] surgirão, mas não com a força dele”. Ou seja, o texto está para longe de qualquer questionamento falando que os “quatro chifres” subsequentes ao chifre do “bode peludo” (v. 21) se levantaram em seu lugar, mas “não com a força dele” (welô bekohô). Noutros termos, eram reis que seriam mais fracos do que foi Alexandre o Grande, o qual se engrandeceu sobremaneira (v. 8). Nisto Reis está certo. Mas no verso 24, por outro lado, a construção gira em torno do próprio “chifre pequeno”.

O texto original é o seguinte: “e será poderoso [na] força dele, mas não com a força dele”. Aqui, a força do chifre não tem relação alguma com a força dos quatro outros chifres subsequentes a Alexandre. Este verso não faz comparação alguma com o verso 22. Este verso apenas diz que o chifre pequeno, o “rei feroz” (v. 23) será grande em uma força que não é a força dele mesmo. A força deste chifre é uma comparação consigo mesmo na pior das hipóteses. Isto explica por que as versões traduzem este texto como traduzem e por que Reis não apresentou nenhuma versão em qualquer idioma que endossasse sua tradução ou interpretação.

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Tudo isto também faz com que ele peque em dois outros pontos já que há indicadores contextuais diferentes: (1) o sujeito da oração – no verso 22 são quatro chifres; no verso 24, apenas um “rei feroz” (v. 23); (2) a proximidade entre os versos pouco importa se a sintaxe e o sujeito em que a mesma expressão welô bekohô ocorre forem diferentes como, de fato, é o caso.

Em essência, a alegação de Reis é pobre. A fim de ilustrar, imagine o seguinte texto – Os quatro amigos de João o ajudaram na construção de sua casa, mas não com a força dele. Assim descansaram para recuperarem o vigor (v. X1). Em seguida, encontram um quinto amigo pois ele tinha força, mas não coma própria força dele [ele usava ferramentas] (v. X2). – O que você acharia se alguém, como Reis, dissesse que a frase “mas não com a própria força dele” grifada nesse texto indicasse que esses dois versos hipotéticos (X1 e X2) permitem uma comparação da força de João com a força do quinto amigo que apareceu para trabalhar na obra? Só porque é a mesma expressão está sendo utilizada tão proximamente ela permitiria, textualmente, essa interpretação ou comparação? Pois então, no seu âmago, é isso que Reis defende só porque a expressão hebraica welô bekohô (“mas não com a força dele”) se repete nos versos 22 e 24. Ele simplesmente não notou que a mudança de sujeito entre os dois versos, algo que ele sabe ter acontecido, indica contextos diferentes até porque a sintaxe também é diferente.

Em relação à segunda das três afirmações de Reis – “faz mais sentido que a comparação com os reinos subseqüentes [sic] gire em torno do

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“grande chifre” grego e em se tratando de reis que saem do mesmo animal, o bode” – ela é altamente subjetiva. Por que Reis pensa que faz mais sentido? Talvez porque, para ele, em virtude de outros erros cometidos e aqui expostos, ele pressuponha que este “chifre pequeno” seja um quinto reino subsequente ao reino de Alexandre, fazendo com que se tratasse no final das contas de um sexto rei grego: o bode (Alexandre), os quatro chifres e o “chifre pequeno”, para ele, Antíoco.

O problema é que simplesmente este “chifre pequeno” é um reino distinto dos quatro reinos que se originaram após a morte do conquistador grego. Logo, o que realmente não faz sentido em toda essa discussão interpretativa é Reis achar que “faz mais sentido” aquilo que no texto não faz sentido algum, o “chifre pequeno” ser um sexto rei grego e menor do que o “bode peludo” (v. 21) apesar de ter crescido até os “céus’, ter atingido o “exército das estrelas” e ter feito tudo o que fez (cf. 9:25-27).

Por fim, a terceira afirmação de Reis – “a frase ‘não por sua propria [sic] força’ não faz sentido em uma passagem que descreve justamente os estragos feitos por este chifre” – é descabida e um tiro no próprio pé. É descabida porque não há nada de inconcebível na admissão de que o poder do “chifre pequeno” não era dele mesmo em relação ao estrago por ele feito da mesma forma que, por analogia, não é inconcebível que um rei vença uma batalha e faça estragos a outros povos não com sua própria força, mas com a força de seu exército. Aliás, esta frase – “mas não com sua própria força” – faz é até bastante sentido quando se entende que este

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“chifre pequeno” cresceu ao ponto de atingir até o “exército das estrelas” no céu o que, humanamente, seria impossível.

Simplesmente, como um reino com sua própria força conseguiria tal façanha? Logo, este crescimento vertical só poderia ser por uma força que não fosse sua própria, mas que viesse de outra fonte externa ao próprio reino. Além disso, se a frase “mas não com sua própria força” (welô bekohô) não faz sentido em virtude do estrago feito pelo “chifre pequeno”, por que ela então faria sentido para os estragos feitos por Antíoco Epifânio, uma vez que Reis já afirmara que: “à luz do ataque grotesco [dele] contra os judeus, seria mesmo razoável que Deus os tivesse deixado desinformados em relação a essas agressões, omitindo esses eventos das profecias de Daniel? É muito improvável”? Reis precisa decidir de qual lado está, se realmente crê em seu ponto de vista posto que sua argumentação, em muitas ocasiões, volta-se contra si mesmo.

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CAPÍTULO V

“O ‘tempo do fim’ em Daniel 8 refere-se ao fim

escatológico”

O último tópico do artigo de Reis tem que ver com algumas expressões bíblicas que denotam tempo. E quando se trata de tempo profético este é um dos pontos mais importantes na interpretação do texto bíblico-apocalíptico de Daniel capítulo 8. Sua importância tem que ver com o fato de que o tempo, profeticamente falando, não é relativo, mas absoluto. Todos neste planeta estão sob os efeitos do tempo. Além disso, ele é objetivo, todos tem um ponto de entrada e de saída no tempo. Isto quer dizer que o tempo é um fator determinante na identificação deste “chifre pequeno”. Em termos de profecia, o tempo de um simplesmente não é o tempo do outro. Assim, portanto, quando o tempo for desvendado tem-se a chave mestra para identificar de uma vez por todas quem afinal de contas é o “chifre pequeno” deste capítulo, se o império romano ou se Antíoco IV Epifânio.

Em todo o capítulo 8, há basicamente dois tipos de expressão relacionadas ao tempo. Apenas uma é identificada numericamente, dando a ela um destaque em relação às demais. Possui um teor mais objetivo já que ela é marcada, isto é, tem um início e um fim. As outras, por sua vez, fazem parte do segundo tipo, pois são designadas de modo menos objetivo, sem uma marcação numérica. Quanto ao primeiro tipo, as “2300

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tardes e manhãs” (v. 14), seja lá como ela for interpretada, designa um tempo com início e fim, seja ele 2300 dias literais, 2300 anos ou 1150 dias literais, algo em torno de 3 anos. Neste livro você já leu por que esta alternativa não é uma interpretação bíblica consistente. No que diz respeito ao segundo grupo, as seguintes expressões: “tempo do fim” (v. 17), “último tempo da ira” (v. 19) e “tempo determinado do fim” (v. 19), por não conterem nenhuma indicação numérica, demandam maior grau de divergência quanto à sua interpretação.

Para Reis, a expressão “tempo do fim” não é uma expressão que aponta para um tempo de natureza escatológica. Em sua opinião, este tempo está relacionado ao período em que Antíoco oprimiu os judeus, o conhecido período dos Macabeus, por volta do segundo século a.C. Assim, a fim de que seu ponto de vista seja compreendido e analisado, primeiro será analisada a expressão de natureza temporal numérica, as “2300 tardes e manhãs” (v. 14).

Em seguida, estará em análise o segundo grupo de expressões temporais, as que não são acompanhadas de números, para só em seguida a opinião de Reis ser julgada como procedente ou improcedente. Isto ajudará o leitor a visualizar a sua interpretação com mais propriedade e discernimento já que, antes de tomar ciência dela, ele já terá tido alguma informação quanto à questão do tempo no texto de Daniel 8, no qual Reis fundamenta seu ponto de vista. Este é um ponto crucial em toda esta discussão.

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