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O conceito de currículo

O termo currículo vem do latim currere, curriculum, que significa percurso, curso. Pode ser também compreendido enquanto “ordem como sequência” e “ordem como estrutura”.

O primeiro tratado atribuído ao currículo campo de conhecimento foi elaborado por Franklin Bobbit, The curriculum (em 1918) e, posteriormente, How to make the curriculum, em 1924 (SILVA, T. T. 2011). Os estudos da época definiam qual deveria ser a relação entre a estrutura do currículo e o controle social, em um período histórico marcado por um crescente processo de industrialização, divisão do trabalho e êxodo rural na formação dos grandes centros urbanos. Bobbitt e Taylor apresentavam como referencial de educação os modelos de “eficiência” importados do mundo empresarial: padronização, homogeneização, mecanização, treinamento, instrução (Ibidem). A escola, pública, obrigatória e gratuita, foi criada para atender a demanda da era

industrial, seguindo o mesmo modelo, com o intuito de formar mão de obra qualificada para esse mercado emergente de trabalho.

Ralph Tyler, em 1949, apresentou o paradigma curricular baseado na ideia de organização e desenvolvimento e dominou a compreensão de currículo em diversos países, inclusive EUA e Brasil. Segundo Tyler, o desenvolvimento curricular deve responder a quatro questões norteadoras: a) quais os objetivos que a escola quer atingir; b) quais experiências pedagógicas podem levá-la a atingir esses objetivos; c) como elas podem ser organizadas; e d) como saber se os objetivos estão sendo alcançados (SILVA, T. T. 2011, p. 24-25).

Percebe-se um foco ajustado ao desenvolvimento e aplicação e, desta forma, sugere a padronização do método. Para tanto, o currículo era centrado na aplicação de matérias e verificação de resultados, não se levava em conta as características pessoais dos alunos, os aspectos socioculturais e econômicos e também não havia crítica em relação ao conteúdo que era ensinado. Neste sentido, pode-se dizer que o modelo tradicional restringia-se à técnica de como fazer o currículo, contribuindo para se manter o status quo.

O movimento conhecido como Escola de Frankfurt (de Adorno, Marcuse, entre outros), em meados do século XX, começou a questionar a defesa desse currículo hegemônico em relação à reprodução da desigualdade social, buscando superar os limites do positivismo ao determinismo, baseados na teoria crítica. A Escola de Frankfurt faz uma crítica analítica a essa distribuição de capital cultural (valores, atitudes, normas sociais) que são impostos como legítimos pelas classes dominantes. A cultura é vista não apenas como uma expressão ideológica senão como uma reguladora de poder. Assim, a escolarização apenas como preparação da classe trabalhadora (e consumidora) para o trabalho industrial e técnico será questionada.

Teóricos como Michael Apple, Henry Giroux, Paulo Freire, entre outros, inspiram-se, sobretudo, em Marx para pontuar a construção de um currículo crítico ao sistema de reprodução hegemônica existente. A cultura dominante que até então imprimia o seu padrão ideológico, tornando-o internalizado na sociedade sem restrições, passa a ser revelada como doutrinadora,

colonizadora. O ponto central está em não permitir que as classes dominantes, a lei do consumo, decida a dinâmica social:

O currículo nunca é simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos, que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aulas do país. Sempre parte de uma tradição seletiva, da seleção feita por alguém, da visão que algum grupo tem do que seja o conhecimento legítimo. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e compromissos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo. (APPLE, 2000, p. 53)

Apple irá propor uma nova maneira de organizar o currículo, contrapondo-se ao modelo tradicional, que apenas estava focado em garantir que o conhecimento fosse aplicado aos alunos. Para tal estruturação, a pergunta que buscava responder não era “como?”, mas sim “por quê?”, ou, melhor ainda, “por quem?”, “trata-se de um conhecimento organizado por quem?”, “interessa a quem que seja dessa forma aprendido?”. (APPLE, 1982; 1989)

Em teorias mais recentes, o componente do multiculturalismo e, posteriormente, o interculturalismo, atribuíram um resgate ao conceito “humano” no processo de formação. Trata-se de considerar identidades, diferenças étnicas, raciais, culturais, como constituintes inerentes ao processo educativo. Neste sentido, surge um novo posicionamento e novos questionamentos: “como a construção da identidade e da diferença está vinculada a relações de poder? Como a identidade dominante tornou-se a referência invisível através da qual se constroem as outras identidades subordinadas?” (SILVA, T. T. 2011, p. 102).

Esses debates ganham espaço em um contexto histórico marcado pela emergência da democracia. Na teorização crítica de currículo, a cultura não é vista como um conjunto de conhecimentos acumulados que precisam ser transmitidos de acordo com os valores vigentes e critérios didáticos de transmissão de informação e verificação do que foi memorizado. Há uma concepção de cultura em seu sentido inacabado, contemporâneo ao seu tempo, histórico e social. Segundo Moreira e Silva,

a visão tradicional da relação entre cultura e educação/currículo não vê o campo cultural como um terreno contestado. Na concepção crítica, não existe uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo. Em vez disso, a cultura é vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta. Nessa visão, a cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos. (2001, p. 27)

Sendo assim, para que haja espaço a ser construído é preciso haver contextualização, é preciso considerar uma proposta educativa pensada na formação como instrumento capaz de favorecer os meios para a compreensão crítica e, por esta via, a emancipação. Um dos movimentos desta tendência é o de vincular o currículo à construção de cidadania por meio de projetos nos quais os alunos participam de atividades de intervenção social. Esta é uma das maneiras, senão a mais eficaz, para produzir conhecimento-emancipação. No entanto, como ressaltam Moreira e Silva, é preciso cuidar, pois não são quaisquer atividades que promovem a formação crítica. Estar disposto a criar situações educacionais a partir do contexto social real pode ser também um bom caminho para o desenvolvimento do conhecimento-regulação, podendo corroborar com a formação para a cidadania que fortalece o status quo (POPKEWITZ apud MOREIRA; SILVA, 2001, p. 34).