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A solidariedade e o saber compartilhado

Em meio à lógica da estrutura das cidades que temos atualmente, onde o interesse está em se criar grandes espaços de compras, de circulação de bens e mercadorias e a convivência é quase reduzida ao de vidas individuais reduzidas, por sua vez, a consumidores (CARVALHO, 2013), novos paradigmas que desejam quebrar essa lógica, como o de aprendizagem colaborativa, cidade educadora, cidade sustentável e cidadania planetária, têm encontrado respaldo no desenvolvimento do conhecimento de forma plural, contextualizada, onde a cidade é pensada como espaço educador.

Cidade educadora é um movimento iniciado em 1990, em Barcelona, e constitui-se em um conjunto de cidades que assumiu como objetivo comum trabalhar juntas em atividades para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes62. O projeto tem como princípio a escola como espaço comunitário;

trabalhar a cidade como grande espaço educador; promover o aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas, valorizar o aprendizado vivencial e priorizar a formação de valores. (SOROCABA, 2013)

Na concepção de cidade sustentável, o desafio é o de se criar um ambiente em que a vida seja viável para todos e para sempre, segundo Tião Rocha, fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, pioneiro no movimento das Cidades Sustentáveis.

61 No entanto, como ressalva Padilha, para que haja a ampliação dos espaços pedagógicos que viabilizem projetos de educação integral, e para que ela, de fato, passe a ter condições de desenvolvimento e execução, é preciso continuar avançando em políticas públicas. Vale ponderar que o Estado não pode delegar à sociedade as responsabilidades que lhe são atribuídas. (PADILHA, 2012, p. 105-106)

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A Rede Brasileira conta com a participação de quatorze cidades, sendo elas: Belo Horizonte, Campo Novo do Parecis, Caxias do Sul, Dourados, Jequié, Montes Claros, Porto Alegre, Santiago, Santo André, Santos, São Bernardo do Campo, São Carlos, São Paulo e Sorocaba (coordenadora).

Em ambos os movimentos, a proposta é essencialmente política e só pode ser realizada a partir da construção de uma cultura integrada que favorece a formação da cidadania planetária, na visão do planeta como uma sociedade mundial (GADOTTI, 2000, p. 135), onde adotar atitudes, valores e comportamentos estão em sinergia com um projeto comum de cuidado com a Terra. Seu principal objetivo é “a superação das desigualdades, eliminação das sangrentas diferenças econômicas e a integração intercultural da humanidade, enfim, uma cultura de justipaz (a paz como fruto da justiça)” (GADOTTI apud PADILHA et al., 2011, p. 20). Neste sentido, a cidadania planetária só poderá ser vivenciada, de fato, em experiências de educação que transcenda a sala de aula, daí a necessidade de se considerar uma experiência educativa comprometida com a formação cognitiva (ler, escrever, contar) mas que vá além, que promova o desenvolvimento social e político. Trata-se de um projeto de aprender a valorizar as diferenças, utilizando a própria cidade, numa proposta de “educação na cidade”, como afirma Paulo Freire (GADOTTI, 2009, p. 45-46). Trata-se, também, de se considerar a relevância da solidariedade como prática curricular educativa como meio para o desenvolvimento da educação como precondição de desenvolvimento e justiça social.

Essa configuração permite pensar toda a cidade enquanto um ambiente colaborativo de aprendizagem, um espaço educativo a partir da escola, trazendo possibilidades ao currículo de se criar experiências que integrem as escolas aos espaços compartilhados com pessoas diferentes, interesses diversos, em um ambiente rico para se aprender a viver junto, a olhar o outro e re-conhecer as suas principais características e necessidades, suas forças e fraquezas e o que pode ser feito para melhorar a vida da comunidade. Assim, cidade e escola tornam-se um novo território para a construção da cidadania (GADOTTI, 2009). Este é o cerne da educação enquanto prática solidária, pois ela acontece em todos os espaços dialógicos que permitam a construção de conhecimento. Sua forma de expressão, de transformar e ser transformado e a relação dialógica compõem a compreensão do aprender a viver junto, vivendo junto, cuidando-se.

A Carta da Terra apresenta a proposta de ser um compromisso internacional para a construção da cultura de paz e dignidade humana,

adotando a educação e a prática solidária (alteridade, ética e consciência política) como meio e objetivo para ser atingido em nível global.

[...] devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. [...] O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com [...] humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza (Responsabilidade Universal da Carta da Terra). (CARTA DA TERRA, 2013)

A ideia de vida em comunidade, no documento, vem com a responsabilidade de promover o bem comum, visando um modo de vida sustentável, que só será conseguido por meio da consciência política, da ética e da alteridade (solidariedade), na construção de um estado democrático.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada em 10 de dezembro de 1948. Trata-se de um acordo internacional de humanidade pós Segunda Guerra Mundial, que apresenta, logo em seu artigo primeiro, a ideia de que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). Mais adiante, no artigo XXVI, a Declaração aborda diretamente o tema da educação:

a instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (Ibidem)

O texto pontua que a formação precisa ser orientada no sentido de garantir o pleno desenvolvimento do homem e seu preparo para a convivência produtiva e pacífica. Significa dizer que as referências educacionais, que

podem ou não influir nas práticas curriculares, nem sempre estão circunscritas no universo escolar.

Tais documentos anunciam os desafios para a educação na atualidade, voltando-se não somente à aquisição de saberes acumulados ou aqueles medidos pelos exames externos e preparar para a vida democrática, como também lidando com relações, culturas, consumo, poder. Numa sociedade planetária, há cada vez mais a necessidade de se aprender a viver junto.

Tentando compreender o real – o homem e o mundo – é preciso aprender as interdependências que criam a necessidade de solidariedades. Estas solidariedades não pertencem ao mundo das boas intenções, mas resultam das dificuldades do nosso tempo. Situam-se em níveis diferentes em comunidades de tamanhos diversos. [...]

A coesão social e a solidariedade aparecem na filosofia educativa dos finais do século XX como aspirações e finalidades indissoluvelmente ligadas, em harmonia com a dignidade humana. O respeito pelos direitos do indivíduo anda a par com o sentido de responsabilidade e estimula homens e mulheres a aprenderem a viver juntos. (GEREMEK, 2001, p. 228, grifos nossos)

O conhecimento não pode ser isolado dos interesses e valores humanos que dizem respeito à construção de um mundo melhor. Neste sentido, o embasamento teórico e pragmático da solidariedade, enquanto conhecimento, sugere uma abordagem pedagógica que incite e esteja apoiada no desenvolvimento da capacidade de pensarem criticamente, por meio de vivências propiciadas intencionalmente pela escola.