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Parte I – Fundamentação Teórica

Capítulo 3: Comportamentos de Cidadania Organizacional

3.1. Conceito de Comportamentos de Cidadania Organizacional

maiores incongruências nas organizações estabelece-se pela coexistência de duas necessidades antagónicas: (i) estabelecer mecanismos que assegurem que as pessoas executem os papéis que lhe foram atribuídos (“desempenho de papel”); (ii) encorajar ações espontâneas e inovadoras, por parte dos colaboradores, que ultrapassem os requisitos da sua função (Cunha et al., 2007). Ou seja, as organizações precisam, por um lado, de

colaboradores que desempenhem as funções que lhes foram atribuídas, isto é, os seus atos obrigatórios ou comportamentos próprios do papel, e que evitem, para isso, áreas interditas. Por outro lado, precisam de colaboradores que se demonstrem como espontâneos e que levem a cabo ações que não estão definidas pela sua função, mas que se demonstram como

essenciais para o bom funcionamento da Organização. É precisamente sobre esta segunda categoria de comportamentos a que se dá a designação de atos discricionários, ou

comportamentos “extra-papel”. De acordo com Van Dyne, Cummings e Parks (1995), os comportamentos extra-papel são definidos como sendo “os comportamentos que beneficiam a Organização e/ou têm a intenção de beneficiar a Organização, são discricionários e vão além das expectativas do papel” (p.218). Segundo os mesmos autores, esta definição comporta quatro implicações, a saber: (i) a definição requer que o comportamento seja voluntário, isto é, não é um comportamento prescrito pelo papel nem é parte das tarefas formais da função. O comportamento não é formalmente recompensado e a incapacidade de se envolver no

comportamento não pode ser formalmente penalizada; (ii) as ações do colaborador devem ser intencionais, isto é, deve tomar uma decisão ativa para se envolver nesse comportamento;

(iii) o comportamento deve ser positivo, ou seja, ou o comportamento é intencionalmente positivo pelo ator ou é entendido como sendo positivo por um observador; (iv) o

comportamento deve ser principalmente desinteressado da perspetiva do colaborador (ator), sendo que o colaborador deve envolver-se no comportamento primariamente para beneficiar alguém ou algo além deste.

A distinção entre comportamentos próprios do papel e os comportamentos extra-papel comporta, assim, algumas dificuldades, já que o mesmo comportamento pode ser considerado como próprio do papel ou extra-papel, consoante o contexto. Assim, e de acordo com Cunha e colegas (2007), tendo por base outras investigações levadas a cabo por autores como Organ, em 1988, e Van Dyne e colegas, em 1995, Schnake e Dumler, em 1997, Pond e colegas, em 1997 e Lam e colegas, em 1999, reuniu um conjunto de cinco razões que explicam a

dificuldade em se fazer esta distinção, a saber: (i) dois observadores podem ter diferentes expectativas acerca do comportamento de um determinado colaborador. Por exemplo, um colaborador trabalha para além da hora num determinado projeto crítico. Enquanto que o seu superior hierárquico considera este comportamento como extra-papel, o responsável pelo departamento já pode esperar que, em determinados projetos críticos, todos os colaboradores devam trabalhar para além da hora; (ii) um observador pode ver o mesmo comportamento em dois colaboradores diferentes, mas designar apenas um como sendo extra-papel, designando o comportamento do outro indivíduo como intrínseco à sua função. A título de exemplo, dois analistas financeiros (um sénior e um júnior) preparam relatórios especiais sobre

determinados custos do departamento. O gestor desse departamento assume o comportamento de um colaborador como extra-papel e o outro como próprio do papel, devido à existência de diferentes padrões e expectativas para diferentes colaboradores, com base nas suas

capacidades, motivações, entre outros; (iii) o mesmo observador pode ter diferentes expectativas em momentos temporais diferentes. Por exemplo, a doença de um indivíduo pode induzir a uma diminuição das expectativas do papel que lhe está atribuído; (iv) um comportamento de um colaborador pode ser considerado como próprio do papel ou como sendo extra-papel consoante a sua intensidade, os efeitos positivos na Organização e o facto de poder fazer parte, ou não, das expectativas da própria função. Por exemplo, chegar mais cedo e sair mais tarde só pode ser considerado como comportamento extra-papel se o colaborador for produtivo nessas horas; (v) a cultura nacional consegue influenciar as

conceções sobre quais as tarefas que se exigem aos colaboradores. O Japão é caraterizado por ter uma cultura de elevada distância ao poder, sendo que os indivíduos incluem mais

Katz (1964) enfatiza a necessidade da existência dos comportamentos extra-papel, referindo que “uma Organização que dependa unicamente dos comportamentos prescritos é um sistema social muito frágil” (p.132). Foram desenvolvidas várias linhas de investigação sobre a temática, emergindo diversos construtos a que se apelidam de “extra-papel”, nomeadamente os comportamentos pró-sociais, o whistleblowing (denúncia), a dissenção baseada em princípios e a espontaneidade organizacional, explanados na tabela 14. Esta tese debruça-se, sobretudo, sobre um tipo específico de comportamentos extra-papel,

nomeadamente, sobre os Comportamentos de Cidadania Organizacional (CCO).

Tabela 14. Tipos de comportamentos extra-papel. (Fonte: Cunha et al., 2007)

Construtos Definição

Comportamentos de cidadania organizacional (CCO)

Comportamentos discricionários, não direta ou

explicitamente reconhecidos pelo sistema de recompensas formal, não exigidos formalmente pelo papel ou descrição do cargo e, que, no seu conjunto, promovem o funcionamento eficaz da Organização.

Comportamentos pró- sociais

Comportamentos demonstrados por um membro de uma Organização, dirigidos a um indivíduo/grupo/Organização, com o qual interage enquanto desempenha o seu papel organizacional, com a intenção de promover o bem-estar desse indivíduo/grupo/Organização.

Whistleblowing

(denúncia)

Denúncia pelos indivíduos de práticas ilegais, imorais ou ilegítimas sob controlo dos seus empregadores, junto de partes potencialmente capazes de tomar ações suscetíveis de prevenirem, evitarem ou penalizarem tais práticas.

Dissenção baseada em princípios

Protesto e/ou esforço para mudar o status quo organizacional devido a uma objeção de consciência relacionada com uma prática ou política da Organização.

Espontaneidade organizacional

Comportamentos extra-papel que são executados voluntariamente e que contribuem para a eficácia organizacional.

O conceito de comportamentos de cidadania organizacional (CCO) foi inicialmente proposto por Organ (1988), definindo-os como: “os comportamentos discricionários, não direta ou explicitamente reconhecidos pelo sistema de recompensa formal, e que, no

agregado, promovem o funcionamento eficaz da Organização” (p.4). Esta definição de Organ pressupunha três pontos-chave: (i) discricionariedade, (ii) não-recompensa e (iii) eficácia. Ao antecipar algumas críticas, Organ (1988) descreveu o que pretendia com o caráter discricionário:

por discricionário, queremos dizer que o comportamento não é um requisito

obrigatório do papel ou da descrição de funções, nem se integra claramente nos

termos do contrato de trabalho do colaborador com a Organização. O comportamento é mais uma questão de escolha pessoal, de modo que a sua omissão geralmente não é considerada como punível. (p.4)

O caráter discricionário defendido por Organ (1988) mereceu críticas por parte de

investigadores (Morrison, 1994), na medida em que muitos comportamentos que costumam ser incluídos nas medidas de CCO são, de facto, considerados como parte integrante da função desempenhada pelo colaborador, pelo que se tornava difícil a distinção entre quais os papéis que eram parte, ou não, integrante da função. Quanto ao caráter da não-recompensa, Organ (1988) descreveu-o como:

A nossa definição de CCO requer que o comportamento não seja, diretamente ou formalmente, recompensado pelo sistema de recompensa da Organização (…). Ao longo do tempo, um fluxo regular de CCO de diferentes tipos (…) pode influenciar a impressão suscitada no supervisor ou colegas. Esta impressão, por seu turno, pode influenciar a recomendação do chefe para uma promoção ou incremento salarial. O que importa, pois, (…) é que este retorno não seja contratualmente garantido. (p.5) Também o caráter da não-recompensa defendido por Organ (1988) mereceu críticas por parte de investigadores (Orr, Sackett, & Mercer, 1989). Estes autores concluíram que a maior parte dos investigadores, quando fazem a avaliação do valor económico de cada trabalhador, dão grande importância aos comportamentos não formalmente prescritos. Ora, se as recompensas decorrem da avaliação do desempenho, e se na avaliação de desempenho os CCO são tidos em conta (MacKenzie, Podsakoff, & Fetter, 1991), então, muitos destes comportamentos podem ser tão ou mais determinantes na posterior atribuição de recompensas formais do que os comportamentos formalmente descritos nessa função.

Desta forma, Organ opta por se afastar dos conceitos de discricionariedade e não- recompensa, mantendo apenas o conceito de eficácia, aliado ao desempenho contextual

(Borman & Motowidlo, 1993, referidos por Cunha et al., 2007). Importa, assim, que se façam as distinções entre desempenho da tarefa e desempenho contextual (ou CCO).

De acordo com Borman e Motowidlo (1997), o desempenho da tarefa pode ser definido como sendo “a eficácia com que os incumbentes dos cargos desempenham

atividades que contribuem para o núcleo técnico da Organização, seja diretamente, através da implementação de uma parte de seu processo tecnológico, ou indiretamente, fornecendo materiais ou serviços necessários” (p.99). Cunha e colegas (2007) sugerem que se se pensar num operário fabril, esta categoria de desempenho pode incluir atos como a operação das máquinas, separação de produtos defeituosos, manipulação de matérias primas, entre outros. Porém, Cunha e colegas (2007) afirmam que os indivíduos também contribuem para a eficácia da Organização ao executarem ações que não estejam diretamente relacionadas com as suas principais funções, mas que se revelam como cruciais, já que “modelam o contexto organizacional, social e psicológico que serve como catalisador crítico para as atividades e processos de tarefa” (p.308). É a esta noção que se dá o nome de desempenho contextual. Esta categoria inclui comportamentos como atos de ajuda a colegas, defesa da reputação da Organização, cortesia nos relacionamentos, perseverança e conscienciosidade e assunção de responsabilidades extra. Estes atos assemelham-se à dimensão tradicional dos CCO, sendo esta uma dimensão penta-partida (Cunha et al., 2007), e que será abordada detalhadamente mais à frente. Organ (1997) refere que a sua objeção ao desempenho contextual não é a sua definição, mas sim o seu nome, ao qual apelida de “frio, cinza e sem sangue” (p.91). Apesar de redefinir o construto de CCO à luz do desempenho contextual, o autor defende o uso da terminologia de CCO, para que assim todos possam intuitivamente compreender do que se trata.

Neste sentido, é necessário perceber como se podem distinguir os CCO (doravante concebidos como desempenho contextual) e o desempenho na tarefa. Para isso, Organ (1997) enumera três pontos-chave nesta distinção: (i) o CCO tem menos probabilidade de ser

considerado prescrito ou formalmente descrito na análise de funções; (ii) o CCO é visto pelo executante como menos suscetível de levar a recompensas proporcionadas pelo sistema formal; (iii) nos CCO não se incluem os comportamentos desafiantes, preservando-se a clareza do construto e distinguindo-o de outros, como a dissenção baseada em princípios e o

whistleblowing. Embora Organ (1997) refira que essa asserção não seja contraditória com a

ideia de que alguns comportamentos desafiantes possam contribuir para a sobrevivência de uma Organização e eficácia a longo prazo, correm sérios riscos a curto prazo para o contexto social e psicológico que apoia o desempenho da tarefa.

Organ (1997) passa então a definir CCO como “atividades que apoiam o ambiente social e psicológico em que o desempenho das tarefas tem lugar” (p. 95).

Assim, embora ainda não seja clara a forma como devem ser definidos os CCO, há quatro caraterísticas comuns entre CCO e desempenho contextual (Neves & Paixão, 2014): (i) focam-se em algo que não nas funções rotineiras do posto de trabalho, ou nas medidas convencionais do desempenho do indivíduo; (ii) contribuem direta ou indiretamente para a eficácia organizacional; (iii) a discricionariedade, isto é, o indivíduo escolhe, ou não, se demonstra estes comportamentos e (iv) existência de variabilidade, ou seja, algumas pessoas ou grupos contribuem mais do que outros, e que, portanto, existe em maior ou menor

quantidade em diferentes organizações.