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A concepção das professoras, coordenadoras, diretoras e funcionárias em relação aos direitos humanos e democracia

COORDENADORAS, DIRETORAS E FUNCIONÁRIAS

5.1 A concepção das professoras, coordenadoras, diretoras e funcionárias em relação aos direitos humanos e democracia

Neste texto, conforme afirmado em outro momento, os direitos humanos fundamentam-se na dignidade humana e, principalmente, nos meios necessários à sua conquista efetiva na prática social. Concorda-se com Flores (2009, p. 19), acerca do conceito dos direitos humanos como “[...] processos institucionais e sociais que possibilitam a abertura e a consolidação de espaços de luta pela dignidade humana.” A partir deste enfoque os dados empíricos serão examinados.

De modo geral, professoras, coordenadoras, diretoras e funcionárias85 já ouviram falar

da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, poucas afirmaram terem lido a Declaração. Grosso modo, em relação aos direitos humanos, apresentaram consciência sobre o tema, embora o nível de conceituação tenha sido pequeno. Foram mencionados temas ligados aos direitos humanos como a questão étnico/racial, direito das pessoas com deficiência e os direitos sociais básicos, como saúde, alimentação e educação que, segundo elas, não fazem parte do cotidiano das pessoas. Para algumas entrevistadas, a ausência de garantia de direitos, sobretudo o direito ao trabalho remunerado, pode levar as pessoas à marginalidade. Eis alguns exemplares de fala:

85As duas funcionárias da escola 1 disseram que, embora tivessem ouvido falar da Declaração, não se

lembravam do que se tratava. Uma professora (JÚLIA E1, 2007) afirmou nunca ter ouvido falar deste documento.

No geral, tem um que está no auge agora: o racismo e a inclusão. Esse é agora o auge dos direito humanos, não é? (COORDENADORA E1, 2007). Os direitos e os deveres. Direito à educação, saúde, lazer e cultura. (DIRETORA E1, 2007).

São para todos, né? O direito? (JOANA E1, 2007, funcionária).

Que todo mundo tem que ter direito à educação, moradia, alimentação, para poder exercer os seus direitos, tudo. Eu acho que vem tudo, não é? (NATÁLIA E2, 2009).

Eu acho que direitos humanos é a pessoa ter direito à educação, a saúde, à habitação, à segurança e que as pessoas têm direito de ter oportunidades [...] Então, enquanto o cidadão não for visto e tratado com seriedade e com respeito com seus direitos reais, o nosso país não vai ser um país de oportunidades, que respeite o ser humano. Pra mim, respeitar o ser humano é supri-lo de todas essas necessidades, para que ele não veja na marginalidade um caminho pra vida dele. (COORDENADORA E2, 2009).

Eu penso assim: os direitos humanos, como todo mundo tendo praticamente os mesmos direitos e os mesmos deveres, conseguir viver numa sociedade harmônica em que esses direitos e esses deveres são respeitados por todos, independente de credo, religião, cor, raça e necessidades especiais. Aqui é uma escola inclusiva, nós trabalhamos. Nem por isso qualquer criança dessa [com necessidades educacionais especiais] deixa de participar de qualquer coisa. Nós procuramos envolvê-las dentro das limitações de cada uma, mas todas são envolvidas e esse trabalho começa desde os pequenininhos, então, todas as crianças. Ninguém aqui discrimina ninguém, mesmo as crianças incluídas aqui são totalmente incluídas mesmo. (DIRETORA E2, 2009).

Em relação à fala da diretora (E2, 2009), é possível questionar se de fato não há discriminação na escola em relação aos alunos e alunas com necessidades educacionais especiais. Conforme visto em outro momento, nesta escola houve professoras que percebiam essas crianças como alunos-problema. Isso não caracterizaria um preconceito dessas professoras, que pode se refletir, ainda que inconscientemente, nas práticas escolares em relação a essas crianças?

Na escola 2, as professoras, coordenadora e diretora afirmaram não terem tido contato com a temática dos direitos humanos durante a formação inicial; apenas a professora Liliane (E2, 2009) citou a disciplina de Ensino de Moral e Cívica, que remete ao período da ditadura militar. De acordo com a professora, a disciplina era muito boa, mas infelizmente havia acabado. Acrescentou que, na sua época de colégio, havia respeito à Pátria, o que, segundo ela, não ocorre nos dias atuais, pois os alunos e alunas durante a execução do Hino Nacional brasileiro querem ficar fazendo bagunça e por isso é preciso ficar chamando-lhes a atenção e corrigindo-lhes a posição. Comentou que, naquela época, as freiras distribuíam santinhos para

os alunos e alunas e existiam aulas de religião, inclusive com provas. Enfatizou que nos dias atuais não se pode mais falar de religião na escola. Argumentou que as coisas estão hoje pelas avessas, porque se acabou com tudo isso. “Mas eu tenho o Jesus, o crucifixo na parede para Ele poder me ajudar” — finalizou a professora.

Na escola 1, duas professoras tiveram a oportunidade de contato com a temática dos direitos humanos durante o período de faculdade. Uma delas, com o projeto de extensão com o Núcleo de Ensino da Faculdade onde cursou pedagogia. Talvez a ausência da temática dos direitos humanos na formação inicial das professoras, coordenadoras e diretoras se justifique pelo ano de formação das mesmas, visto que, naquela época, o tema dos direitos humanos na formação docente não era tão debatido quanto nos dias atuais. Contudo, as professoras, coordenadoras, diretoras (e funcionárias) afirmaram não terem tido oportunidades de refletir e debater sobre a questão dos direitos humanos durante o exercício da atividade docente, por meio de um curso específico que pudesse lhes dar suporte a respeito das implicações pedagógicas decorrentes do possível trabalho na perspectiva dos direitos humanos.

Estes dados remetem para a formação inicial e continuada de professores e professoras. A discussão sobre os direitos humanos nos cursos de licenciaturas ainda é muito incipiente, restringindo-se mais às faculdades de Direito. Para Candau (2008a, p. 83),

O que foi possível constatar é que ainda é tímida a introdução da temática dos direitos humanos na formação de professores[as] e educadores[as] em geral, tanto no diz respeito à formação inicial quanto à formação de educadores e as organizações que trabalham sistematicamente nessa perspectiva.

O PNEDH (2006, p. 33-34) prevê, dentre as 27 ações programáticas para a educação básica, a inserção da educação em direitos humanos nas diretrizes curriculares; a integração dos objetivos da educação em direitos humanos aos conteúdos, recursos, metodologias e formas de avaliação; a estimulação de reflexões sobre os direitos humanos junto aos professores, professoras e demais profissionais que atuam na educação escolar, e o fomento de abordagens, no currículo escolar, de temáticas relacionadas aos direitos humanos como

[...] gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiências, entre outros, bem como todas as formas de discriminação e violações de direitos, assegurando a formação continuada dos(as) trabalhadores(as) da educação para lidar criticamente com esses temas.

Entretanto, como será possível a concretização dessas ações, se não forem garantidas oportunidades na formação inicial e continuada aos professores e professoras e demais profissionais da educação de conhecerem o tema, debaterem e refletirem sobre ele para que possam conscientemente se posicionar politicamente? Ressalte-se porém, que embora lhes seja garantida essa oportunidade de sensibilização em relação aos direitos humanos, não significa necessariamente que eles/elas irão se comprometer com esta perspectiva de educação. Contudo, poderão escolher e se responsabilizar por suas opções.

De acordo com o PNEDH (2007, p. 39), na educação superior

As atividades acadêmicas devem se voltar para a formação de uma cultura baseada na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, como tema transversal e transdisciplinar, de modo a inspirar a elaboração de programas específicos e metodologias adequadas nos cursos de graduação e pós-graduação, entre outros.

Há uma produção de vários artigos na literatura sobre a formação de professores e professoras na perspectiva da educação em direitos humanos86 e da inclusão desse tema na

educação escolar. Contudo, parece ser necessária uma pesquisa pontual sobre essa questão, dos princípios, fundamentos, horizontes e metodologia da educação em direitos humanos, tanto na formação inicial, quanto na continuada, dos(as) profissionais da educação.

Com relação a isso, é interessante notar que há poucas produções que procuram problematizar a educação em direitos humanos com as diferentes concepções pedagógicas, com a construção de estratégias didático-metodológicas que possam dar materialidade a essa perspectiva de educação, nos diversos níveis e modalidades de ensino. Contudo, não será feita uma abordagem desta questão, por fugir ao escopo deste texto, mas a observação se justifica, porque há pelo menos dois aspectos relevantes a ser destacados quando se anuncia uma proposta de educação em direitos humanos.

O primeiro aspecto refere-se à própria concepção de direitos humanos veiculada pelas políticas públicas, pelos meios de comunicação, pelas universidades e pelas práticas dos movimentos sociais, visto que muitos pontos se distanciam e são divergentes. Os direitos humanos servem tanto ao discurso hegemônico liberal, que visa à manutenção do status quo, quanto ao discurso dos movimentos sociais que se opõem à sociedade de classes. Segundo, parece haver um consenso na literatura de que a educação em direitos humanos se situa no

86

A esse respeito, consultar: ZENAIDE, M. N. T. et. al. Educação em direitos humanos: fundamentos teórico- metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.; FERREIRA, L. F. G.; ZENAIDE, M. N. T.; DIAS, A. A. (Org.). Direitos humanos na educação superior: subsídios para a educação em direitos humanos na Pedagogia. João Pessoa: UFPB, 2010.

âmbito das pedagogias críticas. Neste sentido, as “[...] contribuições de Paulo Freire são reconhecidas como particularmente importantes na construção da pedagogia crítica em educação [...]” (CANDAU; SACAVINO, 2010, p. 126).

No entanto, vale ressaltar a existência de várias correntes que podem ser nomeadas como pedagogias críticas (depende do ponto de vista adotado), como a pedagogia libertária, a crítico-reprodutivista e a histórico-crítica87. Paulo Freire é citado por vários autores e autoras

ou são feitas referências aos termos por ele utilizados, como concepção dialógica, temas

geradores, concepção bancária de educação, entre outros. Evidentemente as contribuições de

Paulo Freire foram/são muito relevantes, mas sabe-se que há várias linhas teóricas, com várias diferenças e divergências entre elas e, do ponto de vista que neste texto tem se procurado delimitar sobre a educação em direitos humanos, poder-se-ia cair no risco de possíveis contradições entre a concepção adotada e a fundamentação teórica utilizada, caso concorde-se com o referencial de Paulo Freire. Este autor tem filiação com o existencialismo cristão. “O referencial de Paulo Freire foi construído a partir de derivações da abordagem sociocultural e, dessa forma, ele construiu também um método personalista e culturalista [...] passando a centralizar no indivíduo o peso do caráter educacional.” (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 235).

A autora, do presente texto, tem procurado defender e delimitar aproximações à educação em direitos humanos numa perspectiva crítica, partindo do princípio de que se vive em uma sociedade de classes antagônicas, na qual uma detém o poder econômico e a propriedade dos meios de produção, e a outra vende sua força de trabalho para conseguir sobreviver. Por isso, a educação deveria visar, em última instância, contribuir com a superação do modo de produção capitalista e da sociedade de classes, privilegiando o trabalho como meio de emancipação humana. Nisto reside não somente a importância da teoria e discursos, como também da prática social. A educação escolar pode contribuir com as lutas sociais mais amplas, na medida em que deixar de ser um instrumento de reprodução das desigualdades inerentes ao sistema de classes, e passar a disseminar uma ideologia contra- hegemônica. Assim, este ponto de vista adotado parece que não coaduna com a concepção dialógica e humanista de educação. Talvez se aproxime mais de teorias que tenham como referência a luta de classes. Por isso, neste sentido, seria necessário um estudo pontual que analisasse e explicitasse a matriz pedagógica que mais se aproxima da educação em direitos humanos, nos termos aqui defendidos.

Quando falamos de educação vinculada às lutas de classes, queremos trazer presente a sociedade dividida em classes e a necessidade de pensá-la considerando essa realidade, ou seja, concretamente, longe de abstrações, personificações e ilusões. Ainda que para muitos seja difícil admitir, ao ser docente, o[a] professor[a] não deixou de fazer parte da classe trabalhadora.

Ele[a] assim como os demais trabalhadores fazem parte da mesma classe, a classe dos proletários que, necessariamente, precisa se reconhecer enquanto tal se quiser superar sua própria condição. [...] cremos que a educação pode dar uma importante contribuição, tanto para desvelar ideologias, quanto para desmistificar as falsas expectativas atribuídas a ela, quanto para conhecer cientificamente a realidade, ir à luz das questões e subverter a ordem vigente. (MATTOS, 2008, p. 9).

Feitas essas ponderações, reporte-se novamente aos direitos. Com o intuito de aprofundar a questão, foi perguntado às entrevistadas sobre os direitos expressos na última Constituição brasileira, de 1988, a fim de verificar quais os principais direitos que conheciam.

Diante dessa questão, foram poucas as respostas com maior elaboração. Na escola 1, somente a diretora e três professoras afirmaram conhecer a Constituição. Dessas, apenas uma afirmou o ano de promulgação, 1988. Na escola 2, de maneira geral, a Constituição é mais ou menos conhecida, sendo que a diretora, a coordenadora e duas professoras citaram o ano de promulgação da mesma.

No conjunto dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais ficou perceptível que as professoras, diretora substituta e coordenadora pedagógica não dispõem de uma definição básica sobre esses grupos de direitos. A maioria delas, em diversos momentos, afirmou não conhecê-los ou deu respostas sem clareza. Os únicos direitos dos quais as professoras demonstraram ter algum conhecimento, durante as entrevistas, foram os que correspondem a um dos âmbitos dos direitos políticos, aquele que é mais vivenciado nos períodos eleitorais, o momento do voto.

A seguir, há alguns exemplares de falas. Em relação aos direitos civis:

Direito civil? Bom, estão no Código Civil!? Espere, deixa eu pensar um pouquinho [...] deixa eu ir por eliminatória, tem o Código Penal [...] tem o Código Penal [...] então a questão [...] ah, eu não sei Heyde. Eu sei que [...] eu pensei na questão do direito, eu como compradora de alguma mercadoria, acho que entra no Código Civil, não tenho certeza é [...] não sei Heyde [sorrisos] Não sei responder agora. (JOSEANE E1, 2007).

Agora você me apertou sem me abraçar, mas tudo bem, a gente pula essa parte também. (BÁRBARA E1, 2007, funcionária).

[não respondeu] (ÉRICA E2, 2009).

Ah, pessoa humana. (DIRETORA E2, 2009).

Sobre os direitos sociais

Direito de você poder viver na sociedade junto com todos, né? Ser incluso, incluído na sociedade. (JÚLIA E1, 2007).

Tudo aquilo que ele deveria ter em relação à [...] a sociedade em que ele vive. (MARIANA E1, 2007).

Igualdade social. (JULIANA E2, 2009, funcionária).

Direitos sociais eu acho que é o direito da pessoa participar dos eventos da sociedade. (ÉRICA E2, 2009).

A respeito dos direitos econômicos

Olha, deve estar relacionado à grana, ao dinheiro, aquilo que você pode comprar, aquilo que você tem que pagar. (ESTER E1, 2007).

Nossa. Tenho que pensar. Qualidade de... vixi. (JÚLIA E1, 2007).

Faz que nem a dona de casa, tem que procurar assim a economia em tudo, em supermercado pra tudo que se compra, é isso? (JOANA E1, 2007, funcionária).

Ai, vou falar frases. Precisaria ter também muito mais direitos econômicos porque nós não temos nada. Está horrível. (COORDENADORA E2, 2009). [Gesticulou para não responder] (LUANA E2, 2009, funcionária).

Já em relação aos direitos culturais

[Risada]. (DIRETORA E1, 2007).

Eu acho que é o do acesso à cultura, né? Cinema, teatro, livro. (COORDENADORA E1, 2007).

Direitos culturais eu acho que a questão de respeito de raça, respeito a [...] nossa! Só lembro raça. Eu acho que condições sociais não é, isso nós temos que lutar por condições sociais melhores e não aceitar e respeitar que não tem, né? Nossa! Só lembro de raça. Sobre os diferentes tipos de raça, modo de vida de acordo com a cultura. Eu possa pegar uma pessoa que veio da África, direito de religião, né? Optar por ter, não ter uma religião. (JOSEANE E1, 2007).

Ah, acesso a cultura. Todo mundo tem direitos de acesso à cultura também. Um país que você quer que mude, tanto é que esse trabalho de incentivo à leitura é isso, de promover o gosto pela leitura, pra ver se essa meninada aprende a ler, aprender a questionar, e é por aí. (JULIANA E2, 2009, funcionária).

Acho que direito cultural é um direito que todo mundo tem que eu acho que seria de ler mais, assistir mais peças de teatro. Hoje em dia você vai ver que pouquíssimas pessoas vão ao teatro assistir a uma peça. Às vezes a pessoa acha que não é importante e é sim, é legal você ir lá, tudo bem que nós vemos que principalmente nas cidades do interior é muito caro, então muita gente não tem o dinheiro e mesmo aqui nós temos o SESI88 que tem uma programação a semana inteira, com peças que eu já fui assistir que são boas e você chega lá e a minoria que vai lá que acha que não tem importância nenhuma, pra que ir lá, é perder tempo, né? Mas, eu acho legal. (BÁRBARA E1, 2007, funcionária).

Somente a professora Júlia (E1, 2007) vinculou direitos sociais como “ter direito à educação, estudos.”

Vale atentar que, ao abordar os direitos a partir da Constituição, está se realizando uma abordagem formal, na qual podem ser visualizados os direitos que os cidadãos e cidadãs são portadores pelo vínculo jurídico em relação ao Estado Nacional a qual pertencem, bem como os deveres. Entretanto, ter direito positivado por uma lei significa apenas a possibilidade de acesso a ele, ou seja, não significa que será efetivado na prática. Flores (2009, p. 23-24, grifos nossos) adverte:

[...] os direitos humanos não podem reduzir-se às normas. Tal redução supõe, em primeiro lugar, uma falsa concepção da natureza do jurídico e, em segundo lugar, uma tautologia lógica de graves consequências sociais, econômicas, culturais e políticas. O direito, nacional ou internacional, não é mais que uma técnica procedimental que estabelece formas para ter acesso aos bens por parte da sociedade. Os sistemas de valores dominantes e os processos de divisão do fazer humano (que colocam indivíduos e grupos em situações de desigualdade em relação a tais acessos) impõem ‘condições’ às normas jurídicas, sacralizando ou deslegitimando as posições que uns e outros ocupam nos sistemas sociais. O direito não é, consequentemente, uma

técnica neutra que funciona por si mesma. Tampouco é o único instrumento

ou meio que pode ser utilizado para a legitimação ou transformação das relações sociais dominantes. O direito dos direitos humanos é, portanto, um meio — uma técnica —, entre muitos outros, na hora de garantir o resultado das lutas e interesses sociais e, como tal, não pode se afastar das ideologias e das expectativas dos que controlam seu funcionamento tanto no âmbito nacional como no âmbito internacional.

Em relação aos direitos políticos, as entrevistadas mencionaram o voto como o principal direito que conhecem: “O cidadão tem o direito de votar em quem quiser.” (ÉRICA E2, 2009). Duas professoras e uma funcionária os relacionaram a politicagem e corrupção e uma professora recordou-se do período militar em que “[...] os direitos civis e políticos foram

severamente limitados, dada à repressão aberta aos opositores e críticos do regime.” (KOERNER, 2005, p. 65).

Votar? [risos]. (COORDENADORA E1, 2007).

De escolha, do governador, do prefeito. (JOANA E1, 2007).

Direitos políticos? Quando você me falou isso, logo me lembrei do período da ditadura. Então, nós não tínhamos o direito de nos expressarmos politicamente com o governo. Agora eu tenho. Eu tenho total liberdade de falar que não apoio tal governante e porque eu não apoio. Eu tenho direito a fazer uma manifestação contra, desde que não infrinja o direito do outro. Eu tenho claro isso para mim. Conheço o direito de voto, só. (JOSEANE E1, 2007).

[riso irônico] Corrupção89 [risos]. (NATÁLIA E2, 2009).

Você poder ser cidadão, de exercer o seu direito de votar e escolher seus representantes. (TALITA E2, 2009).

É possível afirmar que o conhecimento a respeito dos direitos humanos das professoras está, conforme outras pesquisas têm mostrado, limitado a uma visão parcial do exercício da democracia. A maior parte da população brasileira não relaciona tal exercício à participação na esfera pública, mas restrito aos períodos de eleições. Isto mostra que a concepção de democracia liberal, que se fundamenta no sistema parlamentar, por meio do sistema de representação, em detrimento da participação política direta, foi incorporada pelo povo. Um aspecto que chama a atenção refere-se exatamente à democracia, termo usado diariamente nos vários espaços sociais, como na escola, porém pouco debatido e discutido acerca de seus fundamentos, preceitos e objetivos, de acordo com determinados interesses de classes sociais. A maior parte das entrevistadas não conseguiu se expressar acerca da democracia de modo geral. Algumas parecem manifestar desconhecer o termo, outras enfatizaram os deveres e apenas uma professora parece ter questionado o sistema de democracia representativa.

Quando todos podem participar, falar e dar a sua opinião. Falar, ser ouvido. (ESTER E1, 2007).

Ai, meu Deus do céu! [Risos] Democracia? É liberdade? (COORDENADORA E1, 2007).

89Conforme se lê em Galvão (2008, p. 36) a corrupção da administração pública é “um conhecido flagelo da

cidadania no Brasil”. O autor destaca que aproximadamente R$ 19,5 bilhões são desviados dos cofres públicos todos os meses sendo que em 2005 foram desviados cerca de 234,5 bilhões do total do montante de R$ 732,9 bilhões arrecadados pela União, Estados e Municípios. Argumenta o autor que a Lei de Improbabilidade