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DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO NEOLIBERAL

1.1 Neoliberalismo: considerações

Nos países centrais, a conquista de vários direitos econômicos, sociais e culturais, pelas classes trabalhadoras, deu-se com um dos ciclos de acumulação do capital durante o período do Welfare State (Estado de Bem Estar). Estes, atualmente, estão numa fase de retrocesso, em decorrência do colapso da crise de acumulação atual e, em outros países como o Brasil, os direitos chegaram apenas a se esboçar com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Após a Segunda Guerra Mundial, surge o Welfare State, dentre outros aspectos, como um sistema de seguridade social ofertado à população por pressão reivindicativa do movimento operário. Netto (2010, p. 2) destaca que este momento histórico estava marcado pela polarização entre o capitalismo e o socialismo, representados, respectivamente, pelos Estados Unidos e a União Soviética. “O Welfare State ocorreu num momento onde a ameaça do comunismo rondava o mundo, a classe trabalhadora alcançava grande capilaridade nos países centrais e os altos índices de crescimento econômico permitiam queimar certa ‘gordura’ com demandas sociais.”

Como aponta Faleiros, V. (1991, p. 26), o Welfare State fundamenta-se na divisão de classes sociais “[...] na medida em que o controle que este passa a exercer sobre a economia se justifica como medida para manter o processo global de acumulação da riqueza capitalista e fazer frente às crises econômicas e ameaças sociais”. O Welfare State tinha por objetivo central a manutenção das taxas de lucros dos capitalistas; os efeitos sociais benéficos usufruídos pela população eram simplesmente respingos desta política. Destarte, o Estado propaga o discurso ideológico de promotor da redução das desigualdades sociais, estratégia de

legitimação para ocultar o seu interesse classista na preservação dos privilégios da classe dominante.

Durante todo o período da Guerra Fria e de desenvolvimento do fordismo e do ‘americanismo’, os estados capitalistas centrais e periféricos, de modo específico, sob forma de Estado de bem-estar social, desenvolveram, além das atividades coercitivas inerentes ao Estado em sentido estrito, estratégias

educadoras no sentido da garantia de direitos, visando a reduzir a

desigualdade real do acesso à riqueza e ao poder nas formações sociais burguesas, de forma a garantir a reprodução do modo capitalista de convivência social e evitar a adesão ao projeto socialista de sociabilidade por amplos segmentos da classe trabalhadora. Contraditoriamente, portanto, a luta contra-hegemônica de parcela do proletariado e de seus aliados por direitos políticos e sociais e pela construção de uma nova sociabilidade consubstanciou-se em importante determinante de uma ampliação dos direitos de cidadania. (NEVES; SANT’ANNA, 2005, p. 30, grifos nossos).

Concernente à esfera produtiva, o Estado, por meio de políticas fiscais e monetárias, exerce o papel de controlador dos ciclos econômicos.

A organização do trabalho em bases fordistas e tayloristas sustenta política e ideologicamente o Welfare State, uma vez que, no plano social, massifica a produção e o consumo e, no plano econômico, intensifica o processo de acumulação de capital e ampliação dos mercados às custas da alienação do trabalhador. (CASA, 2005, p. 110).

Conforme a análise de Casa (2005), a atuação do Welfare State nessas duas frentes (como protetor do capital e promotor dos direitos sociais) mergulhou os países de economia central em uma pesada carga fiscal, a partir de 1970.

O contrato social de consumo em massa pressupunha não apenas a expansão constante dos salários reais, como também a concentração do desemprego – por meio da expansão das contratações no setor público, se necessário. Mas a realização dessas promessas hegemônicas fez com que os governos nacionais, estaduais e locais deparassem com crises fiscais profundas, e isso acarretou o aumento dos impostos e um estrangulamento ainda maior dos lucros.” (SILVER, 2005, p. 158).

A contradição do capitalismo como protetor e promotor dos direitos sociais gera crises de lucratividade e de legitimidade, conforme esclarece Silver (2005, p. 35):

Por um lado, a expansão da produção capitalista tende a fortalecer o trabalho e, portanto, contrapõe o capital, e os Estados, a movimentos trabalhistas fortes. As concessões feitas para se controlar os movimentos, por sua vez, tendem a empurrar o sistema na direção de crises de lucratividade. Por outro,

os esforços feitos pelo capital, e pelos Estados, para recompor os lucros invariavelmente envolvem a quebra de pactos sociais estabelecidos e a intensificação da mercadorização do trabalho, gerando, assim, crises de legitimidade e forte resistência.

Faleiros, V. (1991) adverte que Welfare State não chegou a se disseminar por muitos países, restringindo-se aos países de economia central. Mas, mesmo nestes países, o acesso aos benefícios sociais básicos do modelo de produção fordista — saúde, educação, trabalho, moradia, alimentação — não foi generalizado.

Nesse sentido, Casa (2005) aponta que foram poucos os ganhos que os trabalhadores e seus familiares, que moram em países de economia periférica, conseguiram alcançar. Argumenta o autor que as dificuldades para se garantir o pleno emprego, a maximização da atuação do Estado no setor econômico, a rigidez da produção do modelo fordista e o aumento dos gastos públicos levaram o Welfare State à uma crise fiscal e também de legitimidade.

Esta crise, de acordo com Casa (2005), na qual mergulharam os países de economia central, demandaria a urgência de se promover a desregulamentação do Estado intervencionista e adotar o mercado como eixo central organizador da vida coletiva. A partir da década de 1970, o Estado capitalista passa a sustentar e a propagar a ideologia neoliberal como medida eficaz no apaziguamento da crise na qual entrara o Estado durante a vigência do

Welfare State.

Quando o declínio econômico começou, na virada dos anos de 1970, e incidiu negativamente sobre o mercado de trabalho, as elites das classes dominantes deram início a um conjunto de ações que vieram a constituir o cerne da política neoliberal. Essa política (tinha) tem por objetivo conseguir tanto a diminuição dos custos, quanto o enquadramento dos trabalhadores na disciplina necessária às práticas capitalistas. (DAL RI; VIEITEZ, 2008, p. 39).

Ao longo de seu desenvolvimento histórico, o capitalismo assumiu várias formas: liberalismo, imperialismo, social democracia e neoliberalismo (FREITAS, 2008). Atualmente, vigora o capitalismo na versão neoliberal. O neoliberalismo foi teorizado na década de 1940 por um grupo coordenado por Hayek, tendo se materializado na década de 1970, como forma de solucionar mais uma das crises que vivia o capitalismo, em virtude da crise do petróleo e do Welfare State. Conforme se lê em Anderson (1995, p. 09), para Hayek e seus companheiros,

[...]as raízes da crise [...] estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.

Gentilli (1995, p. 9) define a teoria neoliberal como

[...] um complexo processo de construção hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementa em dois sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico e educacional, etc. e, por outro, através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual contexto histórico de nossas sociedades.

A teoria neoliberal fundamenta-se no pressuposto de que o mercado é o melhor mecanismo de organização dos recursos econômicos e da satisfação das necessidades das pessoas. Preconiza o intervencionismo do Estado como antieconômico e antiprodutivo por vários motivos, dentre os quais, Furtado (2005, p. 26) cita como exemplos:

[...] provocar uma crise fiscal do Estado e uma revolta dos contribuintes e, sobretudo, desestimular o capital a investir e os trabalhadores a trabalhar. Além disso, é ineficaz e ineficiente porque tende ao monopólio econômico estatal e à manutenção dos interesses particulares de grupos produtores organizados, em vez de responder às demandas dos consumidores que se encontram distribuídos no mercado; e ineficiente por não conseguir extinguir a pobreza e, inclusive, agravá-la com a derrocada das formas tradicionais de proteção social, baseadas na família e na comunidade. E para completar, imobilizou os pobres, tornando-os dependentes do paternalismo estatal. Resumindo, é uma interferência à liberdade econômica, moral e política.

Disto depreende-se a eliminação do Estado na regulamentação do setor econômico, tanto em relação às funções de planejamento quanto de condução das atividades econômicas por meio de privatizações etc. A área social passa a ser controlada pelo capital privado, cabendo ao Estado a criação de programas de transferência de renda, políticas compensatórias que permitam às pessoas em situação de pobreza absoluta sobreviverem, não viverem, subtraindo-lhes a dignidade.

Como pondera Casa (2005), o interesse ideológico dos neoliberais, ao defenderem tais medidas, não é o de sair da crise, mas de recomposição dos mecanismos de reprodução do

capital, por meio da exclusão social. Dal Ri e Vieitez (2006, p. 9) ressaltam ainda que, com base em um padrão renovado de (re)apropriação do excedente econômico, a política neoliberal objetiva inovar o controle social por meio de uma reorganização operatória de sua hegemonia, embora diferente daquele praticado nos anos de 1950 e 1970.

O Estado mínimo para as classes trabalhadoras — porém máximo aos interesses dos capitalistas — torna-se visível por meio da deteriorização das políticas sociais, como, por exemplo, na falta de políticas públicas de contenção do desemprego, redução dos gastos públicos nos investimentos para a área social, privatizações na área da saúde, da educação, do transporte; enfim, em um conjunto de medidas tomadas sempre a favor da acumulação e perpetuação do capitalismo, em preterição dos direitos humanos.

Entretanto, é válido ressaltar que, ao longo da história do desenvolvimento do capitalismo, sempre existiram lutas sociais de resistência e oposição. Especificamente, a partir da segunda metade dos anos de 1990, emergem em diferentes regiões do mundo manifestações de oposição às políticas neoliberais. Dentre estas manifestações, destaca-se a atuação da ATTC (Associação pela tributação das transações financeiras para ajuda dos cidadãos), uma das organizações mais representativas do altermundialismo e a Via

Campesina, um dos movimentos de maior expressão da luta camponesa.

A ATTC15 é considerada uma das principais idealizadoras do Fórum Social Mundial.

A associação nasceu em 1998, na França, e coordena campanhas altermundiais, qual seja, a tributação do capital financeiro através da aplicação da taxa Tobin. Tal proposta se tornou símbolo altermundialista e uma das principais bandeiras nas marchas contra o Banco Mundial (BM), a OMC (Organização Mundial do Comércio) e o FMI (Fundo Monetário Internacional).

A Via Campesina16 é um movimento internacional de camponeses, pequenos e médios

produtores, mulheres rurais, povos indígenas, sem-terra, jovens rurais e trabalhadores agrícolas. Este movimento surge em 1993, na Bélgica, por ocasião da Conferência em Mons e, atualmente, agrega 148 organizações-membro em 69 países da Ásia, África, Europa e Américas. Entre as suas frentes de lutas, está posta a promoção de um modelo descentralizado, em que a produção, transformação, distribuição e consumo sejam controlados pelas próprias comunidades, e não pelas corporações transnacionais, visto que o modelo de grandes empresas do agronegócio industrial, deliberadamente, planeja a distribuição da produção da agricultura. Para o movimento Via Campesina, tal modelo econômico explora os

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Para maiores informações, consultar: AMORIM, E. R. A.; ARIAS, S. Neoliberalismo e lutas sociais: a emergência dos movimentos piqueteiros e altermundialistas no contexto neoliberal. Mediações, Londrina, v. 14, n. 2, p. 231-251, jul/dez. 2009.

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trabalhadores, concentra o poder econômico e destrói os recursos naturais do meio ambiente. Daí a bandeira de luta do movimento.

O movimento Via Campesina tem duas datas importantes que marcam a sua luta contra as injustiças do neoliberalismo no mundo. São elas: a) 17 de abril – Dia internacional da Luta Camponesa: organizações do mundo inteiro relembram a morte de dezenove camponeses em luta pela terra em Eldorado dos Carajás, no Brasil, em 1996; b) 10 de setembro — Dia internacional contra a OMC: Lee Hae Kyun, agricultor coreano, explodiu-se durante um protesto massivo contra a OMC em Cancún, México. Ele segurava uma faixa que dizia “A OMC mata os agricultores”. Segundo Dal Ri e Vieitez (2006, p. 10, grifos dos autores),

[...] o neoliberalismo começou a ser cada vez mais questionado prática e ideologicamente. Importantes setores populares na periferia e mesmo no centro do mundo puseram-se literalmente em marcha contra aspectos das políticas neoliberais e inclusive contra governos inteiros. Na França, tornaram-se notórios e sintomáticos os fatos promovidos por estudantes e populações das periferias citadinas. Na Venezuela há o fenômeno de um governo autopropalado bolivariano e que ousa enfrentar os interesses norte-americanos. [...] A massa trabalhadora, profundamente descontente com as políticas neoliberais, praticamente depôs presidentes no Equador, Bolívia e Argentina. [...] os trabalhadores vêm buscando novas formas de intervenção na vida política e social, inclusive com o desenvolvimento de ações práticas no setor da produção, com a instauração de diversas formas autônomas de trabalho associado, como ocorre [...] no Brasil com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra [...]

As várias lutas sociais que eclodiram ao longo dos séculos mostram, por mais que as classes dominantes tenham tido sucesso nas políticas implementadas durante o seu desenvolvimento, visando sempre a preservação de sua hegemonia como classe dirigente, que o movimento da história não está isento de conquistas reais das classes trabalhadoras. Há um movimento dialético de conquistas e retrocessos em decorrência dos antagonismos e lutas de classes. “Em que pese a eficácia da maquinaria reprodutora da hegemonia, de vez em quando o sistema republicano possibilita a instalação no Estado de forças anti-hegemônicas [...]” (DAL RI; VIEITEZ, 2006, p. 4).

Neste itinerário está posta a busca por direitos, pelo reconhecimento e pela afirmação da dignidade humana, dentro das lutas históricas sempre inconclusas de duas forças completamente antagônicas. Conforme Dal Ri e Vieitez (2006, p. 4),

De um lado, estão as forças da Ordem que buscam resguardar o império do privado e seu concomitante cortejo de apanágios, segredos e opacidades, inclusive no âmbito do Estado. Do outro, as forças anti-hegemônicas que lutam tanto para avançar na participação política, quanto por ampliar o alcance social e a qualidade da política pública, fato que, usualmente, exige a

elevação dos assuntos relevantes à estatura de temas universais e que requerem soluções universais, ao menos no âmbito do estado-nação.

Os avanços e retrocessos dos direitos humanos revelam o seu caráter contraditório no embate entre o jogo de forças de classes sociais de interesses antagônicos. Isso é tratado no próximo tópico.