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A PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL

4.4 Gestão democrática da escola

Como salienta Paro (1988, 2005), a democratização das relações no âmbito da escola diz respeito à atuação da comunidade escolar nos processos decisórios, participando tanto da elaboração, quanto da execução das decisões. Isso implica na legitimação da participação de todas as pessoas envolvidas no processo pedagógico, na construção coletiva de tomada de decisões, tanto em assuntos pedagógicos e financeiros quanto administrativos da unidade escolar. A democratização da estrutura escolar, conforme aponta Servilha (2008), rompe com o autoritarismo e a hierarquia verticalizada, delegando poder de decisão aos colegiados escolares e garantindo a participação dos segmentos em Conselhos de Escola.

Contudo, embora a gestão democrática esteja contemplada na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (1996), as profissionais da educação, na maior parte, parecem desconhecer o termo. Das pessoas entrevistadas na escola 1, duas professoras e as duas funcionárias disseram desconhecer o termo. Na escola 2, também, três professoras e as duas funcionárias indagaram sobre o quê tratava o termo.

A coordenadora e a diretora da escola 2 parecem compartilhar da mesma concepção de gestão democrática, aquela na qual as pessoas são ouvidas e, em determinados assuntos, há decisões que não podem ser discutidas pela comunidade escolar como, por exemplo, as determinações da Secretaria de Educação, a qual a escola está subordinada.

Aqui é uma escola que é gerida democraticamente. Aqui, os[as] professores[as] são escutados[as], os[as] funcionários[as], todo mundo tem direito a opinar e é lógico que nós passamos o que é falado para nós na

Secretaria de Educação e conforme o que nos é orientado, nós vamos direcionando conforme a necessidade da nossa escola sempre respeitando todos que estão aqui, a equipe escolar, e entrando em acordo. Ninguém vai impor nada a ninguém antes de haver uma discussão, um diálogo, mostrar o que é que acontece o porquê disso, o porquê daquilo. Até haver um entendimento as coisas vão acontecendo e por isso a escola é uma escola tranquila e nós não temos tantos problemas. (COORDENADORA E2, 2009).

Bom, gestão democrática é isso, eu tenho que saber ouvir os anseios dos outros, porque são eles também clamando por algumas coisas. Nada é imposto, eu não posso é lógico, nós temos que seguir as políticas públicas.

Eu trabalho na Secretaria do Estado da Educação, então meu norte é a Secretaria do Estado da Educação, vai ser implantado aqui o que quer a

Secretaria do Estado da Educação que nem no caso agora, o Ler e o Escrever, é isso que nós temos que trabalhar, só que o como fazer, de que maneira isso vai ser feito tem que ser feito de uma maneira democrática, ouvindo também os pais [as mães], os alunos [e alunas], os professores [e professoras] e os funcionários [e funcionárias]. (DIRETORA E2, 2009, grifos nossos).

Para a diretora (E1, 2007), a gestão democrática “é fazer acontecer”. Este fazer acontecer, para ela, se refere a “trabalhar mesmo e desenvolver ações”. A coordenadora (E1, 2007) identifica o(a) diretor(a) como gerenciador(a) e parece questionar a autonomia da escola para decidir assuntos financeiros.

Seria um[a] diretor[a]. Falam que os[as] gestores[as] são os[as] diretores[as] e os[as] coordenadores[as]. Isso é complicado porque desde que entrei ouvi falar que coordenador[a] nunca é um gestor[a], porque ele[a] não tem que gerenciar nada. Ele[a] tem a ver com outra parte que é a pedagógica. Hoje cabe a ele[a] solucionar o caso junto com o[a] diretor[a]. Não sei. Mas é o[a] diretor[a] que tem que resolver e fazer aquilo que realmente precisa dentro de uma escola. Democracia não tem na escola. Eu acho que não tem essa total liberdade. Não porque, por exemplo, vem a verba em dinheiro, só que ela já vem com um fim. Por exemplo, preciso comprar um som, porque o som da escola quebrou, mas o dinheiro não é para comprar o som, o dinheiro é para comprar o material de limpeza. Não pode comprar o som, e no momento preciso disso e não posso fazer.

Duas professoras acreditam que é preciso uma liderança dentro da escola para conduzir o trabalho, sem a qual há possibilidade de emergir bagunças.

Ah, sei lá. Eu acho que democrática depende, porque tem que ter uma liderança também. Responsabilidades iguais, mas em termos. (ÉRICA E2, 2009).

Democrática? [risos] Meio a meio. Bom, democrática tem que ser, mas também tem que impor, tem que ser maleável. Muita democracia vira bagunça. [risos]. (NATÁLIA E2, 2009).

Da fala desta professora, é possível inferir que, na verdade, a democracia na prática, é muito trabalhosa. Conforme afirma Demo (1988, p. 73)

Onde todo mundo quer opinar, comparecer, decidir junto, o que mais acontece é uma dificuldade enorme de gerir a balbúrdia. As discussões se tornam intermináveis e incontroláveis. Facilmente, emerge o cansaço e a decepção, até mesmo o reconhecimento afoito de que a democracia não leva a nada. Em certos casos, pode até surgir a insinuação de que em termos de autoridade as coisas andam melhor, porque se decidia rápido, ou tudo já estava decidido.

Outras duas professoras relacionam a gestão democrática à participação de todas as pessoas envolvidas no processo educacional.

Democrática que leve em conta o benefício de todos e a opinião de todos os envolvidos na escola, de todo o quadro de funcionários[as]. Funcionários[as], eu estou falando de professores[as], funcionários[as] da limpeza, funcionários[as] da administração, todos[as]. E a comunidade como um todo. (JOSEANE E1, 2007).

É uma gestão participativa aquela que envolve todos os pais [e mães], professores[as], alunos[as], direção, funcionários[as] e todo mundo pode participar. Eu acho que é trabalho muito difícil, porque as pessoas não estão acostumadas a dar opiniões e as pessoas também não estão acostumadas a ouvir. Quando as pessoas têm esse momento, essa oportunidade, ficam quietas e preferem concordar ou votar naquilo que está sendo proposto. É muito difícil para pessoas hoje falar: Não, eu penso dessa forma. De expor aquilo que pensa, porque elas não foram trabalhadas dessa forma. (ESTER E1, 2007).

De fato, um dos desafios que se impõem à concretização da participação das pessoas em decisões referentes à suas vidas e a das outras é a superação da tradição cultural do Brasil, calcada no autoritarismo e no clientelismo, o que gera comportamentos de privilégios, de mando e submissão, conforme destaca Silva (2000). Na sociedade, é difícil encontrar uma valorização do trabalho coletivo, pois nas pessoas estão arraigados os valores hegemônicos de mando e submissão, da valorização da competitividade e do mérito individual. Como se lê, também em Paro (2005, p. 19)

Uma sociedade autoritária, com tradição autoritária, com organização autoritária e, não por acaso, articulada com interesses autoritários de uma minoria, orienta-se na direção oposta à da democracia. [...] os determinantes econômicos, sociais, políticos e culturais mais amplos é que agem em favor dessa tendência, tornando muito difícil toda a ação em contrário. [...] É aí, na prática escolar cotidiana, que precisam ser enfrentados os determinantes mais imediatos do autoritarismo enquanto manifestação, num espaço restrito, dos determinantes estruturais mais amplos da sociedade.

É possível inferir, por meio dos relatos (ou pela ausência deles) sobre a gestão democrática, que nem mesmo o conceito de democracia representativa — que se apresenta na legislação, na Constituição de 1988 e na LDBEN de 1996 — faz parte do cotidiano das escolas pesquisadas.