• Nenhum resultado encontrado

DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA

2.3 Democracia e educação em direitos humanos

2.3.1 Democracia liberal ou hegemônica

O Estado Moderno surge do rompimento com o feudalismo, cujo sistema baseava-se no vínculo do indivíduo com a terra — o principal meio de produção — e os servos, que produziam para os seus senhores, os grandes proprietários de terras. O Estado capitalista aperfeiçoa a privatização do poder, por meio de um Estado burocrático, coercitivo e centralizador.

Ao situar o liberalismo em alguns países, afirma Chauí (2000) que o mesmo se consolidou na Inglaterra em 1668, com a Revolução Gloriosa; no restante da Europa, após a Revolução Francesa, em 1789, e nos Estados Unidos, com a luta pela Independência, em 1776.

Em relação aos autores representantes do liberalismo, destacam-se Locke (1632- 1704), Montesquieu (1689-1755), Adam Smith (1723-1790) e John Stuart Mill (1806-1873). Para tais autores, a defesa da propriedade privada é um princípio fundamental, pois é por meio dela que as relações capitalistas de produção podem ser preservadas e perpetuadas. O acesso à propriedade privada não é, na concepção dos liberais, para todas as pessoas, mas para uma minoria que usufrui dos benefícios da propriedade privada. Defendem, também, o pensamento liberal, a limitação do poder. Este se opõe ao princípio de liberdade do Estado intervencionista, cujo poder deve se reduzir a meros procedimentos políticos e jurídicos.

Locke, conforme se lê em Dornelles (2006), estabeleceu a teoria dos direitos naturais do homem, em que todos os membros da sociedade são livres e iguais. Para ele, o homem era naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu trabalho, o que é o fundamento originário da propriedade.

Para Locke, a verdadeira liberdade decorria do exercício do direito à propriedade. Dessa concepção individualista burguesa, relata Dornelles (2006), nasce a ideia de uma

relação contratual entre os indivíduos, na qual a propriedade, a livre iniciativa econômica e as liberdades políticas e segurança pessoal, limitadas, seriam garantidas pelo poder público.

Por isso, destaca-se que a liberdade sustentada pelo liberalismo se situa no contexto da propriedade privada. Assim sendo, a maior parte da população, por não ter propriedade, fica somente com a liberdade de vender sua força de trabalho, para sobreviver por meio dela.

Locke, portanto, entendia que a propriedade seria o direito inalienável do ser humano, o direito fundamental do qual decorrem os demais direitos dos indivíduos. O direito à propriedade seria, então, o motivo pelo qual cada indivíduo cede parte de suas liberdades e direitos para a formação da instância que garantirá e protegerá a existência desse direito, ou seja, o Estado-governo. (DORNELLES, 2006, p. 19).

Disto, depreende-se a acepção de democracia liberal, em que há a separação entre a esfera política e a esfera econômica, legitimando a competição de mercado, o individualismo e a defesa dos interesses privados. Tem-se a igualdade de oportunidade na livre concorrência do mercado, estando, na capacidade de cada pessoa, a responsabilidade pelo seu êxito ou fracasso.

A democracia, por conseguinte, que preserva a propriedade privada é a representativa. Ela permite a participação de forma restrita e reduzida à esfera política. Nesta acepção, dissemina-se o consenso do exercício da liberdade e da igualdade por meio da participação política, por meio do sufrágio universal.

Nesta concepção de democracia representativa ou parlamentar (município, estado e federação), conforme afirma Bobbio (1992), o dever, o direito, de fazer as leis não diz respeito ao povo reunido em assembleias, mas a um corpo restrito de representantes eleitos por cidadãos e cidadãs, a quem são reconhecidos os direitos políticos.

Assim, a noção de soberania do povo, no regime político que perpassa a concepção de democracia liberal, está atrelada à representação. O povo não governa de forma direta, mas, sim, por meio de representantes por ele eleitos. Dessa forma, a democracia liberal é materializada de forma indireta e representativa.

Para Macpherson (1978, p. 17), a democracia se desenvolve na sociedade de mercado capitalista por meio da democracia liberal, cujo princípio ético se fundamenta sobre a liberdade individual.

O conceito de democracia liberal só se tornou possível quando os teóricos —

a princípio uns pouco e, depois, a maioria dos teóricos liberais —

descobriram razões para acreditar que ‘cada homem um voto’ não seria arriscado para a propriedade, ou para a continuidade das sociedades divididas em classes.

Macpherson (1978, p. 28) divide a democracia liberal em três modelos, a saber:

[...] Democracia Protetora: suas razões para o sistema democrático de governo eram de que nada menos poderia em princípio proteger os governados da opressão pelo governo. O segundo é chamado Democracia Desenvolvimentista: ele introduziu uma nova dimensão ética, vendo a democracia sobretudo como meio de desenvolvimento individual. O terceiro, Democracia de Equilíbrio deixou de lado a reivindicação moral, com base em que a experiência da atuação concreta dos sistemas democráticos mostrou que o modelo desenvolvimentista era inteiramente irrealista: os teóricos do equilíbrio ofereciam ao invés uma exposição (e argumentação) da democracia como uma concorrência entre elites, competição essa que produz equilíbrio sem muita participação popular.

A democracia representativa é um dos elementos do capitalismo em que a vontade da população é suprimida em detrimento dos imperativos do lucro e da acumulação de capital, excluindo milhões de pessoas do processo de desenvolvimento econômico, corroborando com a pobreza política.

O nível mais profundo de pobreza política é, assim, a condição de

ignorância: o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre.

Por conta disso, atribui sua pobreza a fatores externos, eventuais ou fortuitos, sem perceber que pobreza é processo histórico produzido, mantido e cultivado.

[...]

A tendência do pobre de esperar ajudas dos outros, sobretudo de ver no Estado apenas instância de ajuda, já denota sua pobreza política, mais grave que a pobreza material, porque não tem como mudar a situação. Entrega-se a soluções alheias e que muitas vezes são táticas para manter o problema da subalternidade do pobre [...] Assoma o fenômeno da ignorância [...] Falamos aqui da ignorância produzida socialmente como tática de manutenção da

ordem vigente e que faz do pobre típica massa de manobra. Trata-se daquela

ignorância que aparece no escravo que se vangloria da riqueza de seu patrão: não atina que a riqueza gerada, pelo menos em parte, lhe pertence de direito. Não é apenas alienado, sobretudo ignora que é alienado. (DEMO, 2003, p. 27-28, grifos nossos).

De acordo com Bobbio (1992), o significado da democracia formal, na teoria política contemporânea, tende a resolver-se em uma série de regras do jogo, dentre elas: a) órgão político que cumpre função legislativa deve ser composto por membros eleitos pelo povo; b) voto para todos os cidadãos e cidadãs, na forma da lei, sem qualquer distinção; c) as eleições devem seguir os princípios de maioridade numérica; d) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da maioria, em especial de se tornar maioria; e) o órgão do governo deve gozar de confiança do parlamento ou do chefe do poder executivo.

Assim, a democracia liberal maqueia o princípio de soberania popular, do governo do povo pelo povo, ao limitar para a transferência de outrem os direitos das pessoas na tomada de decisões referente à vida coletiva em sociedade.