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DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA

2.3 Democracia e educação em direitos humanos

2.3.2 Democracia contra-hegemônica

Se, na concepção liberal de democracia, a forma de participação é indireta (por meio de sistema de representação), na democracia crítica, a participação é direta e a soberania é popular.

A posição de classe, na democracia liberal, não determina o direito à cidadania. Por isso, nessa concepção, a democracia restringe-se aos interesses do capitalismo. Este produziu, com o passar do tempo, uma separação entre as esferas política e econômica (DAL RI, 2004). Neste sentido, a cidadania assume uma nova forma, visto que, para a democracia liberal, a esfera econômica não pertence à esfera pública. A intersecção entre a democracia liberal e a democracia antiga, grega, está na dissociação entre identidade cívica e o status social e econômico. Isto reforça as desigualdades de classe, embora se conviva com a igualdade formal política, conforme se lê em Wood (2003).

Por isso, o capitalismo não produz benefícios para todos e todas, como se apregoa, pois objetiva o aumento das riquezas privadas, por meio do acúmulo de lucros. A distribuição de renda irregular e a concentração dos meios de produção, nas mãos de uma minoria, provocam uma desigualdade, também, na distribuição dos demais recursos disponíveis, como conhecimento sistematizado, tecnologia, habitação, saúde e, entre outros, o poder político, levando à pobreza política.

Wood (2003) ressalta que há muita coisa boa no liberalismo que deve ser preservada e aperfeiçoada, na medida em que objetivam a ideia de democracia no seu sentido literal, como poder popular. Apesar das ambiguidades da democracia liberal no contexto capitalista, esta ainda é mais inclusiva que a ateniense, na análise da autora, pois ganhou muito da incorporação dos princípios liberais, do respeito às liberdade civis e dos direitos humanos.

De acordo com WOOD (2007, p. 7), o significado de democracia está na premissa de seu nome: o “[...] o governo do povo ou pelo poder do povo”. A verdadeira democracia se operacionaliza com participação direta do povo, e se as leis não forem ratificadas pelo próprio povo são nulas. A primeira conquista da democracia, afirma a autora, consiste em garantir que o povo governe a si próprio, e as liberdades para além do direito ao voto. Neste sentido, Wood

(2007, p. 4) argumenta a incompatibilidade da democracia — que tem como pressuposto a soberania popular — e do capitalismo.

[...] o capitalismo é — em sua análise final — incompatível com a democracia, se por ‘democracia’ entendemos tal como o indica sua significação literal, o poder popular ou o governo do povo. Não existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo das pessoas seja privilegiado aos dos imperativos do ganho e da acumulação e, no qual, os requisitos da maximização do benefício não ditem as condições mais básicas de vida. O capitalismo é estruturalmente antitético em relação à democracia, em princípio, pela razão histórica mais óbvia: não existiu nunca uma sociedade capitalista na qual não tenha sido atribuído à riqueza um acesso privilegiado ao poder. Capitalismo e democracia são incompatíveis também, e principalmente, porque a existência do capitalismo depende da sujeição aos ditames da acumulação capitalista e às ‘leis’ do mercado das condições de vida mais básicas e dos requisitos de reprodução social mais elementares, e esta é uma condição irredutível. Isso significa que o capitalismo necessariamente situa cada vez mais esferas da vida cotidiana fora do parâmetro no qual a democracia deve prestar conta de seus atos e assumir responsabilidades. Toda prática humana que possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Isso quer dizer que a democratização deve ir na mão da ‘desmercantilização’. Mas desmercantilização por definição significa o final do capitalismo.

A autora, ao analisar as concepções dominantes de democracia, identifica a tendência a elas inerente: substituição da ação política pela cidadania passiva, ou seja, a ênfase nos direitos passivos em detrimento dos direitos ativos, a criação de estratégias de consenso para evitar confrontos com as concentrações de poder social, sobretudo se for com as classes dominantes e, também, a despolitização da política.

Ressalta Wood (2007, p. 14) que todas as mutações no conceito de democracia foram possíveis devido às características do capitalismo, pela relação particular entre capital e trabalho e também pela específica relação capitalista entre a esfera econômica e a esfera política. Pondera a autora que, embora haja movimentos anticapitalistas que veem uma contradição fundamental entre capitalismo e democracia, o significado disto não é o mesmo para todos, visto que:

De um lado, por exemplo, estão aqueles para quem a democracia é compatível com um capitalismo reformado, no qual as grandes corporações são socialmente mais conscientes e prestam contas à vontade popular, e onde certos serviços sociais são cobertos por instituições públicas e não pelo mercado, ou pelo menos são regulados por alguma agência pública que deve prestar contas. Essa concepção pode ser menos anticapitalista que antineoliberal ou antiglobalização. Do outro lado, há aqueles que acreditam que, ainda quando é sempre crucial lutar por qualquer reforma democrática possível na sociedade capitalista, o capitalismo é em essência incompatível com a democracia.

Contudo, a autora parece indicar que, enquanto o capital depender dos Estados locais, e estes sendo um polo potencialmente útil para as forças de oposição, acredita que as lutas democráticas, visando alterar o equilíbrio das forças de classe, talvez representem o maior desafio ao capital.

Assim se expressa Wood (2007, p. 15-16)

[...] o capital internacional necessita do Estado mais que nunca para organizar os circuitos econômicos que o capital não pode dirigir por si próprio. Porque o capital depende, talvez hoje mais que nunca, de um sistema global de Estados; as lutas verdadeiramente democráticas —

entendidas como lutas para trocar o equilíbrio de poder de classe tanto dentro como fora do Estado — podem chegar a ter um efeito muito maior que em épocas anteriores.

Santos, B. (2008)32 visualiza dois instrumentos hegemônicos para sair da situação de

“sociedades politicamente democráticas, mas socialmente fascistas”: a democracia e os direitos humanos. A alternativa, defende o autor, é buscar construir uma proposta contra- hegemônica, (re)politizando e radicalizando a democracia. Desse modo, a democracia deixa de ser vista como um problema e passa a ser solução. Nas palavras do autor, “é preciso lutar por uma democracia sem fim.” E que atualmente tem, de certa forma, acontecido com, por exemplo, o Fórum Social Mundial, Marcha Mundial das Mulheres e mobilização internacional por meio da internet, dentre outros.

Por fim, a concepção crítica de democracia busca a integração econômica e política, a garantia do direito do povo de decidir, a participação ativa nos processos de tomada de decisão, pois são essas decisões que interferem diretamente na vida de cada um. No próximo tópico a democracia no contexto brasileiro é discutida, pois a cultura de um país é resultado de processos históricos que contribuem sobremaneira para determinar as concepções dos cidadãos e cidadãs acerca da participação na esfera pública e de práticas democráticas ou não, no âmbito da vida social.

2.4 Democracia no contexto brasileiro e a ascensão da educação em direitos humanos