Parte II Dimensão investigativa
5. Conclusão da dimensão investigativa
O presente estudo teve como questões de partida: “Que estratégias usam as crianças no
processo de recolha, organização e interpretação de dados, em diferentes contextos?” e
“Que aspetos do sentido de número são evidenciados na realização de atividades desta
natureza?”; a partir destas questões, foram delineados os seguintes objetivos:
a) promover experiências de aprendizagem significativa no âmbito da recolha, organização e
tratamento de dados;
b) perceber se estas tarefas facilitam a estruturação de determinados conceitos matemáticos no
âmbito da organização e tratamento de dados; e
c) descrever os aspetos do sentido do número que as crianças evidenciam.
Partindo das problemáticas e dos objetivos definidos, saliento o que me parece mais
significativo, tendo em vista a finalidade do mesmo estudo. Pelo facto de ter tido em conta o
cuidado e rigor na definição dos procedimentos do trabalho, é-me possível retirar conclusões
relativas às estratégias e raciocínios utilizados pelas crianças.
Incidindo nas questões de partida e no que diz respeito às estratégias utilizadas pelas crianças
tarefa após tarefa, tanto a nível de organização de dados como aos aspetos do sentido de
número, foi possível identificar que para proceder à contagem, são várias as estratégias usadas
por elas. O estudo permitiu ainda identificar uma elevada consistência do mesmo tipo de
estratégias em cada criança e entre as diferentes crianças, mas apesar de algumas estratégias
terem sido as mesmas, considero que foram sendo reajustadas em função do contexto, onde,
regra geral, as crianças conseguiram dar sentido à informação que iam observando e as
mesmas constituíram um recurso quase constante e repetidamente utilizado de modo eficaz;
tal como defendem Moreira e Oliveira (2003) “as estratégias das crianças pequenas variam na
mesma sessão e para a mesma tarefa (…) e os procedimentos variam conforme os números
são “pequenos” ou “grandes”” (p.40). Entre as estratégias mais usadas encontram-se o
subitizing (usada por todas as crianças no reconhecimento da mancha gráfica até
sensivelmente 4 elementos), a contagem termo a termo recorrendo aos dedos para números
mais elevados e o cálculo mental recorrendo à decomposição de números, efetuando somas
que lhes facilitassem os cálculos. Algumas crianças do estudo ainda recitam corretamente a
sequência numérica em voz alta, conhecendo-a até ao número 14 e estabelecem ainda relações
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numéricas, nomeadamente ao que se refere à comparação de elementos de diferentes
conjuntos, averiguando qual o que tem mais e quantos a mais do que. Relativamente às
estratégias de recolha e organização dos dados, é mais frequente as crianças selecionam
apenas a informação que vão necessitando, organizando-a de imediato nos diagramas.
Como estratégias de contagem menos utilizadas, encontram-se a memorização do que foi
contado ou dito anteriormente aquando da exploração da tarefa e o contar para si próprio. A
decomposição numérica e o conhecimento da irrelevância da ordem de contagem foram
igualmente estratégias menos utilizadas, onde as crianças estudadas revelam menor
espontaneidade nos raciocínios subtrativos, tendo sido estas estratégias utilizadas apenas
excepcionalmente. Ainda relativamente às estratégias menos utilizadas, no processo de
recolha e organização da informação, algumas crianças optam por retirar os dados
aleatoriamente e organizá-los nos diagramas, tendo em conta os dados recolhidos. Noutras
situações, ainda organizam primeiramente a informação fora dos diagramas, e posteriormente,
transferem-na corretamente para os diagramas.
No que diz respeito às principais dificuldades sentidas pelas crianças, estas incidem no
explicar oralmente o seu raciocínio e reconhecer a representação gráfica dos números,
especialmente quando estes são constituídos por dois algarismos; isto foi observado sobretudo
no número treze, em que as crianças conheciam a sequência numérica até esse termo mas não
conheciam a sua representação gráfica. Isto acontece porque o sistema de numeração em
língua portuguesa apresenta algumas variações e irregularidades no que se refere a números
entre o onze e o vinte, o que representa um obstáculo para a extensão da contagem para além
do dez. Já Moreira e Oliveira (2003) afirmam que “quando as crianças conhecem a sequência
oral dos números, tal não significa que sejam competentes nas actividades de enumeração ou
contagem, as quais requerem mais do que saber os numerais de cor e pela ordem certa”
(p.115). Mas no que se refere ao conhecimento da sequência dos números com um só dígito,
demonstram-no sem dificuldades. Ainda apenas uma das crianças demonstrou facilidade em
contar a partir de certa ordem, utilizando essa estratégia para proceder a alguns cálculos, o que
demostra ser possuidora de um raciocínio matemático mais avançado.
Ao nível do sentido de número, verifica-se que facilmente as crianças conseguiram relacionar
os números com a informação pretendida, permitindo assim, analisar, comparar e tirar
conclusões sobre a informação reunida. Já Brocardo, Serrazina e Rocha (2007), consideram
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que o envolvimento das crianças em diversas experiências de contagem contribui para o
desenvolvimento da capacidade de resolver problemas.
Relativamente às tarefas realizadas com representação gráfica (tarefas 0, 1 e 2), considerei
pertinente voltar a construir gráficos com as crianças por considerar importante complexificar
tarefa após tarefa, envolvendo mais informação para perceber como conseguiriam as crianças
relacionar toda a informação. Houve a preocupação de proporcionar diferentes tipos de
representação, uma vez que se torna importante que as crianças “tenham oportunidade de
comparar diversos tipos de representação para a mesma situação e verificar quais são os mais
apropriados” (Martins & Pontes, 2010, p.15).
Nas tarefas de classificação, especialmente nos diagramas de Carroll e de Venn (tarefas 3 e 4
respetivamente), as crianças precisam de “saber que se quer contar certos objectos e não
outros, o que pressupõe a existência de uma propriedade comum aos elementos que se
contam, ou por outras palavras, uma classificação” (Moreira & Oliveira, 2003, p.207), isto é,
as crianças apenas contam o que precisam para responder à questão e formam conjuntos. Para
tal, Teixeira (2004) defende que as crianças necessitam ainda de incidir numa propriedade dos
objetos para agrupá-los pela semelhança. Apesar de estas tarefas conterem mais informação,
as crianças conseguiram analisá-la, embora as dificuldades tenham sido mais sentidas
comparativamente com as primeiras tarefas. Contudo, foram revelando facilidade em realizar
classificações simples envolvendo um ou dois atributos e ao longo das tarefas foram
propondo, autonomamente, diferentes estratégias para organizar e registar a informação,
procurando solucionar o(s) problema(s) a resolver. Torna-se um trabalho enriquecedor pois,
na prática, quando um aluno usa os seus conhecimentos na construção de uma sequência, gráfico, ou diagrama, podemos procurar compreender o seu processo de pensamento e respectivas dificuldades e quando lhe pedirmos para explicar por palavras suas ou por uma outra representação uma definição ou procedimento, podemos tentar perceber como foram compreendidos os conceitos envolvidos. (Ponte & Velez, 2011, p.114).
Deste modo, verifiquei a evolução do desempenho das crianças, tarefa após tarefa, uma vez
que, nas últimas, elas já conseguiam definir estratégias para organizar a informação,
formulando elas próprias, problemas que não tinham resposta imediata, conseguindo
facilmente transferir conhecimentos adquiridos num determinando contexto para um outro.
Embora não seja possível generalizar pelo facto de determinadas crianças apresentarem mais
facilidades na compreensão de dados sob a forma de gráficos e outras a apresentarem em
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diagramas, considero que as tarefas desenvolvidas com as crianças facilitaram a estruturação
de determinados conceitos matemáticos no âmbito da organização e tratamento de dados, e
todos os aspetos evidenciados anteriormente levam a crer que o grupo de crianças envolvido
neste estudo, realizou aprendizagens significativas nesse mesmo âmbito do estudo, na medida
em que aprendeu a recolher dados, a organizá-los e a analisá-los, desenvolvendo as suas
estratégias de contagem e de resolução. Houve situações onde as crianças passaram de
estratégias informais para formais, levando-me a acreditar que foram proporcionados
momentos de aprendizagens significativas. Neste sentido, foi um estudo que me permitiu
compreender a importância de proporcionar experiências significativas na área da matemática
às crianças em idade pré-escolar, e como educadora, procurei ter isso em conta, ao lhes
permitir que aprendessem a utilizar a matemática com confiança, sendo ainda confrontadas a
ouvirem uma linguagem matemática que poderá ser utilizada em diferentes contextos do
quotidiano, onde as crianças puderam adquirir conceitos matemáticos no âmbito da
Organização e Tratamento de Dados.
Segundo Nunes e Bryant (citados por Teixeira, 2004), todo o conjunto de princípios lógicos
necessários para a contagem permite averiguar se as crianças são capazes de saber onde usar a
contagem e qual a sua utilidade. Assim, ressalto a importância do papel orientador que o
educador deve assumir de modo a que as crianças comuniquem os seus raciocínios e através
disso, organizem o seu pensamento, tomem consciência das suas dificuldades e as superem,
ajudando-as a aperceberem-se das suas dificuldades e erros e serem as próprias a tomarem
iniciativa de usar outras estratégias mais eficazes para encontrarem as soluções corretas. Este
aspeto foi tido em conta nos momentos em que as crianças não identificavam corretamente
determinado número ou quando não mostravam uma estratégia de resolução perceptível, e eu
questionava-as relativamente à forma como tinham procedido, levando-as a explicitar
oralmente o seu raciocínio. Muitas vezes, esse questionamento fez com que se apercebessem
das suas dificuldades, procurando utilizar outra estratégia onde se sentissem mais seguras,
superando as dificuldades e expandindo as suas capacidades de estratégias de resolução de
problemas e desenvolvendo o seu sentido de número.
Mas para que estes resultados tenham sido apresentados, foi sem dúvida importante a
elaboração antecipada da revisão da literatura, pois assim pude alargar e aprofundar os meus
conhecimentos nesta área, bem como compreender melhor as aprendizagens e dificuldades
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que as crianças iam apresentando durante a implementação das tarefas e o que eu poderia
fazer para as orientar no desenvolvimento das mesmas. Acrescento que, pelos resultados
obtidos, considero que as tarefas se adequaram aos objetivos do estudo, indo ao seu encontro,
pelo facto de serem tarefas diversificadas, embora tenham tido a mesma base. Assim, além de
este trabalho ter sido um desafio para mim, considero que tenha sido igualmente para as
crianças, uma vez que observava que as propostas apresentadas as motivavam e as envolviam
num processo de aprendizagem, demonstrando gosto no que estavam a desenvolver, o que, a
mim, me dava satisfação e orgulho. As crianças demonstraram compreender as representações
utilizadas, tendo sido evidente o entusiasmo, disponibilidade, interesse e participação ao
longo das mesmas.
Contudo, é certo que o presente estudo apresenta limitações, estando relacionadas com os
fatores de escassez de tempo para desenvolver o mesmo, o que não me permitiu observar mais
profundamente e num espaço de tempo mais longo a consistência da aprendizagem adquirida.
Ao nível do trabalho de campo poderia ter realizado um maior número de atividades, por
exemplo, introduzindo outros conjuntos e termos de comparação de modo a permitir
ultrapassar as dificuldades das crianças, aumentando gradualmente a complexidade das
tarefas, alargando o estudo noutras vertentes. Outra das limitações deste estudo diz respeito à
opção pessoal de realizar parte das tarefas individualmente, pois, apesar de me ter facilitado a
análise dos dados e tendo em conta o tempo reduzido para tal, não permitiu ter a perceção
global das aprendizagens das crianças da sala nem da aprendizagem cooperativa entre elas.
Depois do referido anteriormente, considero que seria interessante alargar o estudo noutras
vertentes da matemática e realizá-lo no âmbito do pré-escolar, a fim de investigar a
importância que estas tarefas têm para o desenvolvimento de diversas competências
matemáticas, bem como compreender as influências do trabalho no âmbito da organização e
tratamento de dados no pré-escolar nas aprendizagens das crianças, aquando a sua entrada no
ensino formal.
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