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2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS – INSTRUMENTOS PARA A

2.4. Considerações Finais do Capítulo

Ao analisarmos os casos referenciais de intervenção urbanística da Operação Água Branca, do Projeto Eixo Tamanduatehy e da ZAC Paris Rive Gauche, foi possível constatar uma grande variedade de características em comum com a região sul da orla ferroviária de Jundiaí, tanto do ponto de vista das potencialidades quanto dos desafios a serem superados. Todas estas áreas situam-se nas proximidades de regiões que apresentam grande dinamismo econômico e contavam, antes de qualquer intervenção, com acessibilidade excepcional proporcionada pela infraestrutura ferroviária. Contudo, dentro do perímetro destas operações existiam

118 inúmeros fragmentos urbanos desarticulados, grandes glebas vazias e galpões industriais abandonados resultantes do processo de reestruturação produtiva que atingiu as indústrias tradicionais a partir do último quartel do século XX.

As fontes secundárias relativas às Operações Urbanas Consorciadas brasileiras analisadas chegam a um consenso sobre a pequena eficácia do poder público em direcionar o desenvolvimento urbano dentro e fora do perímetro de suas intervenções, constatação comprovada pela pequena quantidade de melhorias urbanas viabilizadas e pela incapacidade de criar espaços urbanos qualitativamente diferenciados e de promover quaisquer avanços sociais relevantes. Um fator que certamente contribuiu diretamente para o reduzido êxito destas operações é a pequena capacidade de investimento do poder municipal, que acaba sendo obrigado a se “render” aos interesses do investidor privado a fim de viabilizar qualquer tipo de melhoria urbanística (JENNY, 2005, p. 177). Esta situação se torna ainda mais dramática ao constatarmos que a propriedade fundiária dentro dos perímetros de intervenção é predominantemente privada, o poder público não tem capacidade de adquirir muitos dos lotes onde deseja intervir em favor da coletividade, e tem grande dificuldade em direcionar a atuação do capital privado no sentido de viabilizar seus projetos de transformação.

Outro fator que certamente prejudicou as operações urbanas brasileiras analisadas é a incapacidade de algumas administrações locais em estabelecer diretrizes de desenho urbano, parcerias, contrapartidas, prazos e prioridades de cada intervenção urbana. O caso francês das ZACs e de Paris Rive Gauche parece indicar um caminho para equacionar esta questão, confiando a empresas semi- publicas, com competente corpo técnico, a missão de detalhar o projeto urbano, firmar parcerias e implantar as intervenções. Em discussão no grupo de pesquisa Protagonistas do Ideário Urbanístico Europeu em São Paulo - 1910-2010, Hugo Louro destaca o fato das companhias semi-públicas francesas poderem contrair empréstimos de fundos privados, alternativa que as agências públicas brasileiras de desenvolvimento urbano não têm. Além disso as SEMs francesas podem contar com variados acionistas capazes de influir no direcionamento dos trabalhos da empresa, de forma que estas operadoras são menos suscetíveis a projetos políticos de uma determinada gestão municipal ou grupo político, apresentando maior

119 comprometimento com a sustentabilidade da operação, e menor vulnerabilidade a mudanças partidárias e de gestão municipal.

Entretanto, cabe destacar o caráter privativista e neoliberal que marcou tanto as Intervenções brasileiras quanto as francesas, estas até a SRU de 2000, pelo menos. Após visita de campo Eunice Helena Sguizzardi Abascal afirma que a ZAC Paris Rive Gauche apresenta predominância de zonas monofuncionais com pouca vitalidade urbana nos setores de Austerlitz e Tolbiac, abrigando um reduzido número de tipologias residenciais e corporativas, em similaridade ao quadro constatado na região de Água Branca (ALVIM et al., 2011). O setor Masséna apresenta maior urbanidade e fluxo de pedestres, o que parece se dever principalmente aos diversos edifícios educacionais distribuídos neste bairro, atraindo uma maior população e estimulando o fluxo pelas “vias qualificadas” concebidas por Portzamparc. Apesar disso constatou-se que os pavimentos térreos de alguns edifícios multifuncionais ainda estão desocupados, evidenciando que ainda será necessário um longo período até que a região constitua um cenário urbano similar ao das regiões de urbanização consolidada do quadrante Leste de Paris.

O grande diferencial entre as operações urbanas brasileiras e francesas parece repousar principalmente na maior capacidade de viabilização de melhorias urbanísticas por parte das autoridades francesas, que apresentam uma capacidade de investimento, planejamento e de mobilização do capital privado muito maior que a brasileira. Isso se baseia, fundamentalmente: 1) na operacionalização da intervenção por meio de uma agência autônoma, que passa a ser proprietária das áreas em questão e pode lucrar com a valorização resultante das melhorias previstas; 2) no princípio de controlar os terrenos objeto de intervenção, seja por aquisição, desapropriação, preempção, seja pela presença de terrenos públicos, seja pela incorporação dos proprietários (privados ou empresas/órgãos públicos ou mistos) como acionistas da agência operadora, mista com maioria estatal; 3) na facilidade de financiamento junto a bancos públicos ou privados, liberando empréstimos de baixo custo e longo prazo, compatíveis com o prazo de retorno dos investimentos, permitindo alavancar as operações com a aquisição de terrenos e as obras de infraestrutura; 4) na revenda ou concessão de imóveis e terrenos, e não apenas de potencial construtivo adicional; 5) na flexibilização de usos, coeficientes e

120 gabaritos no contexto de uma cidade fortemente regulada, gerando grande atratividade em regiões tradicionalmente desprezadas pelo mercado imobiliário.

A menor oferta de terras com boas condições de acessibilidade para empreendimentos na França, e em especial em Paris, também é um fator que deve favorecer a participação do setor imobiliário nas intervenções francesas. Enquanto o Projeto Eixo Tamanduatehy conta com uma área de 12 km² repleta de vazios e glebas passíveis de requalificação (TEIXEIRA, 2010), e a operação Água Branca, uma das muitas propostas apenas para o município de São Paulo, apresenta área de cerca de 487 hectares (MONTANDON; SOUZA, 2007), a maior intervenção urbanística da história parisiense recente apresenta uma área de apenas 130 hectares, equivalente ao perímetro da operação que pretende-se viabilizar em Jundiaí.

Devemos evidenciar que apesar da atuação do Estado francês no desenvolvimento urbano ser muito mais intervencionista que a dos poderes públicos locais brasileiros, prevendo ações diretas de urbanização e recuperação de mais valia para a coletividade ao invés de atuar em uma linha de negociação de exceções urbanísticas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, p. 11), as comunas também apresentam grande dificuldade em viabilizar melhorias sociais. Mesmo após as grandes modificações ocorridas a partir da aprovação da lei SRU no início da década de 2000, que coincidiu com uma crise imobiliária do setor corporativo na França, a concepção de Paris Rive Gauche continuou a apoiar-se em um programa voltado principalmente para a construção de escritórios (SEMAPA, 2014a), que certamente deveria continuar a conferir maior viabilidade ao empreendimento.

Apesar disso o enfrentamento da questão social parece estar avançando mais rapidamente na França com a aprovação da referida lei, uma vez que foi estabelecido um índice mínimo de habitações sociais de 20% em relação à quantidade total de domicílios de cada comuna (FRANÇA, Lei nº 1.208, de 13 de dezembro de 2000). Ao analisar o caso brasileiro da Operação Urbana Faria Lima, uma das que obteve o maior montante de recursos com contrapartidas, Montandon e Souza sinalizam a busca do poder público por prover habitações de interesse social principalmente para a população afetada diretamente por esta intervenção (2007, p. 102), mas não existe em sua análise sinal de que esta iniciativa esteja

121 ligada a uma diretriz municipal de resolução da questão da moradia. Os autores afirmam que os melhoramentos viários incentivaram a implantação de inúmeros empreendimentos de alto gabarito e função similar na região, gerando uma grande valorização da terra que ao invés de promover ganhos sociais resultou em segregação social e elitização do referido setor da cidade (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 108).

Finalizando cabe destacar que aprovação da lei SRU e a adoção do PLU propiciaram um alinhamento entre o conceito de planejamento global da cidade e as suas intervenções em escala micro-local (RIGAUDY, 2009, p. 235), na tentativa de evitar que operações como as ZACs resultem em fragmentos urbanos desconexos de seu contexto. Ainda é cedo para avaliar os resultados desta nova diretriz no tecido urbano francês, porém, ao observarmos os princípios do novo Plano Diretor de São Paulo podemos constatar a tentativa de promover alinhamentos similares no contexto da capital paulista, mais de uma década depois. (SÃO PAULO, Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014).

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