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2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS – INSTRUMENTOS PARA A

2.1. As Operações Urbanas Consorciadas Brasileiras

2.1.2. Mecanismos de implementação e gestão

Além dos incentivos urbanísticos identificados nos parágrafos anteriores, a possibilidade de alteração dos usos e densidades construtivas permitidas, o Estatuto da Cidade ainda prevê outros mecanismos para a viabilização das Operações Urbanas Consorciadas. Destaca-se a possibilidade de, dentro do perímetro destas intervenções, alterar o parcelamento dos lotes, regularizar obras executadas em desacordo com a legislação vigente e a concessão de incentivos a empreendimentos que utilizem tecnologias que reduzam os impactos ambientais e o consumo de recursos naturais na realização de requalificações urbanísticas (BRASIL, Lei nº 10.257/2001, de 10 de julho de 2001).

Embora estes incentivos sejam de grande relevância, atualmente o mais importante mecanismo de viabilização das Operações Urbanas Consorciadas é a concessão de potencial adicional de construção para proprietários e investidores privados (MONTANDON; SOUZA, 2007). No entanto, antes de descrevermos este mecanismo, devemos primeiro analisar conceitos que são de suma importância para sua compreensão: o Solo Criado e a mais-valia urbana.

O debate acerca da definição e aplicação do Solo Criado iniciou-se na década de 1970, partindo dos princípios “da função social da propriedade e da separação entre o direito de construir e o direito da propriedade” (BRASIL, 2009, p. 11), como

meios de conferir às administrações municipais maior controle sobre o uso do solo e sobre a valorização imobiliária. Em documento oficial o Ministério das Cidades compreende o Solo Criado como “a área edificável além daquela correspondente à aplicação do coeficiente de aproveitamento único ou básico do lote, estabelecido na legislação urbana municipal, a qual pode ser adquirida (...) pelo empreendedor”

(BRASIL, 2009, p. 12). A aquisição do Solo Criado poderia se dar através do oferecimento de contrapartida à administração municipal por parte do investidor, e

72 não necessariamente do proprietário do terreno, seja através da construção de equipamentos urbanos ou de pagamento em dinheiro, em valor proporcional ao ônus que esta área adicional do empreendimento acarretaria em termos do sobrecarregamento da infraestrutura existente.

Por mais-valia urbana compreende-se o processo de valorização do lote urbano, resultante de uma oferta rígida de solo, uma vez que este não é reproduzível, e uma demanda crescente por áreas para construção civil (SANDRONI, 2009, p. 135). Conforme afirma Sandroni este processo pode ser ocasionado por inúmeros fatores, como o crescimento demográfico das cidades, e também relaciona-se a condição de acessibilidade dos lotes, implicando em maior valorização de áreas mais acessíveis. O Estado é o principal provedor de infraestruturas de acessibilidade, implantando-as com recursos públicos, e até um passado recente os proprietários dos lotes que se beneficiavam desta urbanização se apropriavam da consequente valorização do solo sem oferecimento de qualquer contrapartida à sociedade.

Meios de combater este enriquecimento sem justa causa, evitando a apropriação integral da mais-valia urbana pelos proprietários, vêm sido discutidos desde a década de 1970, culminando com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 (SANDRONI, 2009, p. 136). Esta lei regulamentou a concessão de potencial construtivo adicional e a Outorga Onerosa do Direito de Construir, ferramentas que permitiriam o retorno de parte da valorização imobiliária decorrente da implantação de novos equipamentos urbanos para o Estado. Cabe destacar que desde os anos 1980 alguns municípios brasileiros, como São Paulo, já contavam com recursos que possibilitavam a captura de mais-valias urbanas, tendo de readequar suas leis orgânicas a fim de adaptá-las aos instrumentos formulados pela legislação federal.

A concessão de potencial construtivo adicional no contexto de uma Operação Urbana Consorciada pode ser compreendida como a concessão de Solo Criado dentro do perímetro e de acordo com as diretrizes urbanísticas previstas naquela operação urbana ao empreendedor privado, mediante o pagamento de contrapartida, podendo esta ser feita em dinheiro, usando certificados (títulos) negociados no mercado, ou na forma de áreas destinadas a usos públicos, de melhorias do sistema viário, de equipamentos, áreas verdes, habitação de interesse

73 social e outros investimentos de interesse coletivo realizados diretamente pelo empreendedor. A possibilidade de se construir mais em um determinado lote garantiria ao investidor a possibilidade de extrair maior rentabilidade do seu empreendimento, fator que incentivaria a participação do capital privado nos processos de requalificação urbana em andamento (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 79).

Atualmente a contrapartida paga pelo investidor em operações urbanas no município de São Paulo, e em outros municípios que seguiram esse exemplo, pode se dar através da compra de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs). Estes títulos públicos garantiriam ao seu proprietário o direito de construir adicionalmente nas áreas da operação urbana às quais estão vinculados, desde que respeitando o coeficiente máximo estipulado, além de poderem ser utilizados para promover alteração de uso do solo e de taxas de ocupação do terreno (SANDRONI, 2009, pp. 145 e 152). O cálculo do valor do CEPAC é fundamentado em índices que buscam garantir ao poder público local o retorno de uma porcentagem da mais-valia prevista, impedindo uma completa apropriação da eventual valorização por parte dos proprietários.

Embora o CEPAC tenha sido criado no município de São Paulo em 1995, a fim de financiar a extensão da Avenida Faria Lima dentro da operação urbana de mesmo nome, este título só veio a ser aplicado após a aprovação do Estatuto da Cidade, que aprimorou o conceito deste mecanismo e permitiu sua utilização em todo o território nacional (SANDRONI, 2009, p. 146). Os primeiros leilões eletrônicos de CEPACs na Bolsa de Valores de São Paulo ocorreram em 2004, comercializando títulos da Operação Urbana Água Espraiada e da revisão da Operação Urbana Faria Lima.

O Estatuto da Cidade estabelece que Operações Urbanas Consorciadas devem ser previstas no Plano Diretor municipal e posteriormente aprovadas em lei específica para cada caso, a qual deve conter o perímetro da intervenção, sua finalidade, um estudo prévio de Impacto de Vizinhança e os programas de ocupação do solo e de atendimento à população afetada (BRASIL, Lei nº 10.257/2001, de 10 de julho de 2001). Este projeto de lei também deve apresentar uma estimativa da área que poderá vir a ser construída excedendo o coeficiente básico de

74 aproveitamento, dividida em função do uso do solo previsto e uma cartilha de obras que se pretende viabilizar no seu perímetro (SANDRONI, 2009, p. 146), possibilitando a definição das contrapartidas. Estabelece-se então um valor de CEPAC mínimo para a operação urbana, que pode vir a corresponder a uma diferente metragem quadrada de potencial construtivo adicional para cada setor da intervenção, índice que varia em função do uso do solo e da valorização estimada (SANDRONI, 2009, p. 147).

Após a aprovação deste projeto de lei ocorre a liberação de lotes de CEPACs de setores da operação urbana para leilão, de forma que seu valor de venda pode vir a superar o mínimo se houver demanda do mercado. Cada lote comercializado é relacionado às obras que o poder público pretende viabilizar em uma determinada etapa da operação urbana, e os recursos obtidos devem ser gastos pelo gestor da operação com a construção destes equipamentos. Um novo lote não deve ser leiloado enquanto os títulos do anterior não se esgotarem ou enquanto as iniciavas financiadas anteriormente não forem concluídas (SANDRONI, 2009, p.151). A comercialização de CEPACs em lotes é um mecanismo de garantir mais recursos para o poder público, regular a oferta destes certificados favorece a sua valorização.

Conforme Sandroni, o capital obtido com as contrapartidas privadas só pode ser utilizado pelo poder público dentro de uma Operação Urbana Consorciada para regularização territorial, construção de projetos de habitação social, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, constituição de reservas de terras para iniciativas de interesse coletivo, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, preservação de áreas de interesse histórico ou cultural e criação de espaços públicos e áreas verdes (SANDRONI, 2009, p. 163). A fiscalização do emprego dos recursos obtidos com CEPACs é de responsabilidade da Caixa Econômica Federal, e a operacionalização e a gestão de Operações Urbanas Consorciadas está ligada a instituições subordinadas à administração municipal, como a Empresa Municipal de Urbanização, EMURB, da cidade de São Paulo (SANDRONI, 2009, p. 155).

Os CEPACs podem ser comercializados pelos investidores que os adquiriram do poder público, uma vez que este título, se não vier a ser utilizado para a construção civil, não pode ser resgatado junto ao Estado (SANDRONI, 2009, p.

75 155). A grande importância dada a este mecanismo por Montandon e Souza (2007, p. 79) justifica-se devido à sua capacidade de prover a Prefeitura com recursos antes mesmo de se iniciarem as intervenções urbanísticas nas áreas de operação urbana, ou seja, possibilita que uma administração municipal não tenha de desembolsar recursos para começar a intervir nestas áreas. Todavia, fica claro que a obtenção de contrapartidas é condicionada aos interesses do mercado pela área que deverá receber intervenções, o sucesso de venda de CEPACs em áreas de urbanização consolidada pode não se repetir em regiões periféricas.

Cabe destacar que apesar de apresentarem princípios semelhantes, a concessão de potencial adicional é um instrumento diferente da Outorga Onerosa. Embora ambos se utilizem do Solo Criado para recuperar mais-valia urbana, a aplicação de seus recursos tem destinos distintos. Enquanto a concessão, através da venda de CEPACs, angaria fundos para intervenções a serem realizadas exclusivamente dentro do perímetro de Operações Urbanas Consorciadas, a Outorga Onerosa do Direito de Construir, instituída sempre fora do perímetro das referidas operações, pode ter seus rendimentos aplicados em iniciativas em todo o território do município, viabilizando a construção de projetos habitacionais de interesse social, regularização fundiária, implantação de equipamentos urbanos, criação de áreas públicas de lazer e espaços verdes (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 81).

O inciso VII do Artigo 33 do Estatuto da Cidade (BRASIL, Lei nº 10.257/2001, de 10 de julho de 2001) estabelece que a forma de controle de uma operação urbana, ou seja, sua gestão, deve ser compartilhada com a representação da sociedade civil. Montandon e Souza (2007, p. 83) ressaltam que essas intervenções, a serem implantadas em um prazo de cerca de 20 anos, demandam um longo período prévio de preparação durante o qual são realizados estudos técnicos de viabilidade, estudos de impacto de vizinhança e ambiental (se demandados pela legislação municipal), e a interlocução da Prefeitura com grupos sociais diretamente afetados pela iniciativa. Após a finalização deste projeto de lei e sua posterior aprovação, processo que pode levar anos, deve ser estabelecido um Conselho de Gestão da operação urbana, composto por representantes do poder público e da

76 sociedade civil, os quais compartilhariam as decisões de investimentos dos recursos desta intervenção ao longo de seu período de implantação.

O sucesso de uma operação urbana estaria ligado, entre outros fatores, à capacidade do poder público em desenvolver uma gestão empreendedora, propondo e concretizando “projetos estratégicos que respeitem a função social da propriedade e a justa distribuição dos ganhos econômicos, urbanísticos e sociais”

(MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 83). Mas, como destacamos anteriormente, nas operações urbanas este empreendedorismo é condicionado aos interesses do mercado, uma vez que o poder público depende de contrapartidas para obter recursos para suas intervenções. Operações em áreas pouco valorizadas pelo capital privado vêm obtendo fracos resultados urbanísticos, sociais e financeiros, situação agravada pela falta de aplicação de instrumentos que penalizem a retenção especulativa de terrenos vazios, como o IPTU progressivo. Nestes casos o poder público estaria condicionado a exercer “uma gestão mais zeladora e menos indutiva das transformações estratégicas nas áreas de operações urbanas” (MONTANDON;

SOUZA, 2007, p. 83).

No tópico a seguir esta dissertação buscará analisar a aplicação de Operações Urbanas Consorciadas na Região Metropolitana de São Paulo, região do Brasil onde a utilização deste instrumento se encontra mais institucionalizada devido ao pioneirismo de alguns municípios, entre os quais se destaca a capital do Estado, que começou a se utilizar deste recurso desde a década de 1980. Com base na análise de fontes secundárias a pesquisa buscará constatar quais foram os ganhos sociais e urbanísticos decorrentes da aplicação deste instrumento, e quais questões serviriam como empecilho ao atendimento do seu objetivo principal: promover transformações urbanísticas em determinadas áreas, acompanhadas por valorização ambiental e melhorias sociais, envolvendo o poder público, a iniciativa privada e a sociedade no processo (BRASIL, Lei nº 10.257/2001, de 10 de julho de 2001).

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2.2. Casos Referenciais I - Operações Urbanas Consorciadas adjacentes ao