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2. OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS – INSTRUMENTOS PARA A

2.2. Casos Referenciais I Operações Urbanas Consorciadas adjacentes ao eixo

2.2.1. A Operação Urbana Água Branca

A Operação Urbana Água Branca foi instituída no ano de 1995 dentro da Subprefeitura da Lapa, situada na Zona Oeste do município de São Paulo. Seu objetivo principal era promover a melhoria do padrão de urbanização local, a ser atingida através de ampliação do sistema viário, aprimoramento da rede de drenagem, criação de equipamentos urbanos, espaços públicos e áreas verdes (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 108). O grande perímetro desta intervenção, que

78 compreende uma área de cerca de 487 hectares, apresenta uma ótima condição de acessibilidade devido à proximidade da Marginal do rio Tietê e de vias de grande importância na região, como as avenidas Pacaembu, Francisco Matarazzo, Santa Marina e Pompéia. O setor sul desta intervenção é atravessado longitudinalmente pelo eixo ferroviário da CPTM que comporta as linhas 7-Rubi e 8-Diamante, e apresenta também conexão com a rede metroviária paulistana através do Terminal Intermodal da Barra Funda, que integra as referidas redes e ainda abriga uma rodoviária. De acordo com Alvim, Abascal e Moraes o processo de desconcentração industrial ocorrido nas últimas décadas, combinado com as descontinuidades de tecido urbano impostas pela ferrovia e pelo Rio Tietê, levaram ao esvaziamento e degradação desta área (ALVIM et al., 2011).

FIGURA 2.1 - PERÍMETRO DA OPERAÇÃO URBANA ÁGUA BRANCA E ZONEAMENTO ATUAL

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de

<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/legislacao/planos_regionais/index.php?p=1884 >. Acesso em: julho de 2014.

Ao analisar o projeto de lei para esta operação, Castro (2006, p. 121) descreve que na década de 1990 esta iniciativa era considerada justificável pois a região, marcada por uma ocupação de baixa densidade decorrente da antiga

79 utilização industrial, seria adequada para mudar de função a fim de transformar-se em um polo de atividades terciárias, servindo como extensão da área central do município e do sub-centro da Lapa. A melhor condição de acessibilidade proporcionada pela infraestrutura metroviária teria sido outro fator que incentivou a formulação de iniciativas a fim de promover a requalificação desta área enquanto potencial sub-centro terciário.

Conforme descrito por Montandon e Souza (2007, p. 110), a ferrovia divide o perímetro desta intervenção em dois setores, Norte e Sul. Enquanto o primeiro apresentava os já mencionados espaços secundários desocupados ou subutilizados, o segundo poderia ser considerado uma área de transição entre as atividades industriais e o tecido urbano regular implantado sobre relevo acidentado do bairro da Barra Funda. A região Sul é ocupada por grandes glebas pertencentes à CPTM e por equipamentos urbanos relevantes, como o referido Terminal, o Memorial da América Latina, o Parque Antártica e áreas das antigas indústrias Matarazzo.

A proposta desta Operação Urbana continha um programa de obras que previa, entre outras benfeitorias, a construção de avenidas adjacentes à ferrovia, a melhoria do sistema viário existente, a criação de novas transposições sobre a linha férrea, a revisão do sistema de drenagem, o alargamento e arborização de passeios, a construção de estacionamentos e o financiamento de unidades habitacionais de interesse social dentro do perímetro (MONTANDON; SOUZA, 2007, p. 112). Para viabilização destas iniciativas foi definido um estoque de potencial construtivo adicional de cerca de 1.200.000 m², dos quais 900.000 m² seriam destinados a empreendimentos de uso não-residencial. Entretanto, esta operação também admitia que a iniciativa privada pagasse contrapartidas através da construção de equipamentos urbanos previstos no programa de obras, uma vez que foi concebida no mesmo período em que os CEPACs começavam a ser formulados.

A concepção desta intervenção partiu do pressuposto de que a flexibilização da legislação urbanística, com possibilidade de parcelamento de lotes, alteração do uso e do índice de aproveitamento do solo, seriam suficientes para, em conjunto com obras públicas, ocasionarem transformações urbanas profundas na região. Investimentos do setor privado seriam atraídos para a área desta operação

80 justamente pela possibilidade de promover adensamento construtivo em uma área que já contava com acessibilidade privilegiada (CASTRO, 2006, p. 135).

FIGURA 2.2 - Diretrizes viárias propostas para a operação Água Branca em 1992.

1 – Ligação viária entre a Av. Francisco Matarazzo e R. Tagipuru, com 50 m de largura e 120 m de extensão; 2 – Extensão da Av. Radial Norte do Terminal Barra Funda até a Av. Santa Marina, com 20 m de largura e 870 m de extensão;

3 – Extensão da Av. José de Melo Lorenzon a sul, entre a Av. Marquês de São Vicente e a diretriz 2, com 20 m de largura e 900 m de extensão;

4 – Extensão da Rua Mario de Andrade até a Rua Carijó, com 18 m de largura e 2.000 m de extensão;

5 – Pavimentação e infraestrutura da Av. José Melo Lorenzon, com 26m de largura e 870m de extensão e R. Quirino dos Santos, com 24m de largura e 800m de extensão;

6 – Repavimentação e arruamento da Sub-Área 2A (73.700 m²), da Sub-Área 2B (245.000m²) e parte da Sub-Área 5 (aproximadamente 235.000m²);

7 – Alargamento de passeios e implantação de áreas de estacionamento nas Avenidas Tomás Edison, Dr. Myses Kohen e Roberto Bosh (18.000m²);

8 – Passagem de nível na Av. Santa Marina com 300 m de extensão sobre o eixo ferroviário;

9 – Construção de viaduto sobre o Tietê em continuidade a Avenida Água Preta/Pompéia, segundo diretriz SVP/PROJ. Fonte: PMSP; SEMPLA. Participação da iniciativa na construção da cidade. Sempla, 1992, p. 22 apud Castro, 2007, p. 124.

A Empresa Municipal de Urbanização, EMURB, foi o órgão definido para fazer a gestão desta operação, formulando um grupo de trabalho cuja função seria analisar todas as propostas da iniciativa privada para o perímetro desta intervenção. Este grupo elaboraria pareceres que deveriam ser seguidos pelos empreendedores,

81 possibilitando a posterior submissão de seus projetos para a Comissão Normativa de Legislação Urbanística (CNLU), responsável pela aprovação dos empreendimentos a serem viabilizados dentro desta operação e pelo cálculo de contrapartidas para cada iniciativa (CASTRO, 2006, p. 136). Após parecer favorável da CNLU o empreendedor poderia firmar com a EMURB um Termo de Contrato especificando benefícios, contrapartidas, prazos, garantias e obrigações contratuais, podendo dar início às obras.

Para diversos autores é consenso que esta operação urbana atingiu resultados inexpressivos frente aos seus objetivos originais. Castro afirma que ao longo dos 8 primeiros anos dos 16 estimados para esta intervenção era prevista a captação de cerca de U$ 95 milhões em contrapartidas a serem pagas pela iniciativa privada. Contudo, a arrecadação após 10 anos de vigência da operação foi pouco superior a U$ 18 milhões, evidenciando que a municipalidade assumiu pressupostos completamente equivocados sobre a atuação do mercado imobiliário (CASTRO, 2006, p. 141). O autor também destaca que a região sul da operação, que já contava com dinamismo muito maior devido à sua melhor acessibilidade e proximidade de bairros em processo de renovação como Pompéia e Perdizes, desenvolveu-se muito mais que o setor Norte em função de processos dissociados dos promovidos pela operação.

Foi constatada também dificuldade por parte da EMURB em estabelecer parceria entre os diversos atores envolvidos no processo, como proprietários de grandes glebas, investidores, e até mesmo órgão públicos de diferentes instâncias responsáveis por viabilizar infraestruturas e edifícios institucionais na região (CASTRO, 2006, p. 142). Além disso, o programa de obras previsto não estabelecia claramente o agente responsável por cada construção, assim como os prazos, ordem de prioridades e origem dos fundos a serem empregados em cada iniciativa. Como a viabilização de equipamentos era condicionada ao aporte de recursos provenientes da captação de contrapartidas, que resultaram em um montante muito menor que o esperado, foram edificadas apenas uma pequena fração das benfeitorias previstas (CASTRO, 2006, p. 142).

Alvim, Abascal e Moraes ressaltam também como a ausência de um projeto urbano reduziu a efetividade e as chances de sucesso desta intervenção. As autoras

82 afirmam que as Operações Urbanas Consorciadas são instrumentos urbanísticos que introduzem “uma visão contemporânea que é solidária ao projeto urbano”

(ALVIM et al., 2011, p. 218), uma vez ambos que buscam, através da cooperação entre poder público e iniciativa privada, implantar iniciativas em um território a fim de promover melhorias sociais, urbanísticas e valorização ambiental.

No entanto, os referidos autores afirmam que a Operação Urbana Água Branca foi concebida sem um projeto urbano capaz de promover uma ocupação adequada da região, não oferecendo diretrizes para implantação do novo conjunto edificado. Restringia-se a fornecer um esquema de vias a serem implantadas acompanhando o aporte de recursos provenientes de contrapartidas da iniciativa privada e a sugerir o uso de solo em função da reserva de potencial adicional oferecido, uma vez que a maior parte do estoque destina-se a funções não residenciais, como citado anteriormente (ALVIM et al., 2011, p. 223). Atualmente os novos empreendimentos na região são prioritariamente residenciais, demonstrando a reduzida capacidade do poder público local no sentido de induzir o mercado imobiliário a seguir suas diretrizes.

Para Alvim, Abascal e Moraes, no início da década de 2000 o poder público municipal reafirmou interesse pela Operação Urbana Água Branca, criando um Grupo de Trabalho intersecretarial coordenado pela Sempla com o objetivo de reavaliar esta intervenção e formular diretrizes a favor do atendimento de seus objetivos originais (ALVIM et al., 2011, p. 224). As resoluções deste grupo deveriam buscavam promover múltiplos usos na região através da criação de uma trama viária mais densa na área, implicando no parcelamento das grandes glebas industriais. Além disso, para Moraes (2010), este grupo deveria fazer um novo mapeamento dos interesses dos empreendedores imobiliários, permitindo a elaboração de um projeto urbano que pudesse envolver os diversos atores no processo.

Como resultado da atuação deste grupo em 2004 foi realizado o Concurso Nacional do Bairro Novo, concorrência para elaboração de um projeto urbano para uma grande gleba dentro desta operação, na tentativa de induzir a participação do mercado na área e discutir relações entre plano e projeto (ALVIM et al., 2011, p. 225). O projeto vencedor, que apresentava uma diretriz volumétrica de edifícios que fazia referência à experiência de Barcelona, rompia com o paradigma de

83 condomínios verticais com torres isoladas. Propôs edificações de escalas variadas com gabarito de até 6 andares, integrando habitações de interesse social às outras construções previstas no programa. Até os dias atuais não existe qualquer previsão para viabilização deste projeto (ALVIM et al., 2011, p. 226).

FIGURA 2.3 - Perspectiva do projeto urbano vencedor do concurso Bairro Novo

Fonte: OLIVEIRA, Euclides. Projeto urbano Bairro Novo – uma reavaliação. Vitruvius – Arquitextos. 104.03, ano 09, jan. 2009. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.104/82>. Acesso em: julho de 2014.

A referida gleba do concurso, com área de mais de 25 hectares, foi comprada em 2008 pela Tecnisa. No mesmo período o poder público iniciou uma discussão com este novo proprietário a fim de viabilizar um novo projeto urbano para a área, assumindo que seria indispensável viabilizar um parcelamento do solo antes de permitir a implantação de qualquer empreendimento. Em parceria com a Tecnisa a EMURB definiu diretrizes para a ocupação desta gleba e de todo o perímetro de operação, priorizando questões como mobilidade de veículos e pedestres, reurbanização da orla ferroviária, habitações populares, sistemas de áreas verdes associados a drenagem e recuperação dos referenciais urbanísticos (ALVIM et al., 2011, p. 227).

Até o ano de 2010 poucas iniciativas formuladas pela EMURB para esta área transformaram-se em ações efetivas. Apesar disso, foi verificada uma intensificação da atuação do setor imobiliário dentro desta operação urbana a partir de 2004, com consumo de todo o potencial adicional destinado à função habitacional (MORAES, 2010). Para Alvim, Abascal e Moraes, atualmente a gestão do poder público tem sido pouco eficaz em aplicar os recursos captados nesta área de intervenção,

84 dificultando “a articulação desses empreendimentos com a cidade” e deixando de

promover a inclusão social (ALVIM, et al., 2011, p. 229).

De maneira geral, os autores constatam que na operação Água Branca prevaleceu a continuidade de um modelo de urbanização que beneficia os interesses e as práticas convencionais do mercado imobiliário, com priorização do uso do automóvel e de construções monofuncionais isoladas dentro do lote, seguindo tipologias corporativas e residenciais de alto padrão (ALVIM, et al., 2011, p. 229). A ausência de um projeto urbano estabelecendo as diretrizes desta iniciativa teria prejudicado a articulação entre a Prefeitura, empreendedores, proprietários e moradores da região (ALVIM, et al., 2011, p. 230), levando a uma prática de intervenção desarticulada, voltada para a viabilização de infraestruturas viárias atendendo aos interesses do mercado imobiliário, e não os da sociedade como um todo.