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HUMANOS OU COBAIAS? TRAJETÓRIAS DE CUIDADO E O DESAFIO DO DIREITO À SAÚDE DE PESSOAS TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trajetórias de cuidado das pessoas envolvidas nesta investigação nos levaram a refletir acerca do quanto pode ser tortuoso o caminho para que possam acessar a saúde pública.

Para chegarmos à compreensão da complexidade que envolve o tema, a contribuição da hermenêutica Gadameriana foi preciosa como método de pesquisa, trazendo à tona os preconceitos e as temáticas pertinentes, por meio da revisão sistemática da literatura. As entrevistas deram voz aos protagonistas desta história, viabilizando o debate com o campo.

Inicialmente não nos atentamos o quão profundo são os sentimentos que norteiam as vivências das pessoas trans. Além da bagagem que já trazem carregadas de privação de direitos, preconceitos, violência e discriminação, ainda há o movimento de luta constante para serem reconhecidas como são.

Suas histórias trouxeram a luz as principais dificuldades e avanços encontrados sob os seus pontos de vista, quando da tentativa de acesso aos serviços de saúde, o que pôde ser analisado através dos eixos temáticos.

Buscamos produzir dados, contribuindo positivamente para mudanças nesta realidade social que afeta a tantos(as), favorecendo a interface trabalhadores da saúde e pessoas transexuais que utilizam o SUS, através da sensibilização destes servidores, para que à eles, este movimento faça sentido e assim possamos enfrentar juntos o (des)acolhimento e a (des)assistência.

Nas entrevistas nos foram apontados como os principais avanços, a existência do ambulatório, como um ganho social, pois mesmo que não possuam verba própria para custear as consultas, exames e tratamento, é possível manterem-se no serviço, tornando-o um importante protagonista em termos de garantia da saúde. Conseguiram ali, seus laudos para a retificação do prenome e sexo judicialmente e a aquisição dos hormônios.

No que concerne às dificuldades de acesso, pontuaram a dificuldade de agendamento, a falta de informações, a constante falta de hormônios e a dificuldade para o uso do banheiro no local. Além disso, há trabalhadores que em razão de suas crenças, apresentam dificuldades em

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se desvencilhar da visão patologizante que cerca esta população, tratando-os como se fossem um CID. Muitos atuam no serviço, pautados em conceitos arcaicos sobre o tema, não compreendendo a construção dos gêneros, tolhendo a autonomia das pessoas transexuais em readequar seus corpos da forma que melhor se expressam.

Ademais, a pouca experiência dos serviços somada ao despreparo dos profissionais, os faz sentir constrangidos frente as equipes, fazendo com que experenciem a sensação de serem cobaias do serviço.

Como demonstrado em alguns estudos, é importante a inserção desta temática nos currículos das profissões correlatas à saúde, para que os profissionais, em sua formação, sejam orientados a esta prática.

Ponderamos neste estudo sobre as dificuldades para o acesso à saúde como direito, e o que ficou explícito foram: o (des)respeito, o (des)conhecimento, a falta de educação dos profissionais, o (des)interesse pelo trabalho e sobretudo, a (des)humanização, o (des)acolhimento, o preconceito e a discriminação que são barreiras predominantes.

Notamos que para garantia do direito à saúde desta população, é necessário que sejam reconhecidos pelos profissionais de saúde, dentro das suas singularidades. O desejo é que haja uma assistência livre de desumanidade e negligência no atendimento em razão das limitações próprias de cada profissional. Que possam ser tratados com dignidade, através da implementação e fortalecimento da política pública de saúde LGBT.

Há profissionais de saúde que não aceitam com naturalidade a questão da travestilidade e da transexualidade e nós não queremos aqui, ferir crenças, costumes ou valores, apenas ressignificar estas relações. O direito à saúde é indiscutível e enquanto profissionais prestadores de serviços no SUS, devemos ser imparciais e éticos.

Esperamos com esta pesquisa, poder contribuir com meios para sensibilizar e qualificar os trabalhadores e, possivelmente, tornar o serviço equânime, afinal nós somos o SUS! O acesso a saúde das pessoas transexuais deve perpassar as barreiras citadas neste estudo, sendo os cotidianos envolvidos pela construção do cuidado em corresponsabilização entre trabalhadores e as pessoas transexuais, os quais poderão responder ao desafio pela garantia dos direitos à saúde, através de um acolhimento humanizado, livre de discriminação, preconceito e violência, de maneira a fluir os projetos de felicidade de cada pessoa atendida.

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DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DA REDE DE CUIDADOS À PESSOA