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CAPÍTULO 3 ONDA NEOLIBERAL E INFLUÊNCIA NAS POLÍTICAS

3.2 CONSOLIDAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

Os pequenos produtores sofreram direta e negativamente o impacto das transformações agroindustriais a partir da ‘revolução verde’, que tecnificou muitas propriedades (sobretudo as grandes fazendas) e levou à ruína e ao êxodo muitos camponeses, que deixaram o campo por não conseguirem acompanhar as mudanças que transformavam agricultores em empresários rurais integrados ao sistema do agronegócio unidimensional. Com isso, segundo Pereira (2010), parte

significativa dos pequenos produtores que ainda tentava se estabelecer acabou impedida por conta dos juros altos e da retração do mercado interno e externo.

Todo cenário caminhava para o crescimento das reivindicações, por conta da situação difícil e das frustrações com a política. A eleição, ainda que indireta, de um presidente civil, em 1985, criava expectativas de que a reforma agrária entrasse realmente na agenda política (MST, 2019), o que não ocorreu. Com tudo isso, além de atender demandas dos camponeses, as políticas públicas eram realizadas, de um lado, sob pressão dos movimentos sociais do campo e de outro, tendia a atender aos interesses do capital/latifúndio e dos novos ditames do neoliberalismo.

Em meados da década de 1980, segundo Altafin (2005), os movimentos sociais do campo, especialmente através da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), ganharam mais espaço ao ampliar as reivindicações trabalhistas para demandas por terra e políticas agrícolas específicas. Ao mesmo tempo, novos grupos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), surgiam para encorpar a luta por um novo modelo para o campo. Esses eram, ao final dos anos 1970, quem mais pressionavam por políticas públicas para o meio rural. No final da década ressurgiram as ocupações de terra a partir do Rio Grande do Sul (MST, 2019). Posseiros, arrendatários, assalariados, meeiros e atingidos por barragens começaram a participar das ações, que se tornaram formas de pressão e contestação camponesa.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tornou-se a principal organização da luta pela reforma agrária, a partir da década de 1980. Algumas organizações anteriores serviram como embrião do movimento, entre elas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (Master), que organizou acampamentos na luta pela desapropriação, no início da década de 1960, antes do golpe civil/militar (FERNANDES, 2000). Outra importante organização, também criada nesta época, foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Segundo Fernandes, com o golpe civil/militar de 1964, a concentração de terras criou mais conflitos e na década de 1970 a questão agrária começava a se tornar um dos principais problemas a serem enfrentados pelo governo.

Ainda na década de 1960 surgiram as comunidades eclesiais de base que, a partir da ‘Teologia da Libertação’, apoiaram e participaram ativamente das lutas camponesas. Tal posicionamento ganhou mais importância a partir de 1975, quando

a Igreja Católica criou a ‘Comissão Pastoral da Terra’ (CPT), que foi articuladora dos movimentos camponeses surgidos durante o regime militar (FERNANDES, 2000).

Em 1979, 110 famílias ocuparam a Gleba Macali, no município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, área que era remanescente da luta pela terra da década anterior. De acordo com Fernandes (2000), essa ocupação marcou o início da formação do MST. A partir disso, outras ocupações aconteceram e no início da década seguinte as experiências de iguais ações no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo foram importantes para a união dos trabalhadores rurais sem terra. No dia sete de setembro, o governo gaúcho anunciou a retirada da Brigada Militar da Gleba Macali e autorizou os colonos a plantarem naquelas terras. A conquista da propriedade fortaleceu a ideia que os colonos tinham de ser assentados no próprio Estado (FERNANDES, 2000). Todos esses eventos mostram uma luta de resistência a governos que tinham clara predileção pelo latifúndio. Era uma maneira de obter algumas conquistas e manter acesa a busca de mudança de paradigmas.

Fernandes (2000) lembra que o Paraná é conhecido por lutas de resistência e levantes de camponeses e posseiros ao longo da história. Na década de 1980, seguindo essa tradição, conflitos foram registrados no Sudoeste do Estado, ampliando, assim, o clima de pressão que se veria nos anos seguintes. Os efeitos das políticas modernizantes da década anterior pesavam sobre os camponeses e os números mostram isso. Em 10 anos desapareceram 100 mil estabelecimentos rurais do Estado, a maioria de pequenos produtores, o que levou ao incremento da luta pela terra. A situação se tornava mais complexa com a construção de hidrelétricas, no estado, o que gerava mais e mais desapropriações (FERNANDES, 2000).

O principal impacto foi causado pela Itaipu Binacional, cujas obras, no Rio Paraná, iniciaram na primeira metade da década de 1970. Conforme registra Fernandes (2000), milhares de famílias foram afetadas pela obra, que atingiu oito municípios do extremo Oeste do Paraná. O governo prometera pagar preço justo pelas terras, mas não cumpriu e três anos depois poucas famílias tinham sido indenizadas e por um valor bem abaixo do esperado. Os posseiros foram os mais prejudicados, pois receberam valores ainda menores. Parte das famílias foi transferida para o Acre, o que fez com que, em 1978, as igrejas Luterana e Católica, além de alguns sindicatos de trabalhadores rurais, começassem um trabalho que gerou, em 1980, o ‘Movimento Justiça e Terra’.

Segundo Fernandes (2000), em 1981, ainda existiam pelo menos 500 famílias desalojadas por Itaipu sem indenização ou assentadas. A essas, se juntaram outras famílias interessadas na reforma agrária e que resistiam à proposta do governo, que era de transferir todos para o Norte ou Centro-Oeste do País. No início da década de 1980 surgiram movimentos em várias regiões, como o ‘Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Sudoeste do Paraná’, o ‘Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Norte do Paraná’, o ‘Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Centro-Oeste do Paraná’ e o ‘Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Litoral do Paraná’.

Tais grupos convergiam para uma união maior, incluindo organizações de outros Estados. Em fevereiro de 1983 foi criado o ‘Movimento dos Trabalhadores Sem Terra da Região Sul, que envolvia sem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo (FERNANDES, 2000). Esse movimento organizou o ‘1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra’, que aconteceu entre os dias 20 e 22 de janeiro de 1984, em Cascavel-PR, reunindo posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros e pequenos agricultores. O objetivo definido inicialmente era de lutar pela reforma agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna. Para isso, além de camponeses sem-terra, foi definido que eles iriam atrair trabalhadores rurais arrendatários, meeiros e pequenos proprietários, entre outros. O lema era ‘a terra para quem nela trabalha e dela precisa para viver’ (MST, 2019).

Em 1995, quando foi realizado o 3° Congresso Nacional, o MST contava com mais de 5 mil delegados, representando 22 estados, além de participantes da América Latina, Estados Unidos e Europa (MST, 2019). Naquele momento, o Movimento tinha como mensagem que a Reforma Agrária não era uma luta para beneficiar apenas os camponeses, mas uma forma de também melhorar a vida dos que vivem nas cidades, com a redução do inchaço urbano e, principalmente, com a produção de alimentos sadios e acessíveis aos trabalhadores. No ano seguinte foram incrementados os trabalhos de base para formação de grupos e famílias. Depois disso, o MST realizou várias ocupações em áreas desapropriadas em todo Estado. Tais ações tinham sempre como resposta a ação da Polícia Militar, cumprindo ordem de despejo. Até 1990, o MST havia conquistado 60 assentamentos no Paraná (FERNANDES, 2000).

Às vésperas da instalação do Programa de Vilas Rurais, em 1996, um grande latifúndio empresarial foi ocupado no centro-oeste paranaense por 3 mil famílias que

acabaram assentadas no ano seguinte. Essa foi considerada uma vitória significativa, que daria uma perspectiva diferente ao início da década, quando o governo Collor ampliou a repressão às ocupações e não deu sequência aos assentamentos (FERNANDES, 2000).

A partir de 1994, o número de ocupações aumentou consideravelmente e se o objetivo do governo era não fazer a reforma agrária, talvez fosse preciso dar uma resposta midiática, que apresentasse as políticas públicas implementadas para o campo como as ferramentas ideais de enfrentamento dos problemas de pequenos produtores e trabalhadores rurais. No Paraná, de 1990 a 1994 ocorreram 43 ocupações que envolveram quase 7 mil famílias. Já no período de 1995 a 1999 aconteceram 203 ocupações, com mais de 20 mil famílias (FERNANDES, 2000). Os grupos organizados ofereceram grande pressão ao Estado por programas que incluíssem os camponeses no projeto de desenvolvimento do País, segundo Altafin (2005). Na década de 1990, no plano nacional, foi reinserida a reforma agrária na agenda política (com a criação de vários projetos de assentamentos) e desenvolvido o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que foi a primeira política federal exclusiva para a produção familiar (ALTAFIN, 2005).