• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO FUNDIÁRIA: DA COLÔNIA À PROVÍNCIA DO

1.4 PRESENÇA EUROPEIA NA CONSOLIDAÇÃO CAMPONESA

Foi ainda no século XIX que imigrantes europeus começaram a chegar às terras paranaenses para ajudar a dar a conformação, dai em diante, do meio rural. Eles se somaram aos caboclos e escravos libertos como formadores do universo camponês local. Machado (1962) destaca que por essa época a família fazendeira adquiriu status elevado e poder político, principalmente depois da Independência do Brasil, em 1822, e da criação da Província do Paraná, em 1853.

Por outro lado, ainda persistia a carência de gêneros alimentícios. As poucas e pequenas plantações de feijão, arroz e milho existentes ao redor das vilas e cidades eram insuficientes para alimentar toda a população, o que ocasionava sucessivas crises de abastecimento, lembra Paz (1987). Com isso, ganharam força as ideias de políticas migratórias com o intuito de ocupar as terras e ainda tentar resolver a falta de alimentos, muito comuns na época.

No século XIX, as províncias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, mais tarde, Paraná, receberam milhares de famílias imigrantes da Europa. Seyferth (1986) destaca que, diferente do que ocorria em São Paulo, que visava principalmente trazer trabalhadores de fora para as fazendas de café, no Sul, o objetivo era mesmo a colonização de povoamento do território, com o estabelecimento de pequenos agricultores que produzissem alimentos básicos para o abastecimento local. Foi assim que na década de 1820 se estabeleceram as primeiras colônias alemãs no Sul do Brasil.

A maioria desses imigrantes se estabeleceu nas áreas de mata. Com isso, levaram para o interior do continente costumes e cultura próprios de seus países de origem. Mas também adquiriram hábitos e práticas de trabalho das populações mais antigas que ali viviam. Um texto clássico do professor Leo Waibel, publicado na Revista Brasileira de Geografia de 1949, destaca como era o panorama de então, lembrando que nos campos vizinhos dessas matas vivia o fazendeiro de origem luso-brasileira, instalado em grandes propriedades, com empregados e/ou escravos.

Quase todos os europeus que emigraram para o Sul do Brasil eram pobres e poucos tinham sido agricultores em seus países de origem e, até por isso, rapidamente adotaram os sistemas agrícolas dos caboclos (WAIBEL, 1949). Além disso, o autor diz que foi dado a tais colonos, tanto por parte do Império como das províncias e estados, pouca atenção à situação econômica. A maioria deles foi colocada em áreas remotas, muito longe de qualquer mercado urbano.

No caso específico do Paraná, como no século XIX a maioria da população se dedicava à indústria da erva-mate, piorava a situação do abastecimento. Faltavam produtos e os preços subiam em demasia. Foi tal quadro que motivou o governo da Província a desenvolver uma política migratória, como vinha ocorrendo nos estados vizinhos. A ideia era de que os imigrantes poderiam solucionar o problema da falta de alimentos com cultivos ao redor dos centros urbanos (CODESUL, 1978). Dessa maneira, a estrutura agrária do Paraná criou condições para a consolidação dos modelos de pequenos estabelecimentos rurais destinados à outra categoria, a do estrangeiro. A colonização atenderia então, na concepção dos governantes, às necessidades de ocupação do território e da exploração econômica da terra, coisa que os grandes proprietários não faziam, já que produziam alimentos, quando no máximo, para garantir a subsistência de seus moradores.

O modelo imigratório adotado no Paraná se orientou ao cultivo, principalmente dos produtos de consumo alimentar, em áreas bem menores do que aquelas das fazendas. Assim, partir de 1860, principalmente poloneses e ucranianos começaram a ocupar terras paranaenses. Segundo Waibel (1949), o plano era de estabelecer pequenas colônias. Entendia-se que assim o excedente da produção de alimentos podia abastecer as comunidades locais. O esquema, em geral, foi bem- sucedido, já que também foram abertas estradas ligando as colônias às cidades. Entre as décadas de 1870 e 1880, diversas colônias alemãs, polonesas e italianas surgiram, sempre a uma distância não superior a 18 quilômetros de Curitiba.

Colônias semelhantes também foram criadas pelo governo ao redor de cidades importantes, como Ponta Grossa, Castro e Lapa. Assim como na região de Curitiba, tais agrupamentos ficavam situados em regiões mistas de mata e campo. Embora várias tentativas não tenham resultado em efeitos positivos, principalmente por conta do solo, de baixa qualidade, o fato é que muitos europeus acabaram fincando raízes, tanto nas regiões de mata como nos campos. Alguns deixaram o meio rural e seguiram para as cidades, outros até mesmo deixaram o país, mas boa parte consolidou-se como produtora de alimentos, a partir de então.

Essas colônias se expandiram até o século XX, com a chegada de milhares de imigrantes poloneses, ucranianos, alemães, italianos, russos e holandeses. No meio dessas propriedades continuavam a existir as grandes fazendas, com criação extensiva de gado. Dessa maneira, observa-se, no período compreendido entre os séculos XIX e XX, uma mudança conceitual nas decisões políticas sobre o meio rural, que sempre privilegiou as relações com o poder para conceder enormes áreas de terra a latifundiários. A escassez de alimentos e a necessidade de preenchimento do território fizeram com que os governos abrissem espaço para outros produtores, no caso os estrangeiros, no meio rural. Como havia muita terra, foi possível concretizar tal política sem mexer na estrutura do latifúndio. Ao mesmo tempo, o caboclo, que já vivia em campos e matas, continuou relegado a um segundo plano.

Ocupar o território e produzir alimentos eram atividades que necessitavam da sustentação de uma infraestrutura mínima, como a abertura de estradas. O Estado alegava não estar preparado para realizar tal trabalho, dessa forma, aliou-se a empresas, principalmente estrangeiras, que, em troca de grandes extensões de terra, passaram a erigir as bases do capitalismo no campo e subjugaram toda e qualquer atividade do pequeno produtor (SERRA, 1992). Eles abriam estradas e

ferrovias e faziam os projetos de colonização. Essa foi a forma básica de ocupação das grandes áreas de terra roxa do Norte e Sudoeste paranaense. Assim, foi tomando forma a estrutura capitalizada do pequeno estabelecimento de um lado e a manutenção, intacta, do patrimonialismo e do latifúndio, de outro.

A Lei 601 permaneceu em vigor até 1891, quando a primeira constituição republicana atribuiu aos estados a competência de legislar sobre as terras devolutas. A partir daí é que o Paraná passou efetivamente a definir o destino da ocupação fundiária de seu território e a implantar o modelo de pequena propriedade, com a colonização de estrangeiros, num primeiro momento, e depois abrindo também, via a iniciativa privada, condições a brasileiros.