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CAPÍTULO 2 REVOLUÇÃO VERDE E MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA:

2.1 CAMPONÊS OU AGRICULTOR FAMILIAR: CONCEITOS E PARADIGMAS

2.3.1 Queda da cafeicultura e ascensão dos extensos campos de grãos

externo, a partir de uma rede de empresas que extraem a mais valia dos camponeses, segundo denuncia o autor. Ele inclui, na lista, multinacionais de processamento de grãos, grandes frigoríficos e outras empresas que já atuavam nesse modelo nos anos 1960.

Guimarães (2011) explica que o incremento do agronegócio não ocorreu de forma igual entre as regiões, já que algumas tiveram maior impacto da revolução verde que outros. De qualquer forma, interesses de latifundiários e do capital são os mesmos, dentro do sistema implementado no país. Dessa maneira, cabe ao setor agrícola, dentro do processo de industrialização, conforme lembra Rangel (2011), as funções de suprir o mercado de produtos de interesse do comércio exterior, além de liberar, reter ou mesmo reabsorver mão de obra, dependendo das circunstâncias.

É o caso do Sudoeste e do Norte paranaense na comparação com o Paraná Tradicional. Mas não é apenas na comparação entre regiões que os números destoam. De acordo com relatório do Conselho de Desenvolvimento do Extremo Sul – Codesul (1978), a produção de soja, por exemplo, exige um pacote tecnológico que precisa de um aporte financeiro elevado. O mesmo ocorre com a pecuária tecnificada e suas pastagens plantadas. As duas atividades também necessitam de grandes áreas para alcançar a produção em larga escala. Assim, o capital financeiro, comercial e industrial se articularam com a produção agroindustrial que passou a beneficiar, via-de-regra, os grandes produtores, aqueles com maiores áreas e capital. O crédito rural dos programas de governo deu sustentação para a adoção de tecnologias industriais na lavoura.

2.3.1 Queda da cafeicultura e ascensão dos extensos campos de grãos

O avanço do interesse oficial, via políticas públicas, em apoiar a produção de soja no País, encontrou condições adequadas na região Norte do Paraná, onde a cafeicultura estava em crise. Até a década de 1960 o café representava 42,6% da área plantada no Paraná (PADIZ, 2006), portanto, a cultura era, na região Norte, a principal fonte de existência de pequenos produtores e trabalhadores rurais, já que boa parte do produto era plantado em pequenas lavouras e no regime de parceria. Nesse período, os reflexos dos novos tempos começaram a ser sentidos em território paranaense com a expansão de diferentes culturas temporárias. Soja, trigo

e milho se consolidavam na pauta de produtos agrícolas com introdução de tecnologias e mecanização dos campos (ROLIM, 1995).

Até meados da década de 1970, o café era o principal produto da economia paranaense. A produção cafeeira no Estado correspondia à metade da produção nacional e à terça parte da produção mundial. Na década de 1960, o Governo Federal criou o Grupo Executivo de Racionalização da Agricultura. Um dos seus principais objetivos era erradicar e plantar novos pés de café para tornar a produção mais eficiente. Isso ocorreu em um momento em que o mercado cafeeiro entrava em crise (PRIORI et al, 2012). Mas, segundo Serra (2015), as grandes safras da década também contribuíram para selar o destino do setor, ou seja, a proposta não era apenas replantar, mas reduzir o número de cafeeiros. De acordo com o autor, baseado em dados do IBGE, de 1962 a 1966 foram erradicados 249 milhões de pés de café no Norte do Paraná, o que teria levado ao desemprego de 290 mil trabalhadores (SERRA, 2015).

No Paraná, a extensão rural, que já estava consolidada, foi chamada a participar e em 1966 tiveram início as atividades de erradicação de cafezais por parte da Acarpa/Emater, em convênio com o IBC (Sepulcri, 2005). Assim, ao se eliminar pés antigos de café, não foi o replantio a principal proposta, mas sim a diversificação da produção agrícola. O estímulo principal era para a produção de soja de forma integrada com o setor agroindustrial.

Com a política de erradicação, as lavouras de café tiveram uma redução de 59% em 15 anos, entre 1970 e 1985, segundo Priori et al (2012). No lugar dos cafezais, o que se via agora eram vastos campos de soja no verão e trigo no inverno, sem contar o incremento da área de pastagens, na ordem de 32%, no mesmo período, no Norte e Noroeste. Serra (2015) descreve o cenário que se via

É como se passasse uma borracha sobre as marcas da colonização. No lugar das tradicionais lavouras de café surgem as lavouras mecanizadas de soja, trigo e milho, e as pastagens plantadas para pecuária de corte; no lugar do paiol de telha e do terreiro surgiram os silos e secadores; no lugar das lavouras diversificadas, que garantiam uma relação com o mercado e a subsistência dos trabalhadores, as lavouras especializadas, direcionados para o mercado; no lugar da horta, do pomar, do galinheiro e da cocheira, os depósitos de máquinas e de venenos agrícolas (SERRA, 2015 p.26) O autor lamenta que toda estrutura anterior, construída em um período não superior a quatro décadas, foi destruída para o avanço do agronegócio. A mudança de uma fase a outra ocorreu de forma muito rápida e quem sofreu os efeitos foi o

trabalhador rural, proprietário ou não. Em menos de cinco anos, a partir da geada de 19756, a concentração fundiária já era uma realidade no Norte do Paraná. Serra

(2015) destaca que alguns produtores, assediados pelos bancos, decidiram tentar a sorte, financiar tratores e se aventurar no cultivo da soja, dentro de um modelo desenvolvido para a grande propriedade. A maioria deles não deu conta de pagar ao banco e perdeu a pouca terra que tinha. Portando, a política de erradicação do café representou desocupação de grande parte da mão de obra (PADIZ, 2006).

Exatamente por já ter uma concepção capitalista de produção e um cultivo do café em baixa, o Norte foi por onde iniciou a revolução verde no Paraná. Depois, segundo Cunha (2015), se estendeu em direção a outras regiões, de acordo com as condições de adaptação tecnológica. Para isso, foram implantadas políticas públicas de incentivo à sojicultura, que incluíam créditos agrícolas generosos. Já na década de 1970 cresceu o plantio de soja e trigo e a produção de alimentos para consumo in natura e café reduziram. De acordo com a análise feita pelo Codesul (1978), no final daquela década não havia tanta disponibilidade de terras no Paraná. Portanto, a hipótese levantada no relatório é de que a expansão das áreas de grãos e pastagens se deu em detrimento de outros produtos e, também, da concentração fundiária, o que pode ser confirmado pelo elevado êxodo rural do período. O próprio relatório aponta para um ‘novo momento’ na utilização da terra no Estado.

Pode-se perceber a expansão da produção de tipo capitalista, que se apresenta basicamente responsável pelos produtos essencialmente comerciais, como soja, trigo, algodão, cana-de-açúcar e parte da pecuária de leite. A característica fundamental deste tipo de produção e uso mais intensivo de capital, tanto para compra de insumos máquinas e terras como na contratação de trabalhadores, que entram no processo produtivo com apenas sua força de trabalho, recebendo somente o salário como remuneração (CODESUL, 1978 p. 188).

Nesse período, a agricultura do Estado, de uma forma geral, se encontrava em transição. A análise feita no relatório do Codesul (1978) é de que podia, naquele momento, estar se acelerando o ‘movimento modernizador’, onde a forma de produção que é típica da agricultura camponesa não encontrava espaço no modelo capitalista. O pequeno produtor não tinha recursos ou crédito para se inserir na proposta industrial e aquilo que ele produzia, tradicionalmente, não interessava à nova estrutura de industrialização. O mesmo relatório concluiu que o Paraná, naquela época, era um estado de uma agricultura diversificada, sem vocação

6 Em julho de 1975 uma forte geada dizimou os cafezais do Norte do Paraná, praticamente acabando com a cafeicultura na região, naquele período.

monocultora, mas essa era uma característica dos pequenos produtores, policultores. Foi exatamente a partir da expansão das commodities que o quadro começou a mudar. Entre os anos de 1960 e 1980 observou-se grande incremento no cultivo de soja e trigo, principalmente, conforme se observa na tabela abaixo.

TABELA 1: Crescimento da área colhida entre 1960 e 1980 CULTURA Entre 1960/70 (%) Entre 1970/80 (%) Feijão 106,6% 3,2% Milho 123,2% 15% Arroz 123,6% -13,4% Trigo 248,6% 456,3% Soja 5.913,3% 695,5% Fonte: Codesul (1978)

Como se pode observar, a soja era a novidade da agricultura paranaense durante a década de 1960, com um crescimento de quase 6 mil por cento, índices que estão calcados na introdução da cultura no Estado. Mas mesmo na década posterior o crescimento foi impressionante, chegando a quase 700% de aumento da área. Mesmo o trigo, que ocupava os campos após a colheita da soja, no inverno, teve a área aumentada em duas vezes e meia. Outras importantes culturas de grãos também tiveram crescimento sensível, mas nada comparado com a soja. Como as fronteiras agrícolas do Estado, no período, já estavam praticamente tomadas, a análise do Codesul é de que tal crescimento se deu em detrimento de outras lavouras. Mas é importante destacar que a área ocupada continuava em expansão nos 10 anos em questão. Tal crescimento não ficou restrito ao Norte do Estado, em pouco tempo a sojicultura se expandiu por todas as regiões (Fajardo, 2007).

Já na década seguinte, apenas o trigo e a soja, culturas altamente tecnificadas e industrializáveis continuaram com crescimento significativo. Milho e feijão, lavouras típicas de pequenas áreas, praticamente permaneceram inalteradas. Se for comparado com números relativos às questões fundiárias do período, a presença das culturas nos campos pode ser explicada pelo avanço da grande propriedade e recuo do pequeno produtor, que deixava o campo na época. A tabela abaixo mostra a dinâmica observada no meio rural paranaense em um período de 20 anos, entre 1960 e 1980.

TABELA 2: Total de estabelecimentos rurais, no Paraná, de acordo com a área ESTABELECIMENTOS 1960 1970 1975 1980

Até 50 há 231.114 513.897 432.347 404.895 De 50 a 100 há 21.450 22.311 33.879 25.131 Mais de 100 há 16.482 18.245 22.531 23.886

Sem declaração de área 191

TOTAL 269.046 554.453 478.857 454.103 Fonte: Relatório Codesul (1978)

No período de 10 anos, entre 1960 e 1970, houve um intenso crescimento no número de estabelecimentos rurais, ainda como reflexo dos processos recentes de colonização das terras do Oeste/Sudoeste do Estado e da conclusão da ocupação do Norte do Estado. Já nos 10 anos sequentes foi registrada a redução de mais de 100 mil estabelecimentos de pequenos produtores rurais. O período coincide com a consolidação da revolução verde e da agroindustrialização do Paraná. Durante todos os anos, de 1960 a 1980, a grande propriedade apresentou contínuo crescimento numérico, enquanto as médias também tiveram queda nos últimos cinco anos da década de 1970. Os números são reveladores sobre a exclusão da agricultura familiar dos projetos modernizadores.

A intensificação do modelo produtor de commodities transformou a atuação no atendimento aos produtores rurais. O braço do Estado no interior das políticas públicas para o meio rural, nesse período, acompanhava a lógica determinante da agenda do agronegócio. Já que o Paraná se consolidava como grande produtor de grãos, na época, pacotes tecnológicos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) eram difundidos pela extensão rural para incremento do setor.

2.4 AGROINDÚSTRIA CONSOLIDA A CADEIA PRODUTIVA MODERNIZANTE