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CAPÍTULO 3 ONDA NEOLIBERAL E INFLUÊNCIA NAS POLÍTICAS

3.4 PENSAMENTO TEÓRICO SOBRE O PROJETO RURAL

Há um discurso por trás da proposta do ‘Projeto Paraná 12 Meses’ que está contextualizado no espaço e no tempo e encontra efetivação dentro de determinadas conjunturas, como as que levaram a todo processo histórico de ocupação do território, formação de uma elite rural/urbana e de um campesinato paranaense. As condições do momento favoreceram o incremento de um discurso que pode ser analisado a partir dos conceitos de unidimensionalidade (Marcuse) e imposição opressora (Freire).

Entende-se, neste trabalho, que o discurso oficial do ‘Projeto Paraná 12 Meses’ propunha um modelo de desenvolvimento para o pequeno produtor que atrelava tal público ao agronegócio. Dessa maneira, os projetos ocultavam as discussões de movimentos sociais do campo. A opção por determinadas abreviaturas linguísticas, como ‘agricultura familiar’ se sobrepondo a outros de enfoques mais contestatórios, como ‘camponês’, que caiu no esquecimento nos discursos oficiais e de mídia, mostram tal posicionamento.

Dessa forma, a análise de discurso será realizada na busca de indícios dessas abreviaturas linguísticas nas propostas do ‘Projeto Paraná 12 Meses’ e que ecoaram pelos meios de comunicação através de releases das assessorias de imprensa do governo do Estado e mesmo de matérias jornalísticas. A partir disso, essas posições eram levadas como verdade única ao receptor das notícias.

Além da unidimensionalidade, este trabalho apresenta a visão freiriana sobre o modelo industrial capitalista. Para Paulo Freire (1987), existem as figuras do opressor e o oprimido, do invasor e da comunidade invadida nas relações econômicas e sociais e é dessas amarras que a estrutura rural precisa se libertar. Nesse sentido, o grande capital internacional, as empresas multinacionais e os representantes do agronegócio no país podem ser relacionados com o opressor e a massa trabalhadora e pequena proprietária com o oprimido.

Na obra ‘Pedagogia do Oprimido’, Freire (1987) destaca quais são as formas de opressão, quem são as pessoas oprimidas e as maneiras, às vezes sutis, outras nem tanto, como tal ação ocorre, deixando claro de que se trata de uma discussão sobre luta de classes, mas com uma análise da forma de agir de cada um. Nesse sentido, diz que há uma falsa generosidade nos opressores, que têm necessidade da permanência da injustiça para continuarem agindo de forma a parecerem bondosos. Tal classe se mostraria, então, contrária à igualdade e liberdade, pois só se sente bem se estiver em posição superior.

Freire (1987) destaca que a classe opressora desenvolve uma convicção de que pode transformar tudo em poder de compra, o que leva a uma concepção estritamente materialista da existência. O dinheiro é a medida de todas as coisas e o lucro o objetivo principal. “Ter mais, na exclusividade, não é um privilégio desumanizante e inautêntico dos demais e de si mesmos, mas um direito intocável” (FREIRE, 1987, p. 30). Já as massas oprimidas passam a ser depósitos de conteúdos domesticadores do conhecimento que é favorável aos opressores. No fundo, acredita, a invasão é uma maneira de dominação cultural e econômica, realizada por uma sociedade matriz, metropolitana, sobre a população dependente. O objetivo é fazer com que os invadidos passem a ver a realidade a partir da lógica dos invasores, assim, aceitando como seus, os propósitos trazidos de fora do seu próprio mundo. Procura-se, com isso, manter o ‘status quo’, afastando a ameaça de que uma visão crítica da realidade cause anseios por mudanças. Em qualquer

atividade a convicção dominadora, segundo o autor, é de que lhe cabe transferir, levar ou entregar à população técnicas e conhecimentos.

Por outro lado, Freire (1987) considera que, em muitos casos, o oprimido teme a liberdade e se refugia naquilo que lhe traz segurança, que muitas vezes significa seguir as propostas dos opressores, pois estas lhes parecem coerentes. O reconhecimento de si mesmos se encontra, segundo o autor, prejudicado pela realidade opressora oferecida. Nessas condições, o comportamento dos oprimidos é feito sob pautas estranhas a eles, pertencentes aos invasores.

Ao opressor interessa enfraquecer o oprimido cada vez mais (FREIRE, 1987), o que é feito de diversas maneiras. A dominação se dá a partir da propaganda, slogans e outras formas de manipulação, muitas delas veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Alguns métodos tentam passar a impressão de que são altruístas e que as ações têm a intenção de ajudar. A invasão cultural surgida daí impõe aos dominados a sua visão de mundo.

Os oprimidos, quando conseguem se sobressair, ao atingir uma nova condição, passam a agir como os opressores, que representam aquilo que reconhecem como uma aspiração (FREIRE, 1987). Há nisso uma clara cópia do modelo do dominador como forma de desenvolvimento prevista. Por outro lado, o objetivo da classe chamada opressora é manter seu estilo de vida sem nenhuma alteração. O autor considera que enquanto a classe subalterna não conseguir reconhecer tal situação não pode participar de um projeto de libertação. “Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo” (FREIRE, 1987, p.20).

O que parece indiscutível para Freire (1987) é que se o objetivo for buscar a libertação do homem, o primeiro passo é não o alienar e sim utilizar um processo dialógico, que é a essência para educação como prática de liberdade. A simples entrega do conhecimento a trabalhadores, urbanos ou camponeses, não surtirá os efeitos desejados. Para o autor, a concepção de ensino proposta não pode ser a da imposição de conhecimentos, como se os educandos fossem meros recipientes vazios, aptos a receber conteúdos.

O que ocorre na ação entre opressores x oprimidos, segundo Freire (2001) é claramente perceptível no meio rural. Para o autor, a partir da invasão, o conteúdo que é entregue aos agricultores reflete a visão de mundo daqueles que a levam e que é superposta à visão daqueles que recebem. São propostas exógenas, em

pacotes fechados, não apenas para os produtores rurais, mas também para os executores dos programas, que estão mais diretamente ligados aos agricultores, ou seja, os extensionistas de campo. O modus operandi prevê a substituição dos conhecimentos tradicionais do meio rural pela nova realidade, vinda de fora.

O invasor reduz os homens do espaço invadido a meros objetivos de sua ação [...] Os primeiros atuam, os segundos têm a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra e os segundos são proibidos de dizer a sua, escutam a palavra do primeiro [...] O invasor pensa sobre os segundos, jamais com eles. Esses são pensados por aqueles. O invasor prescreve e os invadidos são pacientes. (FREIRE, 2001, p. 41)

No aspecto tecnológico, os trabalhos surtem resultados. O problema, segundo Freire (2001), reside no fato do produtor não participar de forma horizontal do processo decisório. A crítica freiriana é de que o extensionismo cumpre um papel de persuasão da população rural para que esta aceite a propaganda do agronegócio, o que fica longe de ser uma ação educativa. Persuasão e propaganda não são conciliáveis com educação, na avaliação do autor, que considera que os processos educacionais devem buscar a prática da liberdade. Qualquer conteúdo técnico, comercial ou ideológico, para ele, é domesticador.

Os programas rurais, para Freire (2001), não são de apoio ao produtor rural, mas de imposição dos modelos do agronegócio, com uma superposição do novo sobre o velho e não propriamente uma passagem de uma para a outra. Os pacotes apresentados podem atender a interesses da indústria, que quer vender produtos, mais do que do produtor rural. O modelo ideal, segundo o autor, deveria privilegiar a apreensão do conhecimento a partir de uma decisão própria do produtor rural. Mas a tomada de decisão, na modernização tecnicista, não se acha na área em transformação e sim fora dela, segundo Freire (2001).

O movimento libertador se apresentaria de outra forma, com a decisão naquele que se transforma e não como uma forma mecânica de introdução de conhecimentos. Parece claro para Freire (2001) o equívoco ao qual pode conduzir o conceito de extensão: o de estender um conhecimento técnico. O correto seria, através de uma comunicação eficiente, obter uma compreensão mútua entre camponeses e agrônomos. Assim, a busca não deve ser limitada a desenvolvimento de técnicas ou comercialização, mas a uma transformação cultural.

Freire (2001) destaca que a tendência do extensionismo é cair facilmente no uso de técnicas de propaganda e de persuasão. Ao simplesmente prescrever

opções, o extensionista irá manipular e “coisificar”, o que o fará estabelecer uma relação de domesticação que pode ser disfarçada como inofensiva. A comunicação é essencial para levar conhecimento, que não pode ser reduzido a uma simples relação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscível.