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CAPÍTULO 4 UNIDIMENSIONALIDADE DO AGRONEGÓCIO PRESENTE

4.2 FORMAS DE DIVULGAÇÃO DO PROJETO VIA COMUNICAÇÃO SOCIAL

4.2.7 Os donos da narrativa do ‘Paraná 12 Meses’

Como visto na apresentação do ‘Projeto’, no capítulo três, sempre foi divulgado, até com exaltação, que os beneficiários teriam participação direta na elaboração das propostas e aplicação dos recursos, junto com os conselhos municipais. Seria um trabalho horizontal, de forma ‘freiriana’, por assim dizer, embora os elaboradores não referenciassem Paulo Freire no ‘Paraná 12 Meses’. Para Freire (2001) é um problema justamente o fato de o produtor não participar do processo decisório, algo presente nos documentos apresentados pelo Governo do Paraná. Os beneficiários seriam os protagonistas principais e não objetos passivos de ações que o staff governamental definiu como paternalistas/assistencialistas (PARANÁ, 1997, p.11).

Assim, as propostas seriam implementadas a partir das comunidades, de baixo para cima, nos municípios, via escritório local da Emater, dentro daquilo definido como prioridade pelos conselhos municipais. Ou seja, havia um filtro, feito pelos setores representativos sobre onde investir. Além do conselho municipal, o ‘Projeto’ contava com comissões regionais e estadual (IPARDES, 2006).

Se a comunidade era a base das ações, com a decisão partindo dos envolvidos, seria legítimo que esta horizontalidade aparecesse no discurso de matérias, releases e artigos, não apenas como citação, mas também pela voz do público beneficiário como ator/sujeito. O critério nove (como demonstra o quatro 1) da pesquisa teve como objetivo investigar a horizontalidade do ‘Projeto’ a partir da identificação dos sujeitos das matérias jornalísticas, artigos e releases. Partindo dessa premissa, a pesquisa mostrou que tal não ocorreu.

As principais vozes presentes no discurso do ‘Projeto’ foram as oficiais, em diferentes níveis. Na maioria dos textos aparece o governo estadual, com constantes aparições do governador Jaime Lerner; do secretário de Estado da Agricultura e do Abastecimento, Antônio Leonel Poloni e do secretário da Habitação, Rafael Dely (por conta das vilas rurais). Também surgiram diretores e presidentes de outras empresas de governo envolvidas com o Paraná 12 Meses. Tais atores atuaram com vozes políticas, principalmente, embora, em alguns momentos se arriscassem em explicações técnicas. Os representantes do governo também predominaram quando se tratava do staff do projeto, nos diversos níveis. Nos planos regionais e municipais, foram recorrentes as presenças de chefes de núcleos regionais da SEAB, Cohapar e Emater. Técnicos do Estado, principalmente da Emater, foram ouvidos para explicar os projetos realizados, enquanto as chefias regionais se dividiram entre a parte política e técnica.

As vozes oficiais dos municípios apareceram com muita frequência, principalmente em assuntos menores, de repasse de recursos em localidades e distritos. Prefeitos, secretários municipais e vereadores eram os encarregados de agradecer e elogiar o governo do Estado pelo projeto, sempre apontado como o maior já desenvolvido no Paraná. Técnicos municipais que atuavam em parceria no atendimento aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais beneficiários fizeram declarações. Profissionais do Estado, falavam como vozes técnicas.

Deputados estaduais governistas tiveram presença constante em matérias de repasse de recursos. Frequentemente se aproveitavam politicamente para serem os

portadores dos cheques nas solenidades em que eram entregues os valores aos comerciantes. O posicionamento dos jornais deixava clara uma postura de dar espaço a esses políticos, que muitas vezes tentavam passar a impressão de serem os responsáveis por conseguir o dinheiro. Termos como “o maior investimento já feito” e “revolução no campo”, são frequentes nas declarações publicadas.

Matérias e releases também deram destaque para representantes do BIRD em momentos de avaliação do ‘Projeto’ e à iniciativa privada, através de indústrias e cooperativas envolvidas em parcerias. Os produtores beneficiados apareceram, invariavelmente, como personagens, enquanto instituições representantes de grandes produtores também tiveram espaço para falar do projeto.

Não é objetivo desta tese quantificar o conteúdo, mas a tabela ‘9’ serve como ilustração dos atores que deram entrevistas para matérias e releases ou mesmo tiveram artigos publicados referentes ao ‘Paraná 12 Meses’. A variedade de vozes é relativamente alta, com representantes de governos estadual e municipal, produtores e iniciativa privada.

TABELA 10 – Atores presentes no discurso noticioso do ‘Paraná 12 Meses’

ATORES VEZES

Vozes do Governo Estadual, em geral. 61

Governador Jaime Lerner. 13

Secretário de Estado da Agricultura, Antônio Leonel Poloni. 19 Secretário de Estado da Habitação, Rafael Dely. 10 Chefes de núcleos regionais e escritórios municipais de SEAB, Codapar, Cohapar e Emater.

18 Técnicos do governo do Estado (principalmente da Emater). 39

Prefeitos. 35

Vereadores. 4

Representantes de secretarias ou órgãos municipais. 6 Técnicos municipais envolvidos com o Projeto. 8

Deputados e autoridades políticas. 49

Iniciativa privada (representantes de cooperativas e agroindústrias). 5 Instituições representantes de grandes produtores (Ocepar e FAEP). 4

Staff do projeto. 22

BIRD e visitantes estrangeiros. 4

Pequenos produtores e vileiros. 35

Representantes do agronegócio foram vozes favoráveis e elogiosas à proposta de aproximação dos projetos à lógica de mercado. Por outro lado, instituições ligadas ao pequeno produtor ou ao campesinato, em nenhum momento foram ouvidas. Quanto à equipe técnica, teve o papel de tratar das questões operacionais e produtivas, sempre que ouvida.

QUADRO 15: Fala técnica dos profissionais e opinião de grandes produtores Técnicos do “Paraná” 12 Meses elaboram diagnóstico

A prioridade é o combate à pobreza e, nesse sentido, feito para determinar o plano de ação do programa (sic) para este ano. – Engenheiro agrônomo da Prefeitura de Ponta Grossa e presidente do Conselho Municipal, Gerson Ribeiro Sobrinho.

Diário da Manhã 18/03/1998

“Paraná 12 Meses” reúne conselhos já formados

[...] Segundo o chefe regional da Emater, Oscar Weller, as principais atividades devem se concentrar na reforma de casas, saneamento básico e proteção de fontes de água.

Diário da Manhã 04/03/1998

Fábrica do Agricultor com licença ambiental

“O bóia fria coopera com o grande produtor, sendo, às vezes, até indispensável. Assim, o grande produtor recebeu a Vila Rural com aprovação. – Ênio Batista Rosas, grande produtor. Diário da Manhã 23/06/2001

O governador Jaime Lerner e secretários de Estado são as principais vozes oficiais no que diz respeito à apresentação e defesa do ‘Paraná 12 Meses’, da sua linha neoliberal e em favor do agronegócio. Em todos os instantes que aparecem suas falas, tratam do mercado competitivo e de quanto é necessário estar capacitado e profissional para atender as exigências do setor. Prefeitos e políticos surgem como distribuidores dos recursos e portadores de elogio ao ‘Projeto’, principalmente nos releases oficiais.

QUADRO 16: Vozes políticas favoráveis à ‘modernização’ Lerner garante apoio ao campo

“O desafio do mundo, hoje, na opinião de Jaime Lerner, é reabilitar o pequeno agricultor. Ele diz que o mundo globalizado não pode deixá-lo de lado, e vai avançar mais quem souber melhor apoiar esse produtor. Sem esquecer de introduzi-lo na área da alta tecnologia”. Folha de Londrina 28/07/1999

Assinado convênio para três vilas rurais

“[...] Gente que sempre teve muito pouco e não acreditava mais na possibilidade de melhorar de vida. Com as vilas, estamos devolvendo a esperança e a alegria a esse público [...]” - Rafael Dely, secretário da Habitação do Paraná.

O Paraná 17/02/2001

Paraná 12 Meses libera oito projetos para Maripá

Segundo o prefeito Dorival Moreira, este é um projeto de grande alcance social e por isto é uma das prioridades.

O Paraná 05/10/2001

Nova Santa Rosa recebe recursos do PR 12 Meses

O prefeito Antônio Caldeira de Moura, acompanhado do secretário de Agricultura, Egon Bredlau, e representantes de órgãos do governo do Estado, trabalha para que pequenos produtores do município continuem recebendo benefícios.

O Paraná 16/03/2001

Agricultura: Rusch entrega recursos do Paraná 12 Meses

“O mais importante é que o Paraná 12 Meses não empurra de cima para baixo. É no próprio município que as prioridades são eleitas”. – Deputado Élio Rusch

O Paraná 03/01/2002

Plauto diz que “Paraná 12 Meses será mais um marco do governo na região Entrevista com o deputado estadual Plauto Miró Guimarães Filho.

A tabela ‘10’ aponta para uma presença significativa de vozes de pequenos produtores. Em todos os casos, trata-se de beneficiários do ‘Paraná 12 Meses’, principalmente moradores de vilas rurais. Mas a observação quantitativa é insuficiente para a análise. A leitura do conteúdo dos textos mostra que não se trata de uma fala participativa, no sentido de construção do projeto, e sim de legitimação e elogios ao trabalho desenvolvido. Os pequenos agricultores presentes em matérias e, principalmente, releases, surgem apenas como “personagens” para dizer o quanto estão felizes com o que o governo está fazendo para eles; comparar o “antes e o depois” dos investimentos, sempre com vantagem para o depois; ter uma voz de agradecimento e dizer que jamais conseguiriam sozinhos. Cabe a eles uma narrativa subalterna que serve como recurso ao texto que, a partir disso, pode confirmar a eficiência do projeto proposto. Evidente que tais falas, no jargão jornalístico, são pinçadas após a indução do entrevistador para que digam exatamente isso.

QUADRO 17: Beneficiários do ‘Paraná 12 Meses’ como personagens do discurso Ovos e doces melhoram a vida de vileiros

“Isso aqui caiu do céu, nunca estive tão bem [...] Vendemos cerca de 70 vidros por mês. Somente com os doces, aumentamos a nossa renda mensal em R$ 140,00”. – Joaquina Brás da Silva, moradora da Vila Rural Nova União, de Céu Azul.

O Paraná 14/02/2001

Vileiros montam panificadora

“Todos estão animados com a oportunidade de, além de um pedaço de terra, poder investir em um próprio negócio” – Jorge Corrêa, presidente da Associação de Moradores da Vila Rural Esperança, de Itaipulândia.

O Paraná 12/02/2001

Café é nova alternativa de renda para vila rural

“Hoje me sinto realizado e posso garantir que jamais tive tanta fartura na mesa” – Lúcio Traieski, morador da Vila Rural Luz da Terra, de Braganey.

Diário da Manhã 25/02/2001

Paraná 12 Meses em Campo Bonito

‘Para Terezinha Schmegel da Silva [...] o benefício será de grande utilidade’. “Vamos construir mais um quarto em nossa casa e trocar parte do telhado” – pequena produtora beneficiada com recursos do Combate à Pobreza.

O Paraná 04/03/1998.

De uma maneira geral, foi registrada grande variedade de vozes no discurso de matérias, releases e artigos, mas elas apareciam sempre em consonância, repetindo o mesmo consenso. Ao contrário do que se propõe o jornalismo, não havia oposição ou “o outro lado”, nem mesmo em matérias dos veículos de comunicação.

Autoridades geralmente falavam em nome dos beneficiários, definindo o que era bom ou ruim para eles e que o ‘Paraná 12 Meses’ era um estímulo para produzir

mais que foi dado a quem nunca teve nada. Já os políticos, principalmente prefeitos e deputados, surgiam como responsáveis pela conquista dos recursos ou, no mínimo, como os grandes parceiros do Estado, claramente com discursos feitos e sem grande conhecimento do tema. A equipe técnica aparecia algumas vezes para dar explicações sobre projetos.