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CAPÍTULO 2 REVOLUÇÃO VERDE E MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA:

2.1 CAMPONÊS OU AGRICULTOR FAMILIAR: CONCEITOS E PARADIGMAS

2.2.1 Reflexos das políticas públicas na condição agrária paranaense

Ao longo de todo esse período, as políticas públicas ou políticas de governo impactaram no desenvolvimento nacional e, também, no território paranaense. O Paraná começou o século XX ainda com vastas áreas praticamente desabitadas, mas em apenas 60 anos, até a década de 1960, todo território já estava ocupado, o que significou uma ampla mudança na estrutura fundiária e agrária do Estado, condicionada por políticas que incentivaram a colonização de largas extensões de terras devolutas. O número de estabelecimentos rurais saltou de 89.461, em 1950, para 554.488, em 1970, segundo o IBGE, o que levou a que muitos considerassem que ocorreu uma revolução agrária no Paraná, neste período (CUNHA, 2003).

Se as colonizações estrangeiras permitiram que houvesse certa alteração nos tamanhos e funções dos estabelecimentos do Paraná Tradicional, no século XIX, ampliando, a produção de alimentos, a colonização com migrantes brasileiros trouxe outra dinâmica, com a participação de empresas privadas atuando na venda de áreas. Tal medida fez com que as regiões Norte e Oeste ganhassem características mais voltadas para a produção comercial/capitalista no meio rural, além da ampliação do percentual de pequenos estabelecimentos rurais. Nessa época, nas regiões de colonização mais antiga, ainda persistiam algumas formas tradicionais de produção, como é o caso das grandes propriedades dos Campos Gerais, que continuavam a praticar, principalmente, uma pecuária extensiva.

De seu lado, os pequenos produtores, que sempre estiveram excluídos das políticas de governo, buscaram a conquista de espaços, principalmente pelas Ligas Camponesas. Tais movimentos tiveram grande importância em outras regiões, como

no Nordeste, nos momentos de grande concentração de terras e aumento das desigualdades sociais (MARQUES, 2008). As ligas camponesas começaram a ser formadas a partir de meados da década de 1940, segundo Fernandes (2000), como forma de resistência camponesa à expropriação e expulsão da terra, além do processo de assalariamento. As ligas foram criadas em quase todos os Estados e reuniam camponeses proprietários, parceiros, posseiros e meeiros. Tais estruturas contavam com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nas ações que consistiam em ocupações em defesa da reforma agrária. As ligas foram violentamente reprimidas quando o governo Dutra, em 1947, declarou o PCB ilegal. Depois foram aniquiladas com o golpe militar de 1964 (FERNANDES, 2000).

As ligas chegaram ao Paraná a partir de conflitos com empresas de colonização, na década de 1950, no Norte e no Sudoeste do Paraná. A ação de partidos de esquerda e do operariado influenciaram a organização no campo (ALTAFIN, 2005) exatamente quando as políticas públicas focavam na chamada modernização da agricultura. Os problemas vinham desde duas décadas antes. Segundo Priori (2012), na década de 1930 o Paraná contava com 5,9 milhões de hectares em litígio, principalmente por conta da grilagem de terras no Estado.

Também na década de 1930, o Brasil começou a avançar, ainda que devagar, no processo de industrialização, inicialmente para substituição das importações e depois com diferentes modelos de atração de capital externo. As transformações tiveram reflexos no campo. Tais operações significam a utilização de insumos industrializados, como sementes melhoradas, fertilizantes, defensivos e mecanização das lavouras. A modernização submeteu a agricultura à indústria na entrega de pacotes completos para a produção e na imposição do que plantar, absorvendo ainda o produto cultivado para a transformação, fazendo da lavoura uma extensão da fábrica.

A revolução verde começou no início do século XX em países centrais, industrializados, da Europa, e nos Estados Unidos. No Brasil, o uso de tecnologias modernas começou no Sul/Sudeste, lentamente, com a aquisição de tratores e insumos por alguns produtores. De acordo com Silva (1981), a industrialização era apresentada como uma “fórmula milagrosa”, para gerar desenvolvimento agrário.

Percebe-se que na década de 1950 havia um entusiasmo governamental pela urbanização do Brasil e pelo incremento da industrialização a partir da atração de capital estrangeiro, especialmente concentrado no Sudeste do País. Dessa forma,

era preciso ampliar a produção agrícola que daria sustentação ao modelo e o desempenho do setor era considerado insatisfatório, o que ajudava a aumentar a pressão pela reforma agrária. Por isso, dentro das políticas então desenvolvidas, a agricultura se tornava parte do projeto de urbanização do país (PRIORI et al 2012).

A estrutura agrária brasileira não assimilava as modernas técnicas agrícolas, segundo Gonçalves Neto (1997). Portanto, na visão governamental, era preciso modificar rapidamente o setor para apresentar maior eficiência. Por conta disso, todos os mecanismos utilizados pelo governo, de acordo com o autor, foram direcionados para a lógica da modernização. A partir da década de 1950, as novas tecnologias começaram a aparecer no campo, mas foi depois de meados da década seguinte que o processo dominou todas as propostas para o meio rural. Priori et al (2012) destacam que o Estado se responsabilizou por desenvolver políticas de cunho macroeconômicos que aperfeiçoassem tecnologicamente a agricultura brasileira, o que ajudou no processo de modernização conservadora do setor rural.

Entre as décadas de 1950 e 1960 foram registradas importantes mudanças qualitativas no setor agrícola brasileiro. Nesse período, nas grandes propriedades, começaram a ser encontradas culturas tecnificadas, dentro do processo de atrelamento da agropecuária à indústria e com participação efetiva da ampliação de crédito e das pesquisas estatais (ROLIM, 1995). Tais medidas, como destaca Silva (1981), mostram que há no País, desde o início, uma forte aliança entre o capital industrial e a grande propriedade, derrotando qualquer possibilidade ou proposta de democratização da terra. No meio disso, o Estado participa oferecendo o principal instrumento de efetivação, que é o crédito rural, sempre privilegiando o grande produtor, que tem a terra como garantia e outras facilidades junto aos bancos. Dessa forma, o patrimonialismo foi se apoderando dos benefícios do que seria a ‘modernização’ proposta pela ‘revolução verde’.

Assim, são ocupadas novas áreas e transformadas outras tradicionais. As mudanças na agricultura paranaense, com implantação de áreas de soja e ampliação das áreas de trigo, fazem parte das decisões políticas da época, quando quase todos os insumos ditos modernos eram importados (DELGADO, 2012).

O Plano de Metas (1956-1961) do Governo Federal inseriu a alimentação entre os setores a receber incentivos, junto com energia, transporte, indústrias de base e educação. A agricultura, então, se encontrava relativamente marginalizada, se comparada com o processo de desenvolvimento urbano-industrial. As metas

permitiram aumentar o número de máquinas e implementos na agricultura nacional. De acordo com Silva (1981), nessa época se instalaram no país as principais indústrias de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas. A agricultura se constituía cada vez mais no mercado não de bens de consumo, mas de meios industriais de produção. Delgado (2012) destaca que houve, na época, aumento na frota de tratores e consumo de fertilizantes, porém de forma tímida, se comparado com os níveis europeus e norte-americanos. De acordo com levantamento do IBGE, o país contava com 8.372 tratores em 1950. Dez anos depois, em 1960, já eram 61.345 máquinas, um crescimento acima de 700% (DELGADO, 2012).

Para incentivar tais práticas, o governo federal, através dos bancos públicos, passou a oferecer crédito acessível e preço mínimo. Isso permitiu o aumento na produção e produtividade das lavouras sustentada pelos subsídios estatais (SILVA, 1981). As medidas beneficiaram a produção de larga escala nas grandes propriedades, o que mais uma vez favoreceu a concentração de renda. Ou, como afirma Silva (1981), as políticas de estímulo à adoção de novas tecnologias não atingiram as pequenas unidades agrícolas, principalmente aquelas que se dedicavam à produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade.