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CAPÍTULO 3 ONDA NEOLIBERAL E INFLUÊNCIA NAS POLÍTICAS

3.5 UNIDIMENSIONALIDADE DISCURSIVA

A partir da crítica freiriana, percebe-se que tal modelo encontra ressonância nas ideias do sociólogo e filósofo ‘frankfurtiano’10 Herbert Marcuse, que acusa a

sociedade industrial moderna de promover um pensamento único de desenvolvimento. Segundo Bastos (2014), a sociedade globalizada, para Marcuse, é a do homem unidimensional, que se refere principalmente a um modo de vida que seja condizente com o capitalismo e com uma tendência totalizante de sociedade. Tal pensamento leva à ideia da mercantilização de todos os setores em um espaço em que a ‘unidimensionalidade’ ultrapassou fronteiras com o seu paradigma econômico e visa a subjetividade, a partir do simbolismo (BASTOS, 2014).

O conceito da sociedade unidimensional surgiu no contexto sombrio da Guerra Fria, quando todas as ações podiam ser justificadas e aceitas pelo medo, segundo Marcuse (1973), que diz que nessas circunstâncias, os meios de informação em massa têm mais facilidade em fazer aceitar os interesses particulares como sendo interesses da sociedade. Dessa forma, negócios são levados adiante com apoio político ou até transformados em políticas públicas, como sendo propostas racionais, contra as quais não é sensato ser contra.

A unidimensionalidade de Marcuse (1969) aponta para o aspecto de que a tecnologia leva ao controle social pela dominação da técnica e à dominação do pensamento, também, o que significa a racionalidade como controle. A perspectiva ‘marcusiana’ tem origem, necessariamente, no desenvolvimento tecnológico, daí é tecida toda crítica, não à tecnologia, mas ao modelo social desenvolvido a partir dela. Douglas Kellner11 (MARCUSE, 1998) diz que Herbert Marcuse distingue a

tecnologia como uma maneira de organizar e manter as relações sociais. Kellner destaca que o aparato tecnológico da indústria moderna, na perspectiva marcusiana, submeteu o indivíduo à dominação de todo o aparato social.

10 Marcuse foi um dos principais nomes da Escola de Frankfurt, que reuniu pensadores de concepção marxista e desenvolveu a Teoria Crítica da Cultura e da Sociedade de Massa.

Segundo Kellner (MARCUSE, 1998), conforme o capitalismo e a tecnologia se desenvolvem, o paradigma industrial passa a exigir cada vez mais da sociedade submetida ao aparato unidimensional. A racionalidade tecnológica estabelece padrões impostos socialmente. Dessa forma, o caminho se apresenta como dado pela tecnologia e segui-lo parece não apenas racional como razoável, o que faz com que o indivíduo que pensa ser livre acabe cooptado pelo modelo oferecido.

O projeto racional proposto pela modernidade leva o indivíduo a uma determinada submissão aos paradigmas racionalistas. Dessa forma, desenvolve um conjunto de valores e verdades próprios que estão a serviço do capital. Ao mesmo tempo, a crescente especialização, cada vez mais presente nas atividades cooptadas pelo mercado, é outro aspecto notório, como é o caso da própria agricultura, segundo Marcuse (1998).

O paradigma de desenvolvimento da mecanização e da racionalização faz com que os mais fracos ou menores acabem por se submeter ao domínio das grandes corporações industriais (MARCUSE, 1998). A busca da eficiência competitiva favorece sempre o poder econômico, que domina os mercados e tem maior capacidade de investimento em tecnologia. Nessas circunstâncias, são ditadas a quantidade, a forma e o tipo de mercadorias a serem produzidos. Herbert Marcuse questiona a produtividade, que passa a ser um fim por si só, independente da necessidade, apenas voltada para o aumento dos lucros (BASTOS, 2014).

Marcuse (1973) destaca que a estrutura hierárquica se mantém pela racionalidade, enquanto explora com eficiência cada vez maior os recursos naturais e mentais, gerando mais desigualdade. O autor diz que “a racionalidade e a manipulação técnico-científicas estão fundidas em novas formas de controle social” (MARCUSE, 1973, p. 144), daí que a noção de neutralidade da tecnologia não se sustenta, uma vez que não pode ser vista isolada do uso que lhe é dado. Isso confirmaria a ideia de que a sociedade tecnológica funciona como um sistema de dominação, presente no conceito e na elaboração das técnicas.

A tecnologia institui formas eficazes de controle e coesão social, que se disseminam também para áreas menos desenvolvidas e até mesmo pré-industriais, segundo Marcuse (1973), onde a revolução social e a reforma agrária são cabíveis, como nos países subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento). Para essas regiões, o autor não defende a industrialização dentro dos padrões das chamadas sociedades

desenvolvidas, o que propõe é uma adequação a modelos autóctones, que garantam, assim, o conhecimento e cultura locais.

O pensamento ‘marcusiano’ é de que o progresso parece ser possível, desde que em áreas nas quais os recursos naturais sejam libertados da usurpação e suficientes, não só para a subsistência, mas também para o crescimento. Isso exige uma política planejada que, em vez de simplesmente sobrepor novas técnicas aos estilos tradicionais de vida e trabalho, amplie e melhore suas próprias bases, eliminando as forças opressivas e exploradoras. O desenvolvimento tecnológico se insere em um universo político com um projeto histórico específico, avançando para a ocupação de todo tempo de trabalho, ou tempo livre, dos indivíduos. A racionalidade técnica está personificada no paradigma capitalista. Isso não se aplica apenas às fábricas e ferramentas, mas também à forma de trabalhar. Marcuse (1973) diz que a imposição do modelo fabril é tão forte que não se altera em nenhum sistema político, nem no capitalismo, nem no socialismo.

A automatização, que pode ser vista também no pequeno estabelecimento rural, com a inserção dessa classe de agricultores à cadeia agroindustrial, traz aceleração do trabalho, desemprego tecnológico, revigoramento da posição da gerência, impotência e resignação crescentes por parte dos trabalhadores (MARCUSE, 1973). Segundo o autor, o homem acaba tendo sua liberdade de ação restrita quando se sujeita ao paradigma do progresso técnico, ainda que lhe apareçam, devido ao aparato tecnológico, sinais de liberdade e comodidade.

Marcuse (1973) também avalia que o mundo moderno traz uma aparência de igualdade, mas pessoas consumindo os mesmos produtos não indica o desaparecimento de classes e sim a extensão das necessidades e satisfações que objetivam a preservação do status quo. A sensação de pertencimento leva a uma tomada de posição em defesa ao paradigma tecnológico/mercadológico. No âmbito da divulgação, de acordo com o autor, a linguagem favorável a modelos e instituições glorifica o que é proposto e intimida qualquer posição contrária.

Aquilo que a princípio se apresenta como tecnológico é político, uma vez que a transformação da natureza é a transformação do homem, podendo revolucionar ou retardar a sociedade. “Na construção da realidade tecnológica não há uma ordem científica puramente racional, o processo da racionalidade tecnológica é um processo político” (MARCUSE, 1973, p. 162). Dessa forma, a eficácia e a produtividade atendem a interesses particulares das grandes corporações. Nesse

caso “o governo é uma força estimulante, sustentadora e por vezes até controladora” (MARCUSE, 1973, p. 38) de tais interesses. Ao estilo próprio da Teoria Crítica frankfurtiana, o autor considera que a sociedade unidimensional oferece uma forma pura de servidão, de existir como um instrumento ou uma coisa. Assim, a superestrutura produtiva sobre uma base social infeliz, penetra o meio e os agentes da publicidade moldam o universo no qual o comportamento da unidimensionalidade se expressa. Diante de tal quadro, o autor propõe um movimento de contracultura dentro da cultura institucionalizada, movimento antagônico nas instituições hegemônicas, uma política de resistência ao modelo imposto e assim ter um ‘homem emancipado’ em vez do ‘homem unidimensional’ (MARCUSE, 1969).

A aplicabilidade da análise ‘marcusiana’ da unidimensionalidade no Projeto Paraná 12 Meses, implantado em um ambiente de governos neoliberais, se encontra nas propostas de utilização de novas tecnologias que vem de fora para dentro e atendem não diretamente às necessidades dos pequenos produtores, mas principalmente aos interesses das grandes corporações multinacionais. Percebe-se que o projeto determina a legitimação do pensamento único para o campo ao sugerir a adoção de novas tecnologias a uma classe que poderia ter outras técnicas e propostas para o próprio desenvolvimento.

Há pelo menos mais duas questões centrais na aproximação do conceito de unidimensionalidade com as políticas do governo Jaime Lerner para o campo. Uma delas é o programa de Vilas Rurais, que em diferentes momentos apresentou discursos como sendo uma alternativa para a reforma agrária. Dessa forma, estimulava a opinião pública contrária aos movimentos de trabalhadores rurais sem terra. Outra é a própria adoção da abreviatura linguística de agricultor familiar em vez de camponês, o que filia o projeto ao modelo agroindustrial.