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CAPÍTULO 4 UNIDIMENSIONALIDADE DO AGRONEGÓCIO PRESENTE

4.1 DOCUMENTOS PESQUISADOS PARA ANÁLISE DO PROJETO

4.1.1 Projeto Paraná 12 meses – Síntese

O ‘Projeto Paraná 12 meses – Síntese’ é um manual lançado em 1997 para orientação de extensionistas e participantes dos conselhos. São 28 páginas que explicam detalhadamente o convênio e orientam sobre como proceder e quais são os objetivos. Além do já citado uso do conceito de agricultura familiar, dentre as orientações e explicações, o texto defende que o uso de tecnologias é a melhor alternativa para a pequena propriedade e que é possível mudar os sistemas de produção com uso de novas técnicas. O livreto não explica quais são, mas fica claro que se trata do uso de produtos desenvolvidos pela agroindústria transnacional, quando se fala em aumento de produtividade, por exemplo. Não destaca formas alternativas, apenas a tecnologia e, ao não descartar o que é comumente usado e fazer comparações com o agronegócio, logo, conjectura-se que é esse negócio o defendido. O conceito de tecnologia racional é uma decisão ideológica, como observaria Marcuse (1998). Fica mais claro quando trata das ‘propriedades de referência’ que usarão insumos e máquinas difundidas pela agroindústria.

[...] contribuir para viabilizar a recuperação dos solos, via manejo e uso dos recursos naturais de forma sustentada, com base em alternativas tecnológicas que aumentem a produção, produtividade e a renda do produtor rural [...] (PARANÁ, 1997, p.14)

A estrutura econômica da época direcionava o ‘Projeto’, que buscava, além da melhoria dos solos e das habitações, inserir o pequeno produtor na lógica de mercado do agronegócio. Estava entre os objetivos específicos do ‘Paraná 12

Meses’, apresentados no documento síntese, o aumento da capacidade competitiva frente à abertura de mercado e a redução do papel do Estado na economia.

Apoiar mecanismos de aumento de ingressos de renda na unidade produtiva, e aqueles que propiciam maior capacidade de competição frente a abertura de mercado e a redução da participação do Estado no processo econômico. (PARANÁ, 1997, p.14)

O ‘Projeto’ sugere a inserção do pequeno produtor ao modelo do agronegócio de maneira a aceitar tal unidimensionalidade ou se tornar inviável. “A agricultura familiar (...) deve apropriar-se das oportunidades que se apresentam, sob pena de se tornar inviável e agravar a questão social” (PARANÁ, 1997, p.10).

Em todo o momento, o documento dá ênfase aos “novos tempos” neoliberais de abertura de mercado e defesa da iniciativa privada e, ao mesmo tempo, faz críticas a posições que oferecem maior presença do estado em políticas de apoio social. Na introdução do livreto isso fica claro a partir da informação, em tom de denúncia, de que nas últimas décadas a economia brasileira como um todo continha muito protecionismo e investimentos públicos que, assim, escasseavam o crédito.

Nota-se que se trata de uma defesa dos interesses do setor financeiro, que defendia e defende o estado mínimo e que posições contrárias ao mercado financeiro levam à marginalização dos mais pobres. O documento corrobora as informações históricas de que a opção neoliberal se deu a partir da década de 1980, com mudanças liberais que redefiniram qual é o “papel do Estado” e davam ênfase a abreviaturas linguísticas como eficiência e competição.

O documento defende a redução dos subsídios, privatização, abertura do mercado, entre outras medidas. Um texto introdutório com tal discurso afirma que o ‘Paraná 12 Meses’ seria trabalhado dentro dessa linha, logo, em consonância com o setor pertencente ao neoliberalismo, ou seja, o agronegócio e suas estruturas. Os beneficiários seriam, então, subordinados a essa lógica, ainda que o projeto tratasse da ideia de se construir junto e não para o pequeno produtor. O documento traz outros textos que merecem destaque na análise discursiva. O próprio fato de se tratar de uma parceria com o Banco Mundial (BIRD) já indica o direcionamento pró- mercado, já que a instituição tinha determinantes neoliberais.

Importante destacar que o texto reconhece as falhas da década de 1970 quando, devido à intensa mecanização, aconteceram problemas ambientais como

erosões, que levaram à perda de produtividade. Mas em nenhum momento aponta os responsáveis pelo que ocorreu, como se todos tivessem responsabilidade.

A intensificação da mecanização na década de 70 foi acompanhada do crescimento da perda de solo devido à erosão, pondo em risco a produtividade das lavouras. (PARANÁ, 1997, p.6)

Os problemas ambientais, de infraestrutura e econômicas do pequeno produtor foram levantados para a implantação do Projeto e daí desenvolvidos os subcomponentes que deveriam fazer frente aos entraves observados. O relatório procura descrever as situações difíceis de renda, alimentação, produtividade, atividade e moradia para justificar o projeto.

As condições de moradia da população rural do Estado são precárias. Do total de domicílios rurais, somente 56,3% são próprios e 43,7% são domicílios cedidos ou ocupados [...] considerando-se a média de 4,36 pessoas por família e que 31,5% das moradias possuem apenas um cômodo servindo como dormitório, pode-se questionar a qualidade do descanso e recuperação de energia gasta num dia de trabalho, bem como as condições de higiene. (PARANÁ, 1997, p.4)

Também como justificativa do ‘Projeto’, é destacado que 80% das propriedades rurais paranaenses tinham, na época, menos de 50 hectares e que a maioria dos pequenos produtores enfrentava dificuldades. Diante disso, critica a forma de produção, apresenta o ‘Paraná 12 Meses’ como solução e reforça a necessidade de profissionalização do público beneficiário para ser inserido no “mercado competitivo”. As orientações do documento aparecem no sentido de dar protagonismo ao produtor assistido, o que, de certa forma, se apresenta como discurso freiriano e uma crítica aos modelos anteriores, ao dizer que os beneficiários participam de todas as etapas.

A participação dos beneficiários pauta-se no diálogo permanente, garantindo uma relação de horizontalidade, onde o beneficiário é o protagonista principal de seu próprio desenvolvimento e não objeto passivo de ações paternalistas/assistencialistas. A participação dos beneficiários ocorre em todas as etapas de execução do projeto. (PARANÁ, 1997, p.4)

Embora a afirmação seja de que a decisão era do beneficiário, na prática as propostas eram feitas com envolvimento dos conselhos, que contavam com técnicos e representantes políticos regionais e municipais. A definição dos recursos para cada região e a aprovação vinham de estâncias superiores.