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2 FUNDAMENTO POLÍTICO-JURÍDICO DAS EMENDAS

2.3 Constituição Dirigente

2.3.2 Constituição Dirigente e instrumento de governo

Considerando que o Poder Constituinte é um poder político, no momento da feitura da Carta, as decisões que este estabelecer como norma constitucional albergam todo um aparato histórico, político e cultural que culmina na formulação da Constituição.

Mormente após a estruturação do Estado social, as constituições do século XX, depois da Segunda Guerra, são políticas, e não apenas estatais. Assim, têm-se cartas constitucionais que vão além da organização do poder, trazendo em seu corpo a legitimação do mesmo.

Trabalhar com uma teoria da Constituição dirigente perpassa um entrelaçamento entre Constituição e decisão política. Embora não haja uma pacificação quanto ao conceito e elementos de uma teoria da Constituição, os debates teóricos suscitam um questionamento quanto aos principais temas e problemáticas de uma Constituição dirigente (CANOTILHO, 1994).

A Constituição, conquanto advenha de uma decisão política, não pode ser limitada a um instrumento de Governo. Enquadrá-la como tal seria restringi-la a regulamentações necessárias para a vida política de uma nação. Ter-se-ia uma lei fundamental mais processual que material. Essa análise se torna fundamental quando se depara com uma lei fundamental cada vez mais detalhista e uma cultura de constitucionalizar matérias com o escopo de solucionar crises de governo.

Mais uma vez se depara com a tensão entre norma constitucional e fatores reais do poder. Estabelecer uma Carta constitucional que determina concepções amplas e minuciosas de constituição econômica, erigindo-a “uma ordem material de valores da totalidade da vida política [...] a Constituição convertida em super eu político, em fonte inesgotável de conteúdos detalhados, em utopia concreta não é o verdadeiro sentido de uma Constituição” (CANOTILHO, 1994, p. 88).

Deve-se encontrar um equilíbrio entre a constituição dirigente e sua força conformadora com o enquadramento da mesma em propostas de governos. Não se pode afastá-la - sua formulação, bem como sua reforma - derradeiramente da práxis política, mas encontrar uma melhor solução para que não transforme seu texto em uma pormenorização da vida e crise governamental de um país.

Aqui não se defende uma separação absoluta entre a Constituição e a vida política de uma comunidade, vez que o texto constitucional deve representar a realidade sociocultural e política que a fundamenta. O que se critica é um absolutismo constitucional e, mais precisamente, a positivação de propostas de governo no texto constitucional e a necessidade de revisá-lo sempre que surge uma nova diretriz governamental ou crise institucional.

Essa problemática se agrava em decorrência do momento neoconstitucional que o Brasil atravessa, ou seja, a cultura de ser a Constituição a solução para os problemas socioeconômicos que a nação vivencia. A difícil tarefa é constitucionalizar as diretrizes

políticas e, principalmente, econômicas, para que haja uma real identificação entre texto e realidade sem que a lei espelhe instrumentos de governos específicos.

Frente aos desafios aqui citados, busca-se uma reestruturação da teoria da Constituição por meio de sua aplicação material, validando a realidade social em que se encontra inserida. A constituição dirigente visa racionalizar a política, incorporando uma força materialmente legitimadora, ao estabelecer um fundamento constitucional para a mesma (BERCOVICI, 2003). Harmonizar a decisão política com a força conformadora constitucional vem sendo uma das grandes contendas políticas e jurídicas das últimas três décadas.

O problema da constituição dirigente é em grande parte de como vem sendo concretizada. Sua teoria estabelece que a Carta constitucional não seja apenas a organização do estado e o garantismo dos direitos fundamentais, mas também um programa social a ser implementado. Logo, recomenda-se externalizar linhas de atuação para a política, sem que, com isso, venha substituí-la por meio de sua positivação no texto constitucional.

Bercovici (2003, p. 120) esclarece que “a redução dos espaços políticos faz com que o único elemento qualificador do horizonte político seja a Constituição. O problema é a ausência cada vez maior de elemento democrático como justificador da legitimidade”. Quanto maior for o âmbito de inserção dos mandamentos constitucionais, maior a vinculação e ausência de discricionariedade nas decisões política, sobretudo no campo econômico.

A Constituição deve atuar como lei fundamental, estabelecendo as diretrizes socioeconômicas de uma comunidade mediante a proteção aos direitos subjetivos. Para alcançar seus objetivos, a Constituição não deve conter uma ideologia de governo, ou seja, não é oportuno que prescreva instrumentos governamentais. E essa linha se torna ainda mais tênue quando o assunto é a intervenção na seara econômica.

O cerne a ser perscrutado é o que uma Constituição dirigente deve projetar, quais os limites estipulados aos órgãos legiferantes na sua atuação típica e a forma mais acertada – se é que há uma forma mais correta – de formular e reformar a carta constitucional quando surgir a necessidade devidamente comprovada. Albuquerque (2013, p. 66) já alertava para a necessidade de racionalização das normas constitucionais:

A doutrina delineia o Direito Constitucional como político em razão do conteúdo das normas constitucionais. O sentido normativo da constituição, apesar de ser tipicamente político (trata de liberdade, democracia, separação de poderes etc), tem sido regulado pelo direito na limitação do poder estatal. Isso faz com que se racionalize cada vez mais o estudo do Direito Constitucional para que sejam excluídas da constituição normas inexpressivas, inoperantes e sem um conteúdo identificável.

Isso em razão de as normas que se encontram positivadas na lei fundamental tenham sempre um objetivo específico e necessário em um cenário global de ordenamento jurídico, justamente para não se qualificarem como inoperantes ou inexpressivas do ponto de vista de Constituição Federal.

Quanto à temática aqui tratada, ratifica-se que não há incongruência em falar na Constituição dirigente e as dinâmicas políticas. O que se defende é a autonomia entre diretrizes constitucionais e programas governamentais. Na presente dissertação não se analisa tanto a atuação do Poder Constituinte originário, mas notadamente a forma como o poder reformador vem harmonizando políticas de governo e emendas à Constituição.

O escopo da reforma constitucional não é substituir a política, mas concedê-la fundamentação. No quadro das propostas econômicas, embora a Constituição dirigente possua a característica inerente de sua força conformadora, conceber que uma política econômica específica seja constitucionalizada seria, em um primeiro plano, consolidar a predominância dos fatores reais do poder e, em um segundo momento, engessar as normas constitucionais aos governos seguintes.

Nesse cenário de constitucionalização de políticas de governos, em especial, econômicas, depara-se com a consequência de, ou imobilizar o texto constitucional segundo a ideologia política do momento, ou utilizar-se de constantes reformas constitucionais para adequar o texto a uma realidade econômica sempre dinâmica. São essas as principais críticas direcionadas a Constituição Dirigente.