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4 ANÁLISE DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À DRU:

4.2 DRU: o diagnóstico político-constitucional

4.2.1 Emendas da DRU no governo de Fernando Henrique Cardoso

4.2.1.3 PEC 85/1999

A PEC 85 foi proposta pelo Poder Executivo em 1999, no final da vigência da emenda constitucional 17/1997. Transformou-se na EC 27 de 2000. O objeto da proposta de emenda à Constituição era a desvinculação de 20% de impostos e contribuições sociais nos anos de 2000 a 2007, à exceção de transferências dos Estados e dos Municípios, os quais receberiam seu capital de forma integral.

Sua fundamentação é a desvinculação de receitas da União, com a finalidade de relativizar a rigidez orçamentária, de tal sorte que o governo possa aplicar recursos em áreas que considere inadiável sem um maior endividamento das contas públicas.

A PEC 85 deu origem à chamada DRU – Desvinculação de Receitas da União, contudo, sua base estrutural foi o Fundo de Emergência Social e, posteriormente, o Fundo de Estabilização Fiscal. A PEC em comento acrescentou o art. 76 no ato das disposições constitucionais transitórias.

A PEC surgiu em um contexto econômico com a estabilização do Plano Real, depois da emenda de revisão 01 e duas reformas constitucionais postergando prazo de vigência do FEF. Uma desvinculação, a priori, transitória, deu ensejo à criação da DRU com escopo de equilíbrio das contas públicas através de um programa fiscal de curto prazo, visando estabilizar a dívida pública em relação ao produto interno bruto nacional.

Fatores eminentemente econômicos e políticos ensejando, mais uma vez, reforma à Constituição. O ministro da Fazenda Pedro Sampaio Malan (1999), na exposição de motivos 291 da PEC, embasava que para uma harmonização em longo prazo da economia interna eram imprescindíveis reformas à previdência, fiscal, administrativa e trabalhista. A DRU daria o respaldo de sete anos para que o poder executivo, em conjunto com o parlamento, concretizassem essas reestruturações.

As normas contidas na ADCT, como aqui já foi salientado, têm por objetivo regular a transição entre dois ordenamentos jurídicos. Na fundamentação da PEC 85, a justificativa do poder executivo para inserir a DRU na ADCT foi que a desvinculação de receitas estaria regulando a transição econômica das normas postas na Constituição Federal e uma nova política econômica de governo.

A motivação supramencionada tem caráter político e não constitucional. Não há legitimidade doutrinária para que normas transitórias constitucionais regulem a vigência de uma Carta constitucional válida há doze anos, tendo, assim, a finalidade real de reajustar políticas econômicas de um governo específico.

O deputado Sérgio Miranda - PDT, em seu voto, ratificou a inconstitucionalidade da criação da DRU ao tratar como disposição constitucional transitória norma que ganha características de permanência, desvirtuando a natureza jurídica das normas da ADCT. Defendeu que a criação da DRU tem efeitos de revogar implicitamente mandamentos constitucionais, vez que a propositura de alterar a vinculação das receitas teria forte impacto político negativo, o que traria um considerável desgaste ao Governo.

Deputados de oposição ao governo FHC, Sérgio Miranda –PCdoB, Arlindo Chinaglia – PT, Dr. Rosinha – PT, João Coser – PT, Padre Roque- PT, Pompeu de Mattos – PDT e Celso Jacob - PDT apresentaram emenda à PEC para que a desvinculação de 20% não incidisse em nenhuma receita constitucionalmente destinada à área de saúde, educação e previdência. Emenda esta que não foi recepcionada.

O senador Lúcio Alcântara, em seu voto no Senado, ratificou que o momento de transição econômica – quase quinze anos de Plano Real - que o país enfrentava fundamentava as medidas de relativização das vinculações constitucionalmente estabelecidas. Isso porque, segundo o Senador (1999)47:

a) O elevado grau de vinculação de receitas reduz substancialmente a margem de liberdade do governo federal para atender novas demandas sociais e econômicas que surgem normalmente no dia-a-dia da nação.

b) A vinculação de receitas dificulta a poupança pública, pois quanto maior a arrecadação, obrigatoriamente maior será o volume dos gastos.

c) Administradores públicos não encontram estímulos para aprimorar os métodos de gerenciamento, pois têm certeza de contar com recursos cada vez maiores, independe do indicador de desempenho.

d) a inclusão de critérios rígidos de vinculação no texto constitucional sujeita a gerações futuras às prioridades de alocação de recursos públicos adotados no passado.

Do discurso supracitado percebem-se argumentos de cunho permanente que não seriam solucionados com uma medida de caráter transitório. A DRU com vigência proposta até o exercício financeiro de 2007 não modificaria o elevado grau de vinculação de receitas na Carta constitucional, nem proporcionaria, finda sua validade, a liberdade do governo federal para atender políticas que naquele momento histórico julgasse imprescindíveis.

O que se percebe é, na verdade, uma burla às regras constitucionais estabelecidas pelo constituinte originário através de constantes emendas ao seu texto. Nas das discussões no Congresso, pouco se questiona agora acerca da sua constitucionalidade. Ao contrário, o Poder Executivo buscava desarticular certas receitas da DRU com finalidade de implementação de políticas de governo contingencial.

Ao final das votações tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal, a DRU foi criada desvinculando 20% de todos os impostos da União e das Contribuições sociais no prazo de 2000 a 2003, tempo este que o Congresso julgou suficiente para que o Poder Executivo concretizasse seu projeto de governabilidade.

47 Voto proferido no Senado Federal.

Gráfico 3 – Disciplina dos partidos em relação ao Governo do FHC na votação da PEC 85

Fonte: Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (NECI).

No aspecto da coalizão política, percebe-se uma queda de adesão à coalizão governista, principalmente no aspecto da vigência da DRU. A base aliada ao Governo votou pela sua duração até o exercício financeiro de 2007, tendo sido suplantada pelos partidos opositores, que diminuíram esse prazo até 2003.

Partidos como PT, PDT, PSB, PCdoB mantiveram sua bancada firme contra a proposta do Executivo, tendo ganhado adesão de partidos como PST, PL, PR e PPS, os quais votaram contra prorrogação da desvinculação até 2007.