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3 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E GOVERNABILIDADE: A

3.2 Coalizões Políticas e a Constituição Econômica

3.2.1 Separação de poderes

Ao tratar do tema “separação de poderes” tem que se levar em consideração tanto o momento histórico, quanto os fatores políticos e sociais de uma determinada sociedade. Tese política surgida na Europa no século XVIII, a separação dos poderes ainda fundamenta as Constituições do século XXI, contudo hoje analisada sob um novo viés político.

Teoria sistematizada por Montesquieu, teve como precursor Aristóteles, ao estruturar uma separação entre o corpo de magistrado e o corpo judiciário (BONAVIDES, 2016) e Locke, o qual já elaborava um princípio de separação entre os três poderes: executivo, judiciário e legislativo. Contudo, a teoria ganhou visibilidade com a publicação da obra “Do Espírito das Leis”, de Montesquieu (2000).

O objetivo da teoria da separação de poderes, principalmente no momento histórico que foi criada, era a proteção da liberdade, tendo por base já uma busca do Estado liberal, em contrapartida ao absolutismo monárquico existente na Europa oitocentista.

Essa liberdade era direcionada à sociedade, a qual conferia ao cidadão a prerrogativa de bem viver segundo sua vontade, desde que não fosse ao encontro do que reprimiam as leis (MONTESQUIEU, 2000). A grande contribuição da obra foi elaborar um controle dessa liberdade, mormente quando o sujeito fosse o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Montesquieu defendia que todo homem que possua o poder vai, em algum momento, exacerbar de suas prerrogativas, daí desenvolver uma teoria de autolimitação

recíproca, na qual um Poder atuaria como um limitador à atividade do outro, buscando, desta forma, uma harmonia mútua no desenvolvimento das atividades dos poderes.

O cerne da teoria elaborada por Montesquieu é uma especificação clara e inequívoca das funções de cada um dos poderes, através do qual a lei estaria disciplinando e prevendo suas limitações. Há assim a possibilidade do controle das incumbências, a qual faculta a liberdade política.

A doutrina de separação de poderes encontrou respaldo no constitucionalismo liberal e na busca por uma proteção dos direitos individuais. O constitucionalismo surgiu com as revoluções liberais, com o escopo de coibir as práticas abusivas do poder monárquico e possibilitar a efetiva consagração dos direitos – individuais e políticos - e liberdades do cidadão.

A separação dos poderes consagra, desta forma, mecanismo hábil de concretização dos ideais acalentados nas revoluções liberais, tendo sido positivado nas Constituições surgidas na Europa e no Brasil pós-revolução Francesa.

No Brasil Império, a separação de poderes seguiu mais a teoria de Benjamin Constant (BONAVIDES, 2016), trazendo a previsão não apenas dos três poderes clássicos, mas acrescidos do Poder Moderador. Esse último seria um poder neutro, capaz de balancear possíveis atritos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Com a República e a Constituição de 1891, a teoria clássica de separação dos poderes de Montesquieu esteve presente como fundamento da democracia e dos mecanismos de governabilidade, por meio do qual buscar-se-ia uma harmonia e independência nas suas atuações.

Conforme supramencionado, o estudo da teoria em comento deve ser contextualizado com a realidade político-social em que esteja inserida, justamente para evitar uma análise utópica e sem aplicabilidade prática.

Com o advento das Constituições sociais, em especial a Carta de 1988 e sua característica dirigente, percebe-se um Estado intervencionista, mormente quando se observa a Constituição Econômica, a teoria da separação absoluta dos poderes passa a ser relativizadas em alguns pontos.

A teoria da separação dos poderes tinha como um dos principais escopos a garantia das liberdades individuais. O propósito das Constituições sociais não se restringe a

esse resguardo. Vai além. Busca assegurar um Estado que realize os direitos fundamentais de segunda geração25: saúde, educação, trabalho, moradia, dentre outros.

Ao perscrutar especificamente a Constituição Econômica, encontra-se uma tentativa de realização dos direitos fundamentais de terceira geração, em especial, o direito ao desenvolvimento. Nas palavras de Bonavides (2016, p. 157-158), as Constituições liberais viam menos a sociedade e mais o indivíduo, menos o Estado e mais o cidadão.

O princípio perdeu pois autoridade, decaiu de vigor e prestígio. Vêmo-lo presente na doutrina e nas Constituições, mas amparado com raro proselitismo, constituindo um desses pontos mortos do pensamento políticos, incompatível com as formas mais adiantadas do progresso democrático contemporâneo, quando, erroneamente interpretado, conduz a uma separação extrema, rigorosa e absurda.

O pensamento supracitado de Bonavides traz um viés um tanto quanto radical. Isso porque, conforme já salientado no presente trabalho, a Constituição de 1988 alberga em seu texto característica tanto do Estado Social, como do Estado Liberal. Por esta razão, defender uma exclusão total do princípio da separação de poderes retiraria grande parte da fundamentação ideológica e prática da Constituição de 1988.

O que se defende, na realidade, é uma relativização da separação de poderes, vez que essa absolutização vem perdendo espaço nos tempos de um Estado cada vez mais intervencionista e voltado a realizações sociais, principalmente quando se averigua a Constituição Econômica.

Por esse mesmo motivo, Moraes Filho (2003, p. 154) especifica que o princípio da separação de poderes não se limita a uma visão constitucional, sendo necessária uma integração do princípio com o processo político, ou seja, “um diálogo entre a teoria constitucional e a teoria política”.

Ao tratar sobre intervenção no sistema econômico por meio de Emenda à Constituição, ou mesmo configurações de políticas de governo sendo positivados pelo Poder Legislativo no corpo do próprio texto constitucional com o objetivo de estabilizar ou solucionar algum problema específico da economia, apresenta-se, aí, uma dos exemplos dessa relativização do princípio da separação de poderes.

Tem-se demonstrado que o Executivo, ao se deparar com um problema econômico, elabora políticas de governo para solucioná-lo e forma coalizões com o escopo de serem votadas emendas à Carta de 1988. Através da reforma essa matéria passa a ser

25 Classificação dos direitos em primeira, segunda, terceira, quarta e quinta geração elaborado por Bonavides (2015).

constitucionalizada, havendo aí, uma clara influência do Poder Executivo na competência do Poder Legislativo.

A DRU, nesse caso, seria o exemplo desse diálogo entre a teoria constitucional – a viabilidade de políticas de governo no texto da Carta de 1988 – e a teoria política – busca de solução de uma crise institucional ou política através de emendas à Constituição.

Por meio desses pactos e acordos entre o Executivo e o Legislativo (políticas de coalizão) percebe-se como o princípio da separação dos poderes vem sofrendo relativizações, com o escopo de intervenção do Estado no sistema econômico, como ocorre nas emendas à DRU.