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2 FUNDAMENTO POLÍTICO-JURÍDICO DAS EMENDAS

2.3 Constituição Dirigente

2.3.1 Neoconstitucionalismo e a força conformadora da Constituição

Neoconstitucionalismo é uma corrente jurídica filosófica que ganhou espaço nas discussões jurídicas das últimas décadas. Movimento filosófico de resgate da força normativa das Constituições, essa corrente se destacou, principalmente, com o surgimento do estado social, a constitucionalização dos direitos fundamentais e a positivação de suas garantias.

Desde as revoluções liberais, que consolidaram o contratualismo, até hodiernamente, o direito positivado apresenta uma clara mudança de direcionamento da força normativa. Dos códigos privatistas às atuais Constituições, do estado liberal ao estado social, diversas facetas vêm caracterizando a forma de compreender e, mais importante, concretizar o direito.

Os fatores que justificam essa mudança do arquétipo jurídico se embasam em razões tanto políticas quanto filosóficas. Com o pós-guerra, as nações ocidentais buscaram uma maior positivação dos direitos fundamentais, superando a concepção unicamente liberal do estado. Já no campo filosófico, o neoconstitucionalismo surge com a derrogação da teoria positivista e naturalista, fundamentando-se no então neopositivismo.

Uma importante quebra de paradigma foi o ressurgimento da força normativa concedida às cartas constitucionais. A Constituição passa a ser encarada para além da carta política, tornando-se o ponto central de todo o ordenamento jurídico, condicionando a atuação não apenas do poder judiciário, mas, também, dos poderes executivo e legislativo. E, com essa nova dimensão da Constituição, os tribunais constitucionais passam a desempenhar importante papel na concretização dos direitos positivados. Barroso (2007, p. 149), com substrato nas mudanças políticas, históricas e filosóficas, conceitua neoconstitucionalismo:

Neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós- positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.

A constitucionalização do direito ganha especial relevo com o momento de redemocratização vivenciado pelo Brasil no final da década de oitenta, ocasionando na atual Carta com o perfil analítico e dirigente, a qual alberga, como já salientado, conteúdos dos mais diversos e abrangentes. Logo, a Constituição atual incorporou assuntos de cunho infraconstitucionais, com o objetivo de conceder maior força normativa e estabilidade para os mesmos.

No que se refere às normas constitucionais, percebe-se uma estrutura de regras e princípios diferenciada, “marcadas por um maior nível de abstração – e à sua estrutura predominantemente principiológica e programática, igualmente quanto ao novo e extenso rol de direitos e programas previstos na constituição” (CAMPOS, ALBUQUERQUE, 2015, p. 774)16. Devido a uma maior constitucionalização de assuntos tratados, principalmente de programas econômicos, surge constantemente a necessidade de sua revisão.

O neoconstitucionalismo e sua carga teórica marca a renovada importância concedida à Constituição Federal, a qual passou a ser não apenas formalmente superior, mas a usufruir uma supremacia axiológica e material, remodelando todo o campo gravitacional do ordenamento jurídico. Conjugando essa constitucionalização de diversos conteúdos com o cunho dirigente da Carta de 1988, manifesta-se uma renovada força conformadora dos seus preceitos.

Esse movimento de constitucionalização, em especial de políticas econômicas – objeto do trabalho aqui desenvolvido – traz consequências que irradiam por todo o ordenamento jurídico e a forma como o direito vem sendo aplicado. A atividade legiferante constitucional passa, com essa renovada força normativa, a influenciar e vincular tanto as normas infraconstitucionais, como as próprias políticas públicas.

Canotilho (1994) chama de política constitucional essa conformação entre as escolhas legislativas e executivas com as normas constitucionais. Não se nega a discricionariedade própria do poder executivo, quando da consolidação de propostas de governo tal qual o poder legislativo em sua atividade própria de criar normas jurídicas. Contudo, esse campo é delimitado pelos preceitos positivados na Constituição.

A função de “ponderação, de valoração e de escolha implica que o legislador, embora jurídico-constitucionalmente vinculado desenvolve uma atividade política criadora, não subsumível a esquemas de execução ou aplicação de leis constitucionais” (CANOTILHO, 1994, p. 218). Nesse diapasão, o escopo da Constituição dirigente proposta por Canotilho

16 Essa estrutura predominantemente programática é entendida como uma crítica ao neoconstitucionalismo defendido por Barroso (2007).

seria de um direcionamento de esquemas econômicos de ordem geral e programática, mas não se reduziria à própria positivação da política econômica de um governo específico no texto constitucional.

A problemática aqui apresentada é estruturar em até que medida o direcionamento constitucional deve atuar em seu próprio texto ou conceder espaço para atividade dos órgãos políticos. A corrente neoconstitucional e sua característica de positivar no texto fundamental os mais diversos tópicos, mesmo sendo programas de governo, torna ainda mais complexo estabelecer os limites vinculantes da Constituição dirigente.

Isso porque no âmbito do estudo da conformação constitucional, encontra-se o cerne da compreensão da sua dirigência: sendo o conjunto de normas constitucionais “verdadeiras imposições constitucionais de execução permanente e contínua” (CANOTILHO, 1994, p. 223), deve-se atuar a discricionariedade legislativa e executiva dentro das diretrizes positivadas no texto constitucional.

Uma das críticas sinalizadas a sua postura dirigente se dá devido ao receio de um engessamento das políticas públicas, ameaçando a democracia e cristalizando decisões de um determinado governo às futuras gerações. Por seu caráter conformador e vinculante, juntamente com a cultura neoconstitucional, ao reformador derivado recai o cuidado quanto às matérias constitucionais a serem reestruturadas, para que a emenda não seja unicamente política, principalmente quando a nação atravessa um período de crise institucional – e não crise constitucional.

Por essa razão, considerando o caráter analítico e dirigente da Constituição de 1988, as matérias sujeitas à reforma constitucional devem respeitar os preceitos estabelecidos para sua conformação: normas que estabeleçam fins e objetivos perquiridos pela nação. Não negando o caráter político das emendas constitucionais – vez que o poder constituinte reformador é por natureza também um poder político – com o propósito de corresponder adequadamente aos objetivos direcionadores das normas constitucionais, aqui se defende uma maior análise das matérias reformadas, principalmente quando adentram os sistemas econômicos de um país.