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3 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E GOVERNABILIDADE: A

3.3 Governabilidade: Políticas Econômicas como solução para momentos de

3.3.3 Criação do Fundo Social de Emergência (FSE)

A governabilidade vem se mostrando mecanismo complexo de condução de políticas públicas, demandando um sincretismo harmônico de tomada de decisões do Poder executivo e legislativo, objetivando, em um cenário maior, o desenvolvimento nacional.

Contudo, hodiernamente a governabilidade vem demonstrando ser de difícil manejo, considerando as mais diversas crises que o Brasil vem atravessando. Conforme aqui

33 Art. 219, da CF/88: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.”

já ratificado, a Constituição Federal é constantemente reformada com o escopo de solucionar as adversidades econômicas, fiscais, políticas ou sociais.

A Constituição, principalmente após a corrente neoconstitucional, destaca-se não apenas por determinar as estruturas básicas de divisão e controle do poder ou previsão de direitos fundamentais. Mas, principalmente, “por definir o equilíbrio de forças entre estado e sociedade, além de ostentar um significado simbólico e ideológico ao proteger valores e princípios de uma comunidade política” (CAMPOS, 2016, p. 9).

Essa constante interação entre política e direito é demonstrada na escolha das matérias que vão sendo, paulatinamente, reformuladas no texto constitucional. Nesse contexto, o direito tem cada vez mais amortizado as dinâmicas econômicas junto às problemáticas políticas.

Essa força simbólica e ideológica presente no texto constitucional se constata ao observar os ciclos de mudanças pelos quais o Poder Constituinte derivado se apresenta e remodula as políticas econômicas em seu próprio texto.

A exemplo da utilização da Constituição para viabilizar a governabilidade, tem-se as oito emendas constitucionais da DRU, criadas e postergadas em momentos de crise econômica vivenciada pelo país, o que ratifica ser a reforma à Constituição instrumento utilizado, progressivamente, pelo poder Executivo para viabilizar sua governabilidade.

A DRU teve como origem o Fundo Social de Emergência (FSE), inserido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórios por intermédio da Revisão Constitucional nº1 de 199434.

O instituto da revisão constitucional encontra-se previsto no art. 3º35 da ADCT de 1988, estando limitado nas previsões do § 4º do art. 60 da CF/88. A finalidade do procedimento revisional da Constituição era, após cinco anos de promulgação da Carta, analisar os múltiplos desafios existentes no Brasil tanto no contexto interno, como externo e perfazer as mudanças necessárias para adequar o texto constitucional à realidade enfrentada.

De caráter transitório e procedimento simplificado – votação por maioria absoluta em sessão unicameral do Congresso Nacional –, a revisão constitucional só pode ser realizada uma única vez, ou seja, sua aplicação exauriria a competência prevista no ADCT. Desta feita, deixou de ser possível uma nova revisão após a mesma ter sido efetuada em 1994.

34 Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994.

35 Art. 3º, da ADCT: “A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.”

Alguns doutrinadores, a exemplo de Bonavides (2015), fazem severas críticas de como procedeu à revisão de 1994. Defende esse jurista que a revisão apenas deveria ter ocorrido caso o plebiscito de 1993 tivesse alterado o regime republicano ou a forma de governo presidencialista.

Para Bonavides (2015), o escopo da revisão seria adequar a Constituição Federal a possíveis modificações no regime republicano ou presidencialista. Deste modo, a revisão constitucional estaria vinculada ao resultado do plebiscito. Tendo a população brasileira, por meio do plebiscito, mantido o presidencialismo e o regime republicano, a revisão constitucional teria perdido seu objeto.

Não foi essa a corrente adotada pelo Congresso Nacional, tendo ocorrido regularmente o procedimento de revisão e sido inseridas seis36 novas emendas de revisão à Constituição Federal de 1988. Inclusive essa matéria foi objeto de ADI37, e o Supremo decidiu que o resultado do plebiscito de 1993 não tornou sem objeto a revisão prevista no art. 3ª da ADCT.

Desta feita, tendo ocorrido regularmente, uma das inovações da Emenda Constitucional nº 1 foi a criação do Fundo de Emergência Social, cujo objetivo era o saneamento financeiro da Fazenda Pública e a estabilização econômica. Teve um caráter emergencial justificado, à época, para possibilitar que o Governo conseguisse regularizar suas contas internas buscando um equilíbrio fiscal construído em bases permanentes e não por meio de normas da ADCT.

O FSE foi inserido a partir do art. 71 da ADCT, cuja duração, a priori, seria o exercício financeiro de 1994 e 1995, e tinha como fim arrecadar recursos de tributos, como o imposto de renda, imposto sobre propriedade territorial rural, contribuição social sobre o lucro (CSLL) e de todos os impostos de competência da União.

Tendo sido proposto ainda no governo do Presidente Itamar Franco, sua justificativa deu-se devido ao momento de instabilidade política decorrente do afastamento do então Presidente Collor. Uma crise política, agravada por um déficit econômico, justificou a revisão constitucional e a criação do Fundo em comento.

Uma vez que o cenário político voltava-se ao impeachment do ex-Presidente Collor, naquele exercício financeiro não foi possível votar a Lei Orçamentária Anual, e, considerando que por previsão constitucional não poderia haver gastos públicos sem autorização legislativa, a solução apresentada foi alterar a Constituição e desvincular 20%

36 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/ECR/quadro_ecr.htm>.

(vinte por cento) da arrecadação de determinados tributos para o exercício financeiro de 1994 e 1995.

Não foi o que aconteceu. Com a economia nacional passando por um importante momento de modificações após a implementação do Plano Real, os parlamentares aprovaram a criação do FSE para possibilitar uma maior liberdade na administração dos gastos públicos, objetivando o saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica.

Após os dois exercícios financeiros, o Fundo Social de Emergência seria encerrado, tendo, em teoria, possibilitado as reformas administrativas, tributárias e da previdência social. Vinte anos após a execução do FSE, ainda se discutem reformas tributárias e da previdência.

Em 1995, por iniciativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi elaborada a PEC 163, cujo objetivo era aumentar o tempo de vigência do FSE. Em 2017 a Constituição Federal de 1988 já foi reformulada oito vezes para postergar a DRU – por meio da emenda constitucional 27 de 2000 modificou-se o nome para Desvinculação de Receitas da União.

Diante da análise a respeito da governabilidade em momentos de crise, mormente quando de cunho econômico, percebeu-se que os governos têm se utilizado gradativamente da reforma ao texto constitucional como solução para o problema da governabilidade.

Uma instabilidade política, econômica, fiscal ou governamental vem sendo remediada por de constantes reformas ao texto da Constituição de 1988, fazendo-se questionar se no plano fático vêm se empregando mecanismos de solução real para as crises enfrentadas.

A Constituição Federal vem sofrendo uma influência maior dos fatores reais do poder – como o econômico e político – do que tendo garantido sua força normativa. O que leva a ser analisado se esse conjunto de reformas vem possuindo um valor muito mais simbólico do que real na conjuntura político-constitucional do Brasil.