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Política de Governo e Política de Estado na Constituição Econômica

3 CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E GOVERNABILIDADE: A

3.1 A Ordem Econômica Constitucional

3.1.3 Política de Governo e Política de Estado na Constituição Econômica

Em face das particularidades da Constituição Econômica inserida dentro do texto de uma Carta Dirigente, faz-se de suma importância a análise e a diferenciação entre as políticas de governo e as políticas de Estado, especialmente quando tem por escopo a regulação da Economia.

Inicialmente se mostra oportuna uma diferenciação entre as nomenclaturas “políticas de governo” e “políticas de Estado”. Para tanto, uma primeira análise sobre os conceitos de Estado e Governo e suas distinções.

O conceito de Estado já vem sendo tratado a partir da Antiguidade, tendo sido desde o começo da organização do homem em sociedade motivo de tentativa de compreensão e regulação. As realidades distintas imprimiram notas diferenciadoras na concepção do Estado.

Para os Gregos, era chamado de Poli, já os Romanos tinham res publica como uma acepção do que hoje se chama de Estado (BONAVIDES, 2016). Dos Gregos aos tempos contemporâneos, a ideia de Estado veio se desenvolvendo e se adaptando segundo o momento histórico de seu estudo.

Trazer um conceito único de Estado não é o objetivo principal da presente obra, e pode ser considerada uma tarefa espinhosa, uma vez que diversos filósofos, sociólogos, juristas e cientistas políticos se debruçaram sobre o tema.

Para alcançar as finalidades aqui traçadas, utilizar-se-á o conceito jurídico de Burdeau, trazido por Bonavides (2016, p. 67) “Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem. Chega-se a esse resultado mediante uma operação jurídica que eu chamo a institucionalização do Poder”.

Nessa perspectiva, partindo de um conceito mais moderno, o Estado só existiria quando fosse um poder independente, um ente independente das pessoas dos Governantes. Burdeau estabelece, desta forma, uma clara distinção entre o Estado e as pessoas que o governam.

O jurista alemão Jellinek (2000) tem um dos conceitos mais utilizados de Estado. Para ele, Estado seria a corporação de um povo, o qual se encontra acomodado em um determinado território e um ente dotado de poder originário de mando concedido por este mesmo povo.

Conclui-se que Estado seria a ficção legal que representaria o todo jurídico de um povo em um determinado espaço territorial, sendo gerido por representantes desse mesmo povo.

Após esse breve ensaio sobre a definição de Estado, passa-se a analisar o que seria o Governo. Já o Governo seria a forma de organização e funcionamento do poder estatal, de acordo com as diretrizes previstas em lei (BONAVIDES, 2016). Desse modo, Governo seria a forma institucionalizada de gerir o Estado através de normatização expressa.

Com base no exposto, poder-se-ia concluir que Estado seria a instituição jurídica que respaldaria, através das leis promulgadas pela sociedade que o compõe, a forma de organização e as atividades do Governo. Há assim uma clara distinção entre a concepção de Estado e Governo, bem como suas atribuições.

Se existe uma dicotomia entre Estado e Governo, não se pode pensar que políticas de Estado teriam a mesma formulação que as políticas de Governo. Importa fazer essa distinção para que se compreenda se as modificações constitucionais no que se refere à DRU seriam programas de Estado ou programas de Governo constitucionalizado na Carta de 1988.

Políticas de Estado seriam decisões tomadas pelos governantes tendo por base uma estrutura ideológica estatal, programas de longo prazo, não delimitados a uma ideologia de partido político, mas as pretensões da sociedade como um todo. Os programas de Estado estariam, preferencialmente, positivados na Constituição, trazendo mais segurança jurídica e certeza quanto aos seus objetivos.

Já os programas de Governo seriam de matriz ideológica equivalente ao do partido político ou coalizão política que se encontre no poder. Seriam projetos de curtos períodos, leis criadas com o escopo de concretizar aspirações e propostas sustentadas por determinada classe que se encontra no poder. Calderón, Poltronieri e Borges (2011, p. 818) esclarecem:

Nessa dicotomia entre as categorias de análise em questão, as Políticas de Estado estariam em um nível superior numa escala ético-hierárquica em relação às Políticas de Governo, na medida em que estariam direcionadas a atender necessidades nacionais acima de discussão e de interesses dos diversos grupos de poder que interagem na sociedade. Nessa relação hierárquica, a categoria Políticas de Estado é utilizada para defender políticas públicas ou orientações estatais que possuem razões éticas que impedem que sejam substituídas ou alteradas com as mudanças de governo. Desta forma, as políticas de Estado não somente seriam políticas de longo prazo, mas seriam medidas que não poderiam ser substituídas ou alteradas com as mudanças de governo, a cada quatro anos ou a cada oito anos, caso o governo seja reeleito.

Segundo o trecho supratrazido, pode-se concluir que as políticas de Estado teriam com principal intento o interesse nacional, diretrizes de benefícios sociais amplos, não se limitando a objetivos de uma determinada classe política que se encontre temporariamente no poder.

Os programas de Estado se identificariam por sua qualidade de permanência, ou seja, uma busca de estabilidade na tomada de decisão visando responder a anseios e necessidades da população, respaldados por princípios constitucionais que se identificariam com os propósitos da Nação.

Mas, principalmente, a finalidade das políticas de Estado seria sua estabilização e a segurança jurídica advindas da sua constitucionalização. Ou seja, uma vez positivadas na Constituição Federal, dificultaria que futuros governos de posicionamentos ideológicos divergentes modificassem essas políticas de âmbito nacional. Estaria acima de disputas partidárias.

Já as políticas de governo se qualificariam por representar propostas de entes partidários que, devido à própria estrutura democrática de transitoriedade de governos, estariam contingencialmente representando a sociedade no Executivo ou no Legislativo.

Cada partido político, ainda na fase das eleições, elabora seu plano de governo, diretrizes gerais para a concretização das propostas eleitorais. Possuem um posicionamento acerca da direção política própria da sua ideologia, se diferenciando nas mais diversas especificações valorativas.

Característica do sistema democrático e fundamento da República Federativa do Brasil, a pluralidade partidária24 encontra-se constitucionalizada na Carta de 1988, estabelecendo um viés básico da nossa democracia, vez que cada partido possui princípios próprios e que a cada quatro anos, a priori, tem-se a renovação da representação e, por esta razão, os programas de governo teriam por atributo a transitoriedade.

A questão que se busca averiguar na presente dissertação é até que ponto é viável, para garantir a força normativa da Constituição, constitucionalizar programas de governo, uma vez que no próximo período legislativo poderia haver uma renovação partidária e ideológica e, consequentemente, novas reformas à Constituição.

Por meio do estudo das emendas da DRU e, principalmente, do cenário político que ensejou suas reformas, buscar-se-á estabelecer se foram programas de Estado ou de governo de cunho intervencionista na economia.

24 Art. 1º, inc. V, CF/88.

Conforme já tratado anteriormente, a Constituição Econômica trazida no texto da Carta de 1988 é dirigente e intervencionista. Aqui não se pretende defender que as políticas econômicas constitucionalizadas se tornem imutáveis, apenas busca-se analisar o fenômeno que vem sendo apresentado frente às constantes reformas ao texto constitucional, momento na “Ordem Econômica e Financeira”.

Mediante o estudo da DRU averiguar-se-á se a viabilidade de diferenciar políticas econômicas de governo e políticas econômicas de Estado. Caso positivo, se uma das causas das permanentes alterações constitucionais é justamente a inclusão dessas políticas de governo e a forma de mitigar essa ocorrência visando uma estabilização constitucional econômica e uma maior segurança jurídica.

Compreende-se que a economia é um fenômeno em constante reajuste e modificação. Aqui não se busca um engessamento constitucional de políticas de Estado. Entende-se que as próprias políticas de governo vão, ao seu turno, moldando as políticas de Estado. Contudo, almeja-se um equilíbrio entre as forças do poder e a força normativa da Constituição Econômica.