• Nenhum resultado encontrado

ANEXO V: Goldman Environmental Prize Concedido à Ruth Buendía Ashaninka

CAPITULO 1 CONSTRUTIVISMO SOCIAL, REDES TRANSNACIONAIS DE DEFESA DE DIREITOS E COMUNIDADES EPISTÊMICAS

1.2. Contribuições Construtivistas para a análise de processo decisório

1.2.1. A construção do interesse dos Estados

A condução de políticas públicas e da política externa deve ser praticada de acordo com o dito “interesse nacional”. Os construtivistas se importam em como “se forma” o interesse nacional, o que não é geralmente explorado no estudo de relações internacionais. De um lado, para os analistas de relações internacionais (baseados no modelo do Ator racional), o “interesse nacional” é um elemento dado, não problematizado, e determina o comportamento do Estado (ator racional). Do outro lado, a análise de relações internacionais pelos construtivistas é sobre a efetiva forma em que se definem os interesses nacionais ao invés de sua mera defesa e implementação. Desta maneira, enquanto a tradicional análise das relações internacionais é sob o ângulo de como tornar exógenos - ou seja, externo, implementado - estes interesses nacionais, os construtivistas analisam as relações internacionais do ponto de vista de como tornar endógenos os interesses nacionais, ou seja, explorando como tais interesses nacionais são construídos através de um processo de interação social.

A respeito de interesse nacional, Alexander Wendt (1994) afirma que aquilo que acabou por ser definido como Estado ou interesses nacionais não é mais do que o resultado das identidades sociais dos atores. Além disso, tais interesses e identidades encontram-se em constante fluxo no interior das chamadas estruturas sistêmicas intersubjetivas que contêm o que Wendt designa por entendimentos partilhados (shared understandings), expectativas e conhecimento social (social knowledge).

Um dos argumentos e constatações dos construtivistas é que atores não governamentais nacionais e internacionais, além de estarem crescendo significativamente nos últimos anos, estão exercendo uma influência crescente no nível da política externa do Estado. Os expoentes construtivistas também analisam o que motiva as ações destas ONGs. O que eles respondem é: princípios morais ou valores e normas compartilhados. Assim, de acordo com esta lógica, as ONGs membros da campanha transnacional contra o Acordo, não possuem como motivo

23

principal de ação alguma preocupação material como ganhar dinheiro por suas operações, embora a procura por prestígio e poder difuso possa ser componentes de sua atuação.

Como veremos no capítulo que analisa a campanha (capítulo 4), estas ONGs procuram prioritariamente promover valores de bem estar de futuras gerações como a preservação de recursos naturais, biodiversidade, águas livres, direitos humanos e indígenas básicos na bacia hidrográfica Amazônica também de acordo com os limites planetários atualmente em discussão (VIOLA & FRANCHINI, 2012, ROCKSTROM et al, 2009). Checkel (2008) cita que muitos estudos têm documentado como ONGs exerceram influência nos atores estatais e em suas políticas em várias áreas de políticas públicas (direitos humanos, meio ambiente, segurança), objetivo que a presente pesquisa também vista contribuir.

Outro ator que tem crescentemente influenciado a política externa dos países são as empresas trans ou multinacionais como as companhias brasileiras presentes no estudo de caso (Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Furnas, Eletrobrás e Engevix)15. Nossa hipótese é que estas companhias, umas em maior medida que outras, influenciaram a formulação dos projetos hidrelétricos e o estabelecimento do próprio Acordo Energético conforme analisado nos capítulos 2 e 3.

Desta maneira, concordamos com Checkel ao advogar que a abordagem construtivista para a análise da política externa suplementa a abordagem tradicional, através da ampliação de atores considerados influentes na definição de política externa e das premissas que os leva a constituir os interesses estatais e a agir. Esta tese evidencia esta hipótese.

15 Concordamos com Checkel que nas operações destas empresas multinacionais, tem se preocupado cada vez mais

com assuntos de direitos humanos, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, adotando inclusive códigos de responsabilidade social corporativa. Os construtivistas argumentam que a causa destas novas preocupações no ambiente corporativo é mais do que a mera maximização dos lucros, mas sim, o aprendizado através do seus ambienteis sociais sobre a forma ética de agir num panorama em mudança nacional e global (Checkel 2008).

24

O peso da barganha e da argumentação no Processo Decisório

Checkel (2008) afirma que a política externa de um país não é apenas desenvolvida pelos vários atores considerados separadamente, mas também através de um processo decisório em que os atores participam coletivamente. Para analisar a contribuição construtivista nesta questão, primeiro o autor estabeleceu uma linha de base (baseline) equivalente a como o processo decisório é explicado tipicamente pela tradicional análise da política externa do modelo Ator- Racional. Nesta linha de base, os atores sabem o que querem e barganham para isto, são instrumentalmente racionais, calculistas em busca de maximizar seus interesses. Diferentemente, os construtivistas advogam que agentes não calculam os custos e benefícios, mas sim apresentam argumentos e tentam persuadir e convencer os demais. Assim, os indivíduos não vão para negociação com seu objetivo perfeitamente pré-definido. Pelo contrário, os seus interesses e preferências estão abertos para redefinição. Com este entendimento de racionalidade limitada, os indivíduos são profundamente sociais. Eles decidem através da deliberação em conjunto com os demais. Assim, argumentar se torna uma parte do processo decisório chave, suplementando a barganha. O propósito de negociar é descobrir o que os demais querem e/ou (re)definir seus interesses (nacionais).

O construtivismo tem dado respaldo empírico para advogar que argumentação e persuasão são partes importantes do processo decisório nacional e internacional conforme estudos de Checkel (2003 na Europa), na Ásia (Johnson, 2007) e outros lugares (Risse, Ropp, and Sikkink, Deitelhoff, 2006, todos citados na obra de Checkel, 2008).

Discurso, Argumento e Persuasão

O papel do argumento na construção social é explorado por uma linha de construtivistas como Habermas. Discurso elaborado com fortes argumentos pode persuadir e mudar a mente das pessoas sobre os objetivos que devem ser procurados e sobre qual papel estes indivíduos cumprem ou devem cumprir na vida social. Quando o discurso gera estes efeitos, está cumprindo

25

um importante papel de construção social, criando nova compreensão e novos fatos sociais que reconfigura política. (FINNERMORE & SIKKINK, 2001)

Conforme veremos adiante, o caso do processo decisório que culminou na não ratificação do Acordo, contou com a decisiva influência do discurso social internacionalizado praticado pela rede transnacional de campanha, que legitimou a reversão da tomada de decisão que estava sendo conduzida no decorrer do governo peruano - terceira forma de análise de processo decisório de Checkel.

1.2.2. O mundo globalizado e os níveis de análise

Com o mundo cada vez mais globalizado, países mais interdependentes, redes transnacionais atuando em vários países simultaneamente, o nexo entre os diferentes níveis de análise (local, regional subnacional, nacional, regional internacional) é cada vez mais evidente e consequentemente as fronteiras entre estes níveis menos cristalinas. O construtivismo, segundo apontado por Checkel, pode iluminar estes nexos, conceitualmente através da superação do problema de nível de análise e teoricamente, por meio da exploração de múltiplos mecanismos que conectam e integram os diversos níveis.

Níveis de análise apenas referem-se “para onde” olhamos ao explicar a política externa, ou seja, do ponto de vista individual, local, nacional, ou internacional. Misturar ou integrar os diferentes níveis de análise foi considerado um tabu por muitas décadas, pois o nível de análise determinado era uma clara linha de referência. Mas, atualmente, já existe um consenso mais amplo no sentido de que são necessárias abordagens sintéticas com níveis de análise misturados (ou integrados). Com efeito, Checkel cita Carlsnaes (2002) que afirma que: “a divisão entre a política interna e a internacional é altamente questionável como uma linha de referência plausível para uma sub-disciplina que necessita problematizar esta fronteira”. (CARLSNAES, 2002 apud CHECKEL, 2008).

A abordagem construtivista começou a questionar esta divisão, avançando em modelos de níveis misturados que enfatizam a simultaneidade do desenvolvimento internacional e interno.

Outline

Documentos relacionados