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ANEXO V: Goldman Environmental Prize Concedido à Ruth Buendía Ashaninka

CAPITULO 1 CONSTRUTIVISMO SOCIAL, REDES TRANSNACIONAIS DE DEFESA DE DIREITOS E COMUNIDADES EPISTÊMICAS

1.4. Categorias conceituais de atores da campanha transnacional contra o Acordo

1.4.1. Indivíduos e Redes Transnacionais de Defesa de Direitos

Levando em consideração o contexto relatado acima, o internacionalista James Rosenau argumenta que a revolução tecnológica (informativa, comunicação, transporte) gerou consequência para os indivíduos os tornando potenciais atores no cenário global, pois essa tem impacto em como eles percebem, compreendem, julgam, engajam—se, evitam e interagem com o mundo além da sua casa e do seu lugar de trabalho (ROSENAU, 1990, p.15). Ainda, tais indivíduos possuem suas capacidades expandidas através do pertencimento a redes locais ou transnacionais que reúnem indivíduos de inúmeros países diferentes unidos por conta do compartilhamento de ideais, conhecimento, ideias, valores ou ainda eventos ou empreendimentos. Segundo a Professora Cristina Yumie A. Inoue (2003), isso tem consequências para a política mundial, pois as redes de relações influenciam as percepções dos indivíduos, podendo representar tanto oportunidades quanto limites (INOUE, 2003, p.81). No estudo de caso ora analisado, advogamos que tais redes transnacionais influenciaram o curso da política regional Andina e Amazônica, colaborando para alterar o destino do Acordo Energético

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Peru-Brasil e dos projetos hidrelétricos nele previstos, que preveem profundos impactos na geografia e sociobiodiversidade na bacia amazônica.

Segundo Keck e Sikkink (1998, p.29), redes transnacionais são estruturas comunicativas, com dimensão estruturada e estruturante na ação de agentes complexos, que, simultaneamente, participam em novas arenas políticas e ao mesmo tempo as moldam. Definem estas redes como “formas de organização caracterizada por padrões voluntários, recíprocos e horizontais de comunicação e intercâmbio”. Inclui aqueles atores que trabalham internacionalmente em um assunto e se agrupam com outros que compartilham valores e discurso, propiciando uma troca densa de informações e serviços (KECK E SIKKINK, 1998, p.2). A novidade trazida pelas redes é a capacidade de atores internacionais não tradicionais mobilizar informação rápida e estrategicamente para ajudar a criar novas questões (framing) e categorias para persuadir, pressionar e ganhar influência em organizações mais poderosas que elas e em governos. Trata-se de um instrumento para alavancagem e para “profissionalizar” a influência de atores não tradicionais como ONGs nas tratativas entre governos. Tais redes, em rápida expansão nos dias de hoje, possui, em geral, o objetivo de alterar o comportamento de Estados ou de organizações internacionais.

As autoras categorizam três tipos de redes transacionais de acordo com sua motivação: 1. Redes com objetivos instrumentais como corporações transnacionais e bancos;

2. Redes com ideias causais e compartilhadas como grupos científicos e comunidades epistêmicas e

2. Redes com objetivo de defesa de direitos (em inglês “transnational advocacy networks”), que são aquelas formadas por grupos que compartilham princípios e valores.

Esta tese concentrará a análise na última categoria, na rede transnacional de defesa de direitos (ou simplesmente “RTDD”), que por sua vez, agrega uma comunidade epistêmica, pela importância delas ao nosso estudo de caso.

Vale notar que na classificação das autoras, as redes transnacionais se diferenciam de acordo com a disponibilidade de recursos políticos e padrões de influência. Neste sentido,

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INOUE afirma que o que mais importa para redes de corporações são os recursos econômicos, mas para as redes causais (comunidades epistêmicas) e para redes de defesa de direitos, o que mais importa é a especialidade técnica e a habilidade de convencer os formuladores de políticas públicas de seus argumentos. Estas últimas duas dependem de informação e o uso desta se torna estratégico (INOUE, 2003).

As autoras Keck e Sikkink definem redes transnacionais de defesa de direitos (ou de advocacia) como redes de ativistas distinguíveis largamente pela centralidade de suas ideais norteadores ou dos valores que motivaram sua formação. As RTDD podem existir nos níveis nacional e transacional sendo que as redes transnacionais se beneficiam pelo acesso ao sistema internacional, construindo novas conexões entre atores na sociedade civil e organizações internacionais de diferentes regiões (KECK & SIKKINK, 1998, p.1)18 e podem mais facilmente chamar atenção da comunidade internacional para as questões levantadas em sua campanha.

Os atores de redes trazem novas ideias, normas e discursos para os debates políticos e servem como fontes de informação e testemunho. Normas, para Keck & Sikkink, seguem o uso dado por Peter Katzenstein:

"Normas servem para descrever expectativas coletivas para comportamento adequado de atores com uma dada identidade. Em algumas situações, normas operam como Regras que definem a identidade de um ator, portanto tendo "efeitos construtivos" que especificam que ações vão fazer com que atores relevantes reconheçam uma identidade particular." (KATZENSTEIN, 1996, apud KECK & SIKKINK, 1998).

As RTDD promovem implementação de normas através da pressão em atores alvo19 para adotar novas políticas através do monitoramento do cumprimento de leis, princípios, padrões internacionais e normas. Elas buscam maximizar sua influência e capturar as ações de seu alvo. Através destas ações, as redes contribuem para alterar percepções que tanto o Estado e atores societários possuem de suas identidades, interesses e preferências, para transformar seus discursos e finalmente alterar procedimentos, políticas e comportamento. Elaborando a partir dos

18 Inoue afirma que as comunidades epistêmicas também gozam do acesso multiplicado ao sistema internacional da

mesma forma (INOUE, 2003, p.81).

19 No estudo de caso desta tese, os alvos são, nesta ordem: 1º) sociedade peruana; 2º) Estado Peruano; 3º) Sociedade

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conceitos de Keck & Sikkink (1998), podemos afirmar, com base em nosso estudo de caso, que a rede aqui estudada trabalha para descontruir o Acordo já firmado entre Brasil e Peru, pressionando por sua não ratificação e anulação com base na violação de direito internacional e por estar em desacordo com a configuração e novo framing de interesse nacional da maioria da população do Peru.

Neste sentido, Keck & Sikkink (1998) compartilham com Finnermore (1996), que afirma que atores e interesses são construídos através da interação social. Finnermore afirma que:

"Estados estão embebidos em redes densas de relações sociais transnacionais e internacionais que formatam (shape) suas percepções do mundo e seu papel no mundo. Estados são socializados para querer certas coisas através da sociedade internacional em que eles e o povo deles habita." (FINNERMORE, 1996. Tradução própria).

Pesquisadores buscam entender como estes grupos operam e que condições podem contribuir para o seu sucesso. Estes casos apresentam um “quebra-cabeça” interessante para a pesquisa porque os ativistas trabalhando pela mudança em geral possuem algumas alavancas de poder convencional relativo aqueles que controlam as estruturas existentes. Esta tese visa justamente contribuir para o entendimento de como os ativistas agiram na campanha contra o Acordo. Quando os ativistas são vitoriosos, estas situações não são facilmente explicadas pelas abordagens dominantes e abrem espaço para as alternativas construtivistas (FINNERMORE 2001).

Wapner (1996) demonstra que muito deste importante trabalho dos ativistas ambientalistas ocorre fora da arena do estado, onde os pesquisadores de RI tradicionalmente focam. Neste sentido, frequentemente a sociedade civil transnacional elabora as questões, ajuda a estabelecer as agendas e mobiliza públicos. Estados, em muitas circunstâncias, estão apenas reagindo às mudanças políticas fomentadas em uma sociedade civil cada vez mais transnacional. (WAPNER, 1996 apud FINNERMORE, 2001)

Os ativistas de uma rede que trata de um determinado assunto frequentemente estão engajados e são parte de comunidades políticas mais amplas que trabalham neste mesmo assunto,

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mas sob outras perspectivas. No capítulo 4 será mostrada uma figura da RTDD analisada em nosso estudo de caso e seus inúmeros nós pela sociedade civil internacional.

Conceito de Campanha

Para o nosso estudo, utilizaremos o conceito de Keck & Sikkink (1998) de campanha que a caracteriza como “um conjunto de atividades estrategicamente desenhadas e planejadas em que membros de uma rede difusa com princípios específicos (com potencial de mobilização segundo a teoria do movimento social) desenvolvem vínculos explícitos, visíveis, com papeis mutuamente reconhecidos e com um propósito comum (e geralmente contra um alvo comum)”. Na campanha, os atores chaves da rede mobilizam outros atores e iniciam tarefas como as de integração estruturada e negociação cultural com os grupos da rede, busca de recursos, elaboração de propostas, preparação de atividades e condução de relações públicas. Eles também buscam conscientemente um “desenho comum de significado” entre as culturas diversas da rede transnacional. Campanhas são processos de construção de questões (issues) constrangidos pelo contexto em que são desenvolvidas: Ativistas identificam o problema, especificam e propõem uma solução, tudo com o objetivo de produção de mudanças substantivas, em procedimentos e em normas na sua área de atuação. Este processo de “retrato estratégico” e enquadramento da questão (framing) da campanha precisa funcionar para os diversos atores das redes e para as audiências alvo da campanha.

Não-campanhas

Algumas questões envolvem problemas, porém os ativistas decidem não desenvolver campanhas. São as questões “non-campaings”. Analisando e confrontando estes casos com as campanhas de fato, Keck & Sikkink (1998) conseguiram identificar tipos de recursos que possibilitam que uma campanha ocorra: (i) Informação, (ii) Liderança, (iii) Material simbólico ou capital e (iv) Tipo de estruturas institucionais existentes nos níveis local e internacional que favorece ou impede tipos particulares de ativismo. Em nossa análise da campanha transnacional verificamos a presença dos primeiros três tipos de recurso, havendo fortes estruturas institucionais para hospedar a campanha.

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Em áreas como meio ambiente e direitos humanos, tais redes disponibilizam recursos (como informação, estratégia de campanha etc.) para novos atores na política interna e nas lutas sociais. E isso acaba ofuscando as fronteiras entre um estado e seus nacionais e o recurso disponibilizado que tanto cidadãos e estados possuem no sistema internacional. Desta maneira, as redes acabam transformando o conceito e a prática da soberania nacional e de fronteira de um país. De fato, as RTDD buscam interações internacionais com atores não estatais de diversas regiões geográficas, enfatizando o surgimento de múltiplos canais de contato entre as sociedades. Isto enfraquece as linhas que separam política interna e internacional, misturando os níveis de análise das relações internacionais, conforme discutido anteriormente.

Para explorar estas questões, as autoras Keck e Sikkink (1998) analisaram diversas RTDD envolvendo áreas de meio ambiente, direitos humanos e direitos das mulheres. As autoras ressaltam que todas as campanhas por elas analisadas possuem aspectos comuns como: 1) centralidade de valores ou ideias baseadas em princípios, 2) crença de que indivíduos fazem diferença, 3) uso criativo de informação e 4) utilização de estratégias políticas sofisticadas para definição das campanhas por atores não governamentais. Na campanha analisada no presente estudo de caso estes quatro elementos estão presentes.

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