• Nenhum resultado encontrado

Mecanismo de transparência, participação, governança e controle nos empreendimentos público-privado

ANEXO V: Goldman Environmental Prize Concedido à Ruth Buendía Ashaninka

Mapa 4 Financiamento do BNDES em projetos de infraestrutura na América do Sul.

2.3. Empreiteiras Brasileiras e o Capitalismo de Laços com Estado Brasileiro: Contexto e a Influência no Acordo Energético Brasil-Peru

2.3.3. Mecanismo de transparência, participação, governança e controle nos empreendimentos público-privado

Verifica-se que a relação de simbiose que foi construída historicamente entre o Estado Brasileiro e grandes empreiteiras brasileiras, posteriormente transformadas em campeãs nacionais, com politica de indução própria para sua internacionalização, não foi acompanhada de um mecanismo eficiente de checks and balance, controle, governança, para verificação de sua atuação em beneficio da sociedade e de acordo com as leis. Prova disso são as atuais denúncias de cartéis, propinas, corrupção entre representantes das campeãs nacionais e o Estado Brasileiro. Por isso, arguimos que deveria existir um mecanismo para garantir a transparência destes

121

empreendimentos, como um conselho de acompanhamento das obras, composto com a eleição de membros da sociedade civil, governo, empresas e academia. Tais conselhos existem em inúmeros organismos multilaterais que manejam recursos financeiros muito menores dos que atualmente são geridos pelas campeãs nacionais. Conselhos, fóruns, comitês incluindo uma representação altamente diversa de membros da sociedade civil estão sendo eficazes para promover o diálogo, a transparência, participação, consulta e a governança destes investimentos91.

A tendência é que o Brasil, país emergente e hoje a 7ª maior economia do mundo, com a economia estabilizada até 2013 (com severos desequilíbrios econômicos em 2014-15), eleições democráticas, bancos de desenvolvimento consolidado e estável (BNDES), talvez continue aumentando seus investimentos no exterior depois de um período doloroso de re-balanceamento da economia e condenação da corrupção em empresas privadas e estatais. Sendo assim, é indiscutível a necessidade de aumentar o escrutínio das decisões e investimentos tomados em nossos vizinhos como a verificação se estes investimentos estão de acordo com o discurso, valores e princípios enunciados pelo Governo Brasileiro através da criação de um instrumento de governança. Na construção da estratégia para internacionalização de empresas, devem ser estabelecidos princípios e critérios mínimos que sejam parâmetros de referência e possam servir para a construção de uma governança mínima sul-americana. Por exemplo, a participação e financiamento do Brasil poderia ser condicionada ao cumprimento de requisitos mínimos e salvaguardas como participação de todos os envolvidos, salvaguardas socioambientais, respeito aos direitos humanos e indígenas, às autonomias durante o processo decisório que culminou no Acordo Energético.

Se não existem instâncias às quais é possível apelar no caso de controvérsia, é preciso criá-las. O mecanismo de governança deve ser construído pelos atores envolvidos e afetados, ou seja, pelos Estados Peru e Brasil com os representantes dos ministérios envolvidos, em conjunto com as empresas envolvidas, representantes das comunidades locais afetadas, Estados e

91 Muitos programas de proteção florestal do Banco Mundial como o FIP (Forest Investment Programme), o

programa da ONU para redução de emissões de desmatamento (UNREDD) possuem eficientes órgãos de governança com transparência e ampla participação da sociedade civil e academia. Por exemplo, em 2009-2011, a autora cumpriu mandato de representante da sociedade civil latino americana eleita para Conselho Normativo do Programa da ONU de Redução de Emissão de Desmatamento para estabelecer as regras e aprovar os financiamentos. (Vide em MOREIRA, P.F. 2011). Estes programas de cooperação internacional movimentam valores muito menores do que os envolvidos pelas campeãs nacionais.

122

municípios envolvidos. Somente com um arranjo diversificado que uma situação como essa requer, haverá legitimidade e implementação pacífica e exitosa deste acordo.

As incoerências entre a democracia (mesmo que de baixa qualidade) obtida internamente e a falta de transparência de sua política externa, que toma as mais diversas ações sob o argumento de integração regional são evidentes ao analista atento. A governança deste acordo energético é relevante também para a cidadania dos brasileiros porque afeta diretamente o bolso dos cidadãos uma vez que o maciço crescimento das empresas brasileiras que aumentam seus investimentos no exterior foi conquistado com financiamento público.

Considerando o acima mencionado, é possível afirmar que a abordagem bottom-up para tomada de decisões que afetam um grande número de setores e comunidades locais é a mais adequada e efetiva, que ao mesmo tempo minimiza os possíveis conflitos inerentes. Esta abordagem não foi utilizada para celebrar o Acordo Energético entre o Peru e Brasil. Pelo contrário, a abordagem top-down, fortemente centrada na hierarquia dos representantes dos Estados, impondo à população os efeitos do acordo celebrado sem qualquer transparência sobre o processo decisório. Como conseqüência natural das abordagens utilizadas, inúmeros conflitos se sucederam.

Considerações Parciais

Os fatos de estas empresas terem sido incentivadas e crescido por incentivo do Estado Brasileiro nos períodos de ditadura, financiar campanhas de candidatos e de partidos, terem participação acionaria estatal, financiamento do banco público de desenvolvimento e possuir uma relação de poder econômico maior do que algumas nações são mais do que suficientes para consolidar uma relação privilegiada com o Estado Brasileiro. A relação de aconselhamento técnico sobre hidrelétricas, por especialistas pertencentes a estas empresas, a ser analisada no capítulo 3, também revela uma relação institucional de simbiose.

As grandes empreiteiras brasileiras de engenharia e construção de hidrelétricas são atores fundamentais para o presente estudo de caso. Desta maneira, a compreensão de sua atuação em relação às tratativas para a formulação dos projetos hidrelétricos e na elaboração do Acordo Energético é parte muito importante desta pesquisa.

123

Levando em consideração a relação favorecida com o Estado Brasileiro e as grandes empreiteiras brasileiras consolidada historicamente e mantida até os dias de hoje conforme analisado acima, arguimos que o processo de formulação e planejamento dos projetos de hidrelétricas previstos assim como o próprio processo de decisão para a elaboração do Acordo de Cooperação assinado pelos países teve forte participação destas empresas de engenharia que posteriormente seriam as licitantes das obras no Peru: Odebrecht, OAS, Engevix, Furnas e Andrade Gutierrez conforme será analisado no próximo capítulo. Entretanto, este processo atropelou a sociedade peruana que não participou de planejamento só tomando conhecimento das tratativas após a assinatura do Acordo Energético divulgado nos jornais e rádios. Diante da falta de transparência e participação dos atores potencialmente afetados (comunidades locais e Povos Indígenas) e de setores da sociedade civil envolvidos nas discussões de planejamento energético do país e nas questões socioambientais nacionais (como academia, ONGs, think tanks, ativistas) e por não concordarem com os projetos e Acordo Energético, estes atores acabaram organizando a campanha contra o Acordo em nível nacional que acabou alcançando uma escala transnacional, analisada nos capítulos 4 e 5, dimensão não esperado pelas empresas brasileiras nem pelo Estado peruano e muito menos pelo Estado brasileiro.

Em virtude do aumento de risco de investimento privado provocado pela instabilidade política que a campanha gerou, nossa hipótese é que as próprias empresas brasileiras, decidiram desistir de seu respectivo projeto hidrelétrico, fazendo com que o Estado brasileiro também recuasse seu interesse.

Levando este contexto em consideração, arguimos que a atuação externa do Estado Brasileiro facilitando e impulsionando o investimento, participação e financiamento de obras no Peru pelas empresas e pelo banco público BNDES não reflete o interesse da maioria da população brasileira, mas sim os interesses dos sócios destas empresas, que aumentam seus lucros na medida da sua expansão exitosa de conquistas de novas obras. Evidentemente, esta relação de simbiose entre o Estado brasileiro e as grandes empreiteiras brasileiras (denominadas campeãs) não colabora com a diminuição de desigualdades do país, mas favorece a concentração de renda, modelo de desenvolvimento que seria exportado ao Peru por via do Acordo Energético. Apesar de ser inegável os benefícios dos inúmeros projetos socioambientais implantados por

124

algumas empreiteiras nas regiões que atuam, a potencial geração de empregos de alta qualificação, a tecnologia desenvolvida; este contexto de concentração de riquezas, falta de transparência, participação, concorrência e diálogo por parte dos Estados peruano e brasileiro e empreiteiras com a sociedade civil nas tratativas favoreceu o surgimento da resistência ora analisada. Conforme vimos acima, atualmente, este modelo de financiamento de obras público- privado que beneficia predominantemente as campeãs nacionais, está em xeque. Arguimos a necessidade de garantir transparência, participação, controle externo nos empreendimentos de infraestrutura para garantia de concorrência e consequentemente o melhor serviço para a sociedade. Entretanto, esta mudança depende do fortalecimento da participação dos cidadãos na política do país, maior controle dos governantes eleitos e amadurecimento da democracia, condições que infelizmente o Brasil ainda está engatinhando. Da mesma maneira, esta tese verificou em seus dados colhidos durante a pesquisa no Peru que a atuação da diplomacia brasileira é fortemente voltada para atender aos interesses das campeãs nacionais e aumentar sua internacionalização, principalmente tendo em vista a orientação do BNDES e MIDIC analisada neste capítulo – atuação que deve ser revisada diante dos resultados da operação Lava Jato noticiados no Brasil, no Peru e de maneira ampla internacionalmente em 2015.

125

CAPÍTULO 3 - O ACORDO ENERGÉTICO BRASIL-PERU: HISTÓRICO, NEGOCIAÇÕES E PONTOS DE DISCÓRDIA

Este capítulo objetiva analisar a origem e contexto das negociações para integração energética Brasil-Peru, divergências diplomáticas assim como ao final das negociações, as cláusulas fundamentais finalmente acordadas. Para descrever e analisar a evolução das tratativas, foram utilizadas entrevistas, documentos formais assinados pelos governos e apresentações em powerpoint utilizados em dois seminários sobre integração elétrica Brasil-Peru organizados pelo Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), UFRJ, financiados pela Eletrobrás e Ministério de Minas e Energia.

Esta seção é fundamental para a compreensão dos capítulos seguintes 4 e 5 nos quais analisaremos a percepção da sociedade peruana sobre tais esforços de integração assim como sua resposta em forma de campanha contra o acordo energético.

3.1. Esforços para a Integração Energética Brasil-Peru: Dos estudos à elaboração do

Outline

Documentos relacionados