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MUDANÇAS CLIMÁTICAS, INTEGRAÇÃO SULAMERICANA, RELAÇÕES BRASIL-PERU E AS EMPREITEIRAS BRASILEIRAS

ANEXO V: Goldman Environmental Prize Concedido à Ruth Buendía Ashaninka

CAPÍTULO 2- MUDANÇAS CLIMÁTICAS, INTEGRAÇÃO SULAMERICANA, RELAÇÕES BRASIL-PERU E AS EMPREITEIRAS BRASILEIRAS

O objetivo deste capítulo é descrever e analisar o contexto em que a campanha transnacional da sociedade civil contra o Acordo Energético Brasil-Peru foi construída. Em primeiro lugar, será feita a análise do contexto sul americano de integração física e energética levando em conta também os aspectos de planejamento energético, gestão da energia e as mudanças climáticas. Em seguida, será discutida a evolução da relação comercial entre Peru e Brasil bem como o histórico e projeções de consumo e demanda de energia destes países. Por fim, analisaremos o papel das empresas privadas de construção civil, denominadas empreiteiras, na formulação dos projetos hidrelétricos previstos para a integração energética com o Peru.

2.1. Integração Sulamericana Física e Energética e as Mudanças Climáticas

2.1.1. Integração Energética na América do Sul: Histórico, Desafios e as Mudanças Climáticas

Em primeiro lugar, é necessário distinguir os diferentes conceitos relativos ao tema da integração energética. Para Sanchez (2006, apud FRAGA, 2014, p.45) há diferenças entre os termos comércio, interconexão e integração energética. O termo “comércio” de energia representa apenas o intercâmbio de excedentes, já o termo “interconexão27” refere-se à coordenação de regulações nacionais, planejamento do despacho e projeções conjuntas de oferta e demanda de energia. O termo “integração energética”, por sua vez, corresponde a uma política

27 Segundo Nuti (2006 apud FRAGA, 2014), é possível encontrar a palavra interligação como sinônimo de

interconexão. Ademais, Nuti esclarece a existência de variações de significados referindo-se à interconexão enquanto interligação por meio de linhas de transmissão entre sistemas elétricos. Embora haja diferentes entendimentos do termo, o garantido é que o termo integração energética sobrepõem-se a estes processos pontuais de interconexão e interligação, referindo-se a um projeto político de integração de infraestruturas.

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energética comum, gerando a unificação de mercados e competências. Esse processo, portanto diz respeito a um comércio de energia sem restrições, e exige interesse no campo geopolítico. Em termos gerais o processo de integração energética visa promover a segurança energética da região, otimizando os custos dessa transação (FRAGA, 2014, p.45). Em nosso estudo de caso, trata-se atualmente de esforços para viabilizar uma interconexão elétrica entre Brasil e Peru, pois não existe até o momento uma politica energética comum entre Brasil e Peru28. Isto não quer dizer que em um segundo momento não haja uma verdadeira integração energética, mencionada diversas vezes no Acordo assinado entre Brasil e Peru.

As ideias para a integração energética na América do Sul tiveram início em meados da década de 1960 com a fundação em Montevidéu da Comissão de Integração Energética Regional (CIER), uma organização sem fins lucrativos. Nesta ocasião, a CIER criou um fórum técnico permanente para discussão do tema integração energética com a participação direta de profissionais das empresas do setor elétrico dos países membros. Em 1970, avançou-se com a fundação da Organização Latino-Americana de Energia (OLADE), composta por Ministros de Energia dos respectivos países integrantes da América Latina com a finalidade de realizar estudos e cooperação no setor energético. Este órgão foi o primeiro organismo para promover o intercâmbio de informações, experiências e trabalhos técnicos entre empresas de energia elétrica da América do Sul. A CIER e a OLADE viabilizaram projetos pontuais e acordos regionais específicos de integração energética implementados nos anos posteriores e demonstraram o potencial das possibilidades de intercâmbio de fluxos de energia (CASTRO, 2009). O estudo mais recente é o Projeto CIER 15 – “Estudio de Transacciones de Electricidad entre las Regiones Andina, América Central y Mercosur – Factibilidad de su Integración” (CIER, 2010) que visa analisar, sob os aspectos técnico, comercial, regulatório e operativo, a viabilidade da implantação ou o aumento das transações de Energia Elétrica entre as regiões da América Central, Andina e do Mercosul e a possibilidade de integração entre elas.

28 Vale ressaltar que os esforços para a interconexão Brasil-Peru a priori, escapa à logica de integração de blocos

sub regionais existentes da América Latina como o Mercosul, Comunidade Andina e América Central, sendo a América Central a região que possui mecanismos para integração energética bastante desenvolvido. O Peru pertence à Comunidade Andina e o Brasil ao Mercosul. Como se verá adiante, os esforços para interconexão Brasil-Peru são justificados em termos geopolíticos pela complementariedade dos ciclos hidrológicos da região, possibilidade de trocas de excedentes energéticos e pelo aumento do controle da vazão do Rio Madeira no Brasil.

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No Brasil, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) representa o país na CIER, principalmente a partir de sua colaboração justamente no Projeto CIER 15. O financiamento deste Projeto foi feito pelo (i) CIER; (ii) Corporação Andina de Fomento (CAF); e (iii) Banco Mundial, e foi elaborado pelos consultores Mercados Energéticos (ME) da Argentina; SYNEX do Chile; e PSR Mercados Energéticos do Brasil (ONS, 2015). Foi concluída em 2007 a fase I com o relatório de levantamento de instrumentos exigidos para implementar uma integração, quais sejam: (i) vontade política (ii) desenvolvimento institucional (iii) adequada regulação de comércio entre fronteiras e (iv) infra-estrutura de interconexão. Em seguida, o relatório apontou também os elementos chaves na análise de uma integração energética, agrupando-os em três tipos de ferramentas (a) Ferramentas legais e institucionais (elementos chaves: mecanismos transacionais, institucionalidade mínima requerida, fluxos em trânsito, arbitragem, Equidade e Poder de Mercado e Alianças ou tratados); (b) Ferramentas Comerciais (elementos chaves: contratos de curto e longo prazo, aspectos comerciais e tarifas e metodologias de manejo de riscos e por fim, (c) ferramentas operativas que incluem os elementos chaves de análise de oferta e demanda regional e planejamento nacional e regional (Projeto CIER 15). Esta fase também elaborou o relatório do estado atual das interligações na América Latina pela consultoria brasileira PSR.

A Fase II foi iniciada no 2º semestre de 200829 e possui o objetivo de analisar em nível estratégico, técnico, comercial e regulatório sobre a viabilidade de incrementar as transações energéticas entre os países da América Latina. Esta fase também visa (a) identificar benefícios estruturais como: (i) redução dos custos operativos; (ii) aumento da confiabilidade do atendimento e (iii) redução da emissão de CO2, (b) compartilhar estes benefícios entre os consumidores dos países envolvidos (modicidade tarifária) e (c) desenhar esquemas comerciais flexíveis que preservem a autonomia e política energética de cada país. A maioria dos países da América Latina participa do projeto CIER 15, representados por Delegados Nacionais, incluindo o Brasil e o Peru. Segundo Hermes Chipp, diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, “a interligação Brasil – Peru, mediante a construção de aproveitamentos hidroelétricos em território peruano, é um dos principais projetos que vêm sendo estudados no âmbito do Projeto CIER 15”. (CHIPP, 2009)

29 Esta fase foi conduzida com a contratação do Consórcio de Consultores PSR – Mercados Energéticos – Synex

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Segundo o Relatório CIER 15 (2010), a integração energética “deve ser vista como instrumento que torna mais eficiente o fornecimento de eletricidade e gás natural em escala regional e que possibilita a redução das emissões de carbono”. Por exemplo, a Argentina, que dispõe de grande estoque de gás natural, exporta este recurso ao Chile, que passa a substituir seu carvão e petróleo na geração de eletricidade e na indústria. A Venezuela dispõe da geração hidrelétrica da usina hidrelétrica (UHE) Guri que possibilita exportação de eletricidade a cidade de Boa Vista em Roraima, que por sua vez, passa a desativar seu parque térmico local via óleo combustível. De igual maneira, a importância da energia elétrica das usinas hidrelétricas a serem instaladas no Peru possui o potencial de fazer com que seja desnecessária a ativação de algumas usinas térmicas no Brasil. O estudo de transações de energia entre as regiões andina, América central e MERCOSUL da Fase I do Projeto CIER 15 indica que, com as integrações energéticas na América Latina podem diminuir em torno de US$ 1 bilhão as tarifas de energia praticadas no continente, podendo ser repassadas ao consumidor. Segundo a Eletrobrás, investimentos em obras de geração e transmissão de energia poderiam ter sido evitados em algo na casa de US$ 9,4 bilhões, exatamente em virtude da gestão ótima e integrada dos sistemas. (ELETROBRÁS, 2010)

Em termos concretos, do ano de 1965 até 2012, as interconexões elétricas aumentaram cerca de dez vezes, passando de 500 MW a 5 mil MW de capacidade instalada (CHIPP, 2012). Em 1965, foi firmado um convênio para intercâmbio de energia em quatro pontos da fronteira entre as empresas estatais Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) do Brasil e Usinas Eléctricas y Teléfonos del Estado (UTE) do Uruguai. Em 1969 foram estabelecidas interligações entre o Paraguai e o Paraná e em 1973 a energia gerada pela usina de Aracay no Paraguai começou a ser fornecida ao Brasil por interligação.

O Mapa 2 abaixo mostra as obras de interconexão executadas e em planejamento na América do Sul:

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Tabela 1. Obras de Integração Energética na América do Sul em construção.

Fonte: Adaptação de SALOMÃO, 2012a.

As linhas de transmissão de eletricidade existentes e em estudo estão retratadas no mapa abaixo. O estudo de caso desta tese, entre Peru e Brasil é o numero 10, representado com uma linha pontilhada:

Fonte: CHIPP, H. 2009.

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