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Para abordar o processo de construção da profissionalidade do educador, e em particular aquele que tenho vivido, julgo ser fundamental começar por considerar as características que Sarmento (2009) atribui à identidade profissional, o centro da profissionalidade:

A identidade profissional corresponde a uma construção inter e intra pessoal, não sendo, por isso, um processo solitário: desenvolve-se em contextos, em interacções, com trocas, aprendizagens e relações diversas da pessoa com e nos seus vários espaços de vida profissional, comunitário e familiar

(Sarmento, 2009, p.48) No caso do docente, a construção da profissionalidade decorre, assim, desde que ele próprio se iniciou nos contextos educativos, ainda como criança/aluno. Todo o caminho percorrido desde esse tempo até ao momento em que termina o seu percurso de formação inicial influencia o modo como irá agir nos futuros contextos profissionais. Neste ciclo, os períodos de prática profissional supervisionada assumem um papel crucial, constituindo-se como etapas de carácter extremamente reflexivo, responsáveis pela “desconstrução e a reconstrução de novos saberes e concepções” (Jacinto, 2003, p.50).

Esta reflexão advém, essencialmente, das relações entre a teoria e a prática criadas no âmbito da vivência num contexto real, durante a qual procuramos continuadamente explicações para as diferenças que encontramos entre os valores que construímos ao longo do tempo, que nos parecem óbvios, e o facto de não os conseguirmos operacionalizar como sempre tínhamos imaginado. A experiência da PPS cumpriu, no meu caso, o seu primórdio propósito, levando-me a “analisar, avaliar, questionar a sua [minha] própria prática docente, assim como os substratos éticos e de valor a ela subjacentes” (García, 1999, p.153), estando, por isso, repleta de momentos de reflexão pessoal como os seguintes exemplos demonstram: “parece-me mais significativo utilizar estratégias que contribuam para que cada criança encontre a sua voz e o seu papel no grupo” (Excerto da Reflexão Semanal nº5, 24 a 28 de outubro de 2016, Anexo B.5.10.) ou “valorizo efetivamente o esforço da equipa em organizar-se de modo a dar espaço às famílias e à comunidade para influenciar o seu trabalho e todas as vivências, mostrando-lhes que, juntos, têm mais poder…” (Excerto da Reflexão Semanal nº6, 31 de outubro a 4 de novembro de 2016,Anexo B.6.7.).

A realização da PPS em creche e depois em JI, primeiro com bebés com menos de um ano de idade, e depois com crianças com idades entre os dois e os cinco anos, revelou-se um choque para mim, por me encontrar em situações educacionais que

requeriam intenções, objetivos, práticas e atitudes tão distintas. Por isso mesmo, cada um deles, pelas particularidades que apresentaram, concorreu para o fortalecimento dos meus conhecimentos e competências como educadora.

Não só as características das crianças, mas também o modo como a minha integração decorreu no contexto se revelaram como fatores de influência na minha aprendizagem. No contexto da creche, fui acompanhada de perto por uma equipa de sala mais velha, constituída por pessoas com muitos anos de experiência e bastante dedicadas ao cuidado, no sentido de prestação de cuidados e afetos (também pelas características do trabalho numa sala de berçário, que integram há pelo menos 12 anos). No seio desta equipa, senti-me protegida e incentivada a aprender através de uma reflexão conjunta, sobre a prática conjunta. Os momentos de intervenção foram vivenciados numa perspetiva de trabalho de equipa, em que eu era encarada como uma aprendiza que, em conjunto com a educadora cooperante, poderia começar a desenvolver competências relacionadas com a prática do educador, tanto no quadro de atuação com as crianças, como com as famílias. Nesse sentido, os momentos de reflexão alertaram-me para o facto de que “é pensando criticamente a prática de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (Freire, 2002, p.18), mas acabaram por incidir sobre a prática como o resultado de uma atuação conjunta, e não diretamente sobre a minha prática, como minha responsabilidade exclusivamente.

O mesmo não aconteceu no contexto de jardim-de-infância, em que a relação que desenvolvi com a equipa, não só de sala, mas também de estabelecimento, se baseou na construção de uma imagem minha mais a par dos elementos da equipa (“testemunhei esta vivência colaborativa, mas especialmente porque pude tomar parte nela, sentir-me incluída e ver as minhas sugestões valorizadas” – Excerto da Reflexão Semanal nº12, 12 a 16 de dezembro de 2016, Anexo B.12.4.). Talvez também derivado a uma diferença de idades mais baixa, senti-me menos sob a responsabilidade de um elemento da equipa e mais como um elemento da equipa, com um nível de responsabilidade equivalente ao dos restantes elementos (ou quase, já que continuava a ser uma estagiária). Desse modo, o processo de reflexão passou a incidir mais sobre a minha prática, pela qual passei a sentir maior responsabilidade, levando-me a descobrir que, muitas vezes, pensar sobre a prática pode tornar-se desafiante, já que tal como declara Freire (2002), “é cansativo, … pensar certo, que nos faz proclamar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos.” (p.21).

Acima de tudo, as singularidades do processo que vivi em ambos os contextos, guiaram-me ao reconhecimento da sua principal semelhança, a procura constante pelo

melhor caminho para a realização da educação de infância, que deve “ser um instrumento para a conquista da autonomia e da liberdade e, ao mesmo tempo, fomentar o estabelecimento de laços sociais para aproximação aos outros e, em última instância, para a convivência pacífica com eles” (Sácristan, 2003, p.131).

É neste panorama de constante busca por melhorar a prática, na relação com o contexto, que se destaca a importância da concretização de investigação na e para a educação. Como define Baptista (2010), a investigação assume-se como um “princípio pedagógico para a organização e desenvolvimento das questões curriculares” (p.78), ou seja, é uma componente inerente à prática educativa e à avaliação e escrutínio da prática pedagógica do educador, afirmando-se como uma ferramenta de questionamento e reflexibilidade sobre a sua ação.

No contexto de creche, ao investigar acerca das interações entre bebés, concluí que, desde cedo, as crianças são já bastante competentes no estabelecimento de interações com os pares, indo ao encontro da teoria apresentada por Coutinho (2013). Em jardim-de-infância compreendi, num seguimento dessa perspetiva, que as crianças recorrem a diversas estratégias que lhes permitem resolver os conflitos que desenvolvem com os pares como declaram Haan e Singer (2003), revelando, igualmente a sua competência na interação entre si.

Ambos os casos originaram um suporte à reflexão acerca da prática do educador, que deve constituir-se a cada momento como um observador em constante descoberta do contexto, relacionando-se com as crianças e entendendo-as como seres sociais competentes, de modo a desenvolver e aplicar estratégias de intervenção que, ao invés de anularem as competências que as crianças possuem, as ampliem e intensifiquem (Moyles, 2002).

Da minha construção da profissionalidade como educadora fazem parte os princípios éticos do educador de infância (APEI, s.d.), que considero que deverão estar, sempre, aliados à minha prática profissional. Terei, a cada momento, de ser capaz de me responsabilizar pelo bem-estar de cada criança, família ou elemento da equipa com quem me cruze, procurando sempre assegurar que lhes presto a atenção e o cuidado de que necessitam (“A Responsabilidade”, APEI, s.d., 6º parágrafo). É minha obrigação desenvolver conhecimentos ao longo do exercício da profissão, procurando desenvolver também competências que me permitam integrar e reconstruir esses saberes no contexto (“A Competência”, APEI, s.d., 6º parágrafo). Deverei manter-me íntegra na concretização da atividade docente, considerando a transparência, a honestidade e a justiça como requisitos essenciais à prática (“A Integridade”, APEI, s.d., 6º parágrafo). Nesse sentido,

e para que seja capaz de concretizar todos estes princípios, é crucial que cumpra o último apresentado pela APEI (s.d.), o respeito, “enquanto exigência subjectiva de reconhecer, defender e promover a intrínseca e inalienável dignidade da pessoa” (6º parágrafo).

Relativamente à dimensão prática da PPS, esta etapa da formação constituiu-se, para mim, como um tempo caracterizado pela dissonância emocional criada pela urgência de participar como educadora e, ao mesmo tempo, pelo receio de me confrontar com os obstáculos do mundo real. Despertou-me para as dificuldades em realizar aquilo com o que nos comprometemos, e alertou-me para a importância que o cumprimento dos nossos valores assume. Permitiu-me confrontar-me comigo mesma, a nível pessoal e profissional, e perceber que ainda existe um vasto espaço para crescer, como reflito na última reflexão semanal da PPS: “Cada vez compreendo melhor o caminho que quero seguir, reconhecendo ainda assim que a profissão de educador, pela busca interminável por conseguir sempre melhor, será mais acerca da viagem nesse caminho do que a chegada a um ponto final.” (Excerto da Reflexão Semanal nº15, 16 a 20 de janeiro de 2017, Anexo B.15.4.). A verdade é que crescer é um verdadeiro desafio quando, ao olharmos à nossa volta, existem tantas pessoas que esperam a nossa ajuda para crescerem elas próprias. Por isso mesmo, ser docente requer coragem, “coragem para continuar a encorajar-se a si próprio e aos outros a aprender em contextos pessoais, profissionais, sociais e organizacionais em constante mudança” (Day, 2004, p.60).

Nesta demanda, a formação contínua desempenha um papel essencial, já que nos incentiva a acompanhar a panorâmica da educação e desenvolver novas estratégias, impelindo-nos a adaptar a nossa prática aos contextos socioculturais a cada momento (Day, 2001). A formação docente é um caminho incessante, que se realiza a cada experiência prática, a cada reflexão conjunta, a cada obstáculo encontrado, a cada sucesso alcançado e é nessa “inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (Freire, 2002, p.24). É possível e essencial porque nos leva a insistir na chegada a uma meta, a aspirar transformarmo-nos naquilo que ainda não somos e a concretizar algo que ainda não existe, mas que julgamos ser possível (Sácristan, 2003), constituindo-se, deste modo, como um impulsionador da esperança na educação, nossa e dos outros, e, portanto, na profissão de educador.

Aliada à formação contínua, a equipa educativa que acompanha o educador constitui outro dos suportes à sua construção pessoal e profissional. Construção essa que acontece através de uma dinâmica que promove o crescimento constante com base numa relação afetiva, entre técnicos competentes, numa posição igualitária e simultaneamente, tão díspar, pelos contributos que cada um dos elementos pode trazer

ao grupo. Com base nas relações que fui estabelecendo em ambos os contextos da PPS, em que a equipa resultava de um conjunto de pessoas que se apoiam, estimulando a superação individual e coletiva, posso afirmar, com toda a certeza, que a cooperação é um fator extremamente significativo na construção de uma educação mais consistente, mais adaptada às necessidades reais, mais autêntica. A cooperação entre a equipa, entre a equipa e as famílias (“Valorizo efetivamente o esforço da equipa em … dar espaço às famílias e à comunidade para influenciar o seu trabalho e todas as vivências, mostrando- lhes que, juntos, têm mais poder para proporcionar uma educação adequada a cada criança” – Excerto da Reflexão Semanal nº6, 31 de outubro a 4 de novembro, Anexo B.6.7.), entre adultos e crianças, a cooperação entre eu e o outro, independentemente de quem ele seja.

Esse outro, o centro da profissão docente, que necessita de nós, do nosso saber, da nossa competência, da nossa disponibilidade, do nosso abraço, de tudo de nós. E quanto mais dermos de nós, mais de nós receberemos. Ao longo deste curto processo de formação, em que procurei encontrar-me como educadora de infância, foi essa a conclusão mais clara que construí - percebi que a profissão docente é isso mesmo, dar- se àqueles que o rodeiam, envolver-se nos contextos em que vive, construir-se a si próprio a partir da relação com o outro, porque, como educadora, “não existo fora da relação, não existo destituído de afeto, de sonhos, de sonhos-projetos para mim e para os outros!” (Almeida & Lourenço, 2013, p.21).