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Controle sobre o resultado final

4. AUTORIA

4.5. Regras específicas de autoria relevantes para OAGIAs

4.5.2. Controle sobre o resultado final

Ascensão indica que o fator determinante para separar as obras que foram criadas com assistência de um computador e as que foram autonomamente geradas por computador é a existência de um controle ou previsão do resultado da obra que será tutelada, ainda que não haja ingerência nos meios pelo qual se chega nesse estado final423. Tito Renda e Nuno Sousa e Silva concordam com essa ideia, afirmando que são necessárias decisões soberanas e conscientes para configurar a autoria, e que por essa razão o art. 26º do CDADC exclui os colaboradores técnicos (como auxiliares ou ajudantes) dos direitos de autor424, resguardando a possibilidade de serem titulares de direitos conexos. O art. 16º, n. 2 do CDADC também parece seguir a mesma lógica, ao atribuir aos intérpretes ou outros colaboradores os direitos de autor na forma de obra feita em colaboração, nos casos em que contribuem criativamente para o estado final da obra e o espaço para essa contribuição está previsto, mas não pré- definido (um improviso de um autor, por exemplo)425.

De maneira adaptada, vemos esses apontamentos também na doutrina internacional, relacionando a intencionalidade e o controle genérico sobre o resultado com a possibilidade de o autor demonstrar a originalidade subjetiva na obra426. Bruce Boyden sugere que detalhar e desenvolver essa noção é a melhor opção para garantir proteção às OAGIAs concedendo a titularidade à pessoa humana por trás da máquina, que teria o ônus de demonstrar que o

422 De forma geral, S

Á E MELLO 2016, 77–81.

423 ASCENSÃO 2012b, 75–76. 424 RENDAS &SILVA 2019, 98. 425 M

ENEZES LEITÃO 2018, 112. Na jurisprudência, ver acórdão do TRL de 25/10/2012, rel. Luís Correia de Mendonça.

426 Analisando no contexto do copyright, cf. GINSBURG &BUDIARDJO 2019, 361–76; HEDRICK 2019, 362;

resultado alcançado foi razoavelmente previsto ou planejado427. Essa bitola aparece como uma opção interessante para criarmos uma separação entre genuínas OAGIAs e aquelas em que a inteligência artificial pode ser considerada apenas uma ferramenta428.

No entanto, a ideia de que seja necessário um controle maior sobre o resultado e a exclusão dos colaboradores parece enfrentar algumas barreiras na transformação do Direito de Autor na sociedade informacional, com a diminuição da bitola da criatividade e o crescimento dos processos criativos coletivos. E, mesmo antes dela, obras criada acidentalmente ou em transe sempre foram plenamente tuteláveis por direitos de autor429.

Se pensarmos nas obras coletivas tecnológicas, elas podem acabar sendo majoritariamente feitas por uma multiplicidade de pessoas enquadráveis como colaboradores ou agentes técnicos. Uma empresa pode ter um plano de desenvolvimento de uma aplicação informática para resolver um determinado problema, e um de seus programadores (possivelmente em conjunto com seus colegas) pode ter uma ideia inovadora capaz de modificar totalmente o planejamento inicial430. Isso, por si só, não afeta os direitos patrimoniais adquiridos originariamente pela pessoa coletiva, pois o contributo dela (que permite caracterizá-la como verdadeira autora da obra) não se resume ao conjunto dos atos criativos das pessoas naturais, ou da coordenação deles431.

O TJUE voltou alguns passos atrás no caminho da objetivação jusautoral ao harmonizar o critério da originalidade subjetiva, na forma da criação intelectual própria do autor, resgatando uma certa exigência de controle sobre a obra. Isso se deu especialmente no caso Painer de 2011, que se referiu à necessidade de “escolhas livres e criativas” ao lado do toque pessoal do autor. No entanto, nenhuma das decisões do Tribunal de Justiça sobre a originalidade subjetiva mencionou controle sobre o resultado, ou, em outras palavras, uma consciência sobre a obra final432.

427 BOYDEN 2016, 391–94.

428 Analisando a questão e concluindo que, com a tecnologia atual, nenhuma máquina realmente seria

autonomamente criativa, ver GINSBURG &BUDIARDJO 2019, 402–5.

429 DIAS PEREIRA 2008, 385; HEDRICK 2019, 363.

430 O papel da pessoa coletiva é dirigir as atividades de seleção, apresentação ou disposição dos contributos

individuais, coordenado os esforços em prol de uma finalidade em comum REMÉDIO MARQUES &SERENS

2008, 230–33.

431 SÁ E MELLO 2016, 78–80. 432 MICHAUX 2018, 410 e 414.

Se quisermos utilizar coerentemente a noção de controle para separar as OAGIAs genuínas das que não o são, devemos interpretá-la sob parâmetros mínimos, existindo cumulativamente em relação ao resultado e aos meios para alcançá-lo, sempre de forma criativa e não meramente guiada por quesitos técnicos. A participação da pessoa humana na obtenção do resultado final, assim como nas artes plásticas, pode ser a simples concepção do resultado em termos gerais, unida à seleção criativa de dados ou fontes dentre várias opções possíveis433.

Oferecendo exemplos concretos, simplesmente ordenar que a máquina escreva um texto sobre “cachorro feliz no amanhecer” usando a internet como base de dados não traz nenhum elemento de originalidade434. Agora, se pedíssemos que ela escrevesse sobre “cachorros felizes no amanhecer” a partir de um período triste dos textos de um poeta selecionado, existiria um contributo original. Que, por sua vez, não existiria se fossem selecionadas as mesmas poesias e ordenássemos simplesmente que a máquina criasse “um texto”. Que, por fim, seria muito dúbio se o universo de escolhas fosse significativamente limitado pelo programador a poucas opções. Esses são apenas exemplos pontuais das situações possíveis435, que deverão ser analisadas casuisticamente.

Vale ressaltar que a imprevisibilidade do resultado da obra não se confunde com a aleatoriedade. Essa, um pouco mais relevante para a constituição de obras consideradas autonomamente geradas, é uma espécie daquela436.

Podemos exemplificar a diferença com aquela que foi, discutivelmente, a primeira obra produzida por um computador registrada para fins de proteção jusautoral no mundo, a

Gaussian-Quadratic. Após ter o pedido negado duas vezes, a primeira por não ter sido

produzido por uma pessoa humana e a segunda por ser uma obra randômica437, o requerente,

433 Seguimos de perto nesse ponto R

OCHA 2008, 782., e, especificamente sobre as OAGIAs, SAIZ GARCÍA

2019, 20–23.

434 Um exemplo mais prático são os textos relativamente complexos do Philosopher AI (disponível de forma

pública na sua versão beta, em https://philosopherai.com/), produzidos a partir de uma ou poucas palavras digitadas pelo usuário.

435 Para outros exemplos didáticos parecidos com os apresentados aqui, cf. S

ELVADURAI &MATULIONYTE

2020, 4.

436 HEDRICK 2019, 363–65.

437 O Copyright Office dos EUA proíbe expressamente em seu compêndio de práticas o registro de obras

Michael Noll, explicou no terceiro requerimento como ele tinha desenvolvido a programação para aquele fim específico e como o que parecia aleatório para humanos era na verdade um conjunto de instruções matemáticas muito bem definidas438. Era, em suas alegações, um procedimento imprevisível, mas não verdadeiramente aleatório.