• Nenhum resultado encontrado

No paradigma da sociedade informacional

2. TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO E EQUILÍBRIO DE INTERESSES

2.3. Diferenciação com as teorias sobre a estrutura e natureza jurídica

2.4.2. No paradigma da sociedade informacional

O advento da sociedade informacional e das novas tecnologias de informação e comunicações, com inadequações e um explosivo aumento de possibilidades, tanto de utilização legítimas quanto de infrações, levou a uma preocupação generalizada de reguladores, juízes e estudiosos da PI, incluindo o Direito de Autor e declarações de que aquele poderia ser o seu fim199.

Contudo, como repetidamente notado pelos teóricos desse campo, essas afirmações se deram em diversos outros momentos históricos sem que se tornassem realidade, pois as transformações dos direitos de autor historicamente se confundem com as transformações tecnológicas, em uma relação de amor e ódio que, por vezes, é de um reforço produtivo e, por outras, é de um conflito destrutivo e empolamento200.

No caso das transformações oriundas da sociedade informacional, embora o Direito de Autor tenha assumido um papel muito mais importante no cenário jurídico e se tornado presente na vida cotidiana do cidadão comum201, as mudanças parecem ser mais de se criticar do que elogiar, ao menos sob a ótica do interesse público202.

As (então) novas tecnologias de informação e comunicação, em especial a internet, diminuíram radicalmente (ao menos em potencial) os custos de transação e aproximaram de zero o custo marginal das obras digitais protegidas pelo Direito de Autor, significando que a criação, produção, distribuição e reprodução ficaram todas mais fáceis e baratas203. Deve- se lembrar, cumulativamente, que boa parte das obras criativas podem ser digitalizadas (o que é em si um ato de reprodução), ainda que nesse processo percam algumas suas características, geralmente ligadas aos seus aspectos físicos. Nesse formato virtual, podem

198 Opta-se pela utilização de “sociedade informacional” seguindo Manuel Castells, ao pontuar que essa

designação peculiar indica uma forma específica de organização social, na qual o gerenciamento da informação assume um papel central nas relações poder. De forma geral, ver CASTELLS 2009. Essa terminologia pode ser criticada, como faz Ascensão, porque a informação difundida nesse novo modelo está inserida numa lógica comercial e consumerista, com uma priorização de quantidade sobre qualidade. O nome “sociedade da comunicação” talvez fosse mais adequado. Cf. ASCENSÃO 2008b, 98–99.

199 Paradigmático, dentre muitos textos similares publicados nesse período, é o artigo de NIMMER 1995. 200 A SCENSÃO 2008b, 100; TRABUCO 2006, 140. 201 B RANCO 2011, 232. 202 DIAS PEREIRA 1999. 203 LEMLEY 2015b, 488–90.

ainda ser desfragmentadas com facilidade204.

Essa diminuição de custos foi considerada menos importante pelas empresas envolvidas, em relação aos riscos que surgiram dos mais diversos tipos de infrações de direitos de autor, pretendendo-se enquadrar como ilícitas mesmo aquelas ações que, em um primeiro momento, seriam legítimas e mesmo enquadráveis em limites ou exceções. A resposta da indústria cultural foi violenta e extremamente expansiva, chegando a promover medidas contra largos grupos populacionais e agindo como se qualquer um fosse um “pirata” em potencial. Utilizações tradicionalmente livres no mundo analógico se tornaram atos reservados no espaço digital205, novos tipos de “obras” passaram se ser protegidas e novos direitos surgiram. A doutrina crítica passou a chamar atenção sobre os efeitos negativos na criatividade, a disfuncionalidade do sistema e o desapreço popular da própria ideia da proteção jusautoral206.

Essas transformações também ocorreram na legislação portuguesa e comunitária, sob uma perspectiva de concorrência sobre os bens informáticos para reforçar indústrias nacionais, alavancada principalmente pela diplomacia estadunidense e seguida de perto por outras indústrias influentes, como a japonesa e as europeias207. Acelerou-se a negligência com o interesse público que já se intensificava durante o século XX, pelo foco excessivo apenas nos interesses privados envolvidos na tutela jusautoral. A informação se dissociava do princípio da liberdade e se tornava um bem econômico autônomo, suscetível de apropriação208. Isso resultou em um grave desequilíbrio em prol da posição dos titulares, avançado sob o dogma do “elevado nível de proteção” da União Europeia209.

O prejuízo unilateral, claro, recaiu sobre os demais interesses envolvidos. Os interesses sociais perderam espaço210, com seus agentes (como usuários da internet e

204 MENEZES LEITÃO 2018, 331 e 348; TRABUCO 2006, 141.

205 Vide o caso alemão de entrega de documentos a partir de cópias parciais solicitadas às bibliotecas, ação que

passou a ser infracional DIAS PEREIRA 2012, 346.

206 Uma das mais famosas obras que denunciam esse movimento é a de L

ESSIG 2004. A doutrina portuguesa é geral extremamente crítica dessas alterações, p. ex. ASCENSÃO 2005; DIAS PEREIRA 2011b. Em relação ao desapreço popular gerado, ver GINSBURG 2002.

207 A

SCENSÃO 2008d, 10.

208 T

RABUCO 2006, 138.

209 VICENTE 2011, 275.

instituições de proteção cultural) acompanhando um aumento promissor de possibilidades de acesso e reutilização pelas novas tecnologias de informação e comunicação, que eram então tolhidas por imposições legais. Observou-se uma voraz “caça às exceções”, transformando-as em algo que os julgadores ou os reguladores deveriam minimizar211. As novas regras protegiam até meios tecnológicos que impediam o acesso de direitos legalmente garantidos no mundo analógico212.

O avanço agressivo das instituições comunitárias sobre a competência legislativa e regulação do Direito de Autor não alcançou plenamente os objetivos a que se propunha, com resultados aquém do esperado na competitividade da indústria europeia e a constatação de alguns danos sérios ao cidadão comum e ao ambiente cultural nesse campo. Em outras palavras, foram identificados poucos ganhos relevantes, mas a um custo muito alto. Já no final da primeira década do milênio as instituições da União Europeia passaram a mencionar com maior frequência as preocupações não econômicas, embora a tradução disso em atos de efeitos práticos tenha sido tímida213.

A reforma das legislações de Direito de Autor não é, contudo, uma batalha que se trava simplesmente com argumentos racionais e dados. É notória a influência dos lobbies, (empresarias, de artistas e de entidades de gestão coletivas, dentre outros), nos agentes legislativos e julgadores que levaram a novas leis e decisões vinculativas que representaram um aprofundamento grave do desequilíbrio entre os interesses legítimos envolvidos214. Uma boa proposta de reforma significaria, em muitos casos, um movimento em sentido contrário, impondo uma supressão unilateral em interesses que foram antes beneficiados de forma unilateral. Por isso mesmo, o argumento do “equilíbrio de interesses” pode ser utilizado para manter uma situação desequilibrada, e deve ser suficientemente compreendido para fugir de armadilhas215.

211 Invertendo, assim, a defesa Lord Macaulay sobre a limitação do monopólio jusautoralista perante a Câmara

dos Comuns, em 1841: “It is good that authors should be remunerated; and the least exceptionable way of

remunerating them is by a monopoly. Yet monopoly is an evil. For the sake of the good we must submit to the evil; but the evil ought not to last a day longer than is necessary for the purpose of securing the good.”. Cf.

MACAULAY 1841.

212 A

SCENSÃO 1999, 51–57.

213 A

SCENSÃO 2009. Para um exemplo dessa renovada preocupação cultural, não só na União Europeia, ver DIAS PEREIRA 2012.

214 BUCCAFUSCO &HEALD 2013, 10–12. 215 MENELL 2003, 155–56.